A. S. Alves

Editorial do n.º 1

  Com este número inicia-se a publicação de um jornal electrónico destinado à divulgação das actividades do Observatório Astronómico em pé de igualdade com a publicação de artigos de divulgação astronómica provindos de outras fontes. Este jornal nasce do reconhecimento do interesse público pela Astronomia, assim como pela ciência em geral, e procura estimular e desenvolver este interesse. O interesse público pelas actividades científicas é uma questão cultural essencial e, como tal, um elemento central de cidadania.

São, desde o alvor dos tempos, muitas as questões que o Universo põe à Humanidade. Todo o destino da vida parecia regulado pelo movimento imperturbável dos astros e era-o, de facto, no respeitante a uma estrela próxima, o Sol. Foi pela observação dos movimentos da Lua que se estabeleceu o primeiro calendário, foi pela posição da Estrela Polar que o Homem encontrou o seu caminho, fosse em terra ou no mar.

A invenção dos primeiros telescópios permitiu encontrar no céu mistérios imprevisíveis - as montanhas da lua, os satélites de Jupíter - assim como medir com mais rigor as posições dos corpos celestes. O interesse pelo céu foi sempre crescendo à medida que as sociedades se tornavam mais ricas, aqui, à superfície da Terra.

E quando a Humanidade pôde compreender melhor os segredos da vida, logo se perguntou se haveria vida noutros mundos ou se, por um acaso misterioroso, estaríamos sós no Universo. A imaginação dos escritores trouxe-nos a ideia de vida extraterrestre, de vida inteligente e inimiga. E, desde então, não mais a questão da vida fora da Terra deixou de interessar a opinião pública. Questão complexa a que a ciência estará ainda longe de dar uma resposta exacta. Porém, questão que pouco tem a ver com aparições, ou ilusórias aparições, de naves espaciais tripuladas por seres estranhos.

Outros mistérios estão nas estrelas longínquas. Muita coisa se sabe sobre o Sol, sobre os ciclos da actividade e sobre o modo como se converte a matéria na energia que nos aquece e nos permite a vida. Porém o sol é apenas uma estrela entre o incontável número que povoa o Universo. Há outras que estão noutros estádios de evolução, assim como há outras que se "comprimiram" tanto que se tornaram buracos negros.

Desde sempre que as concepções profundas da vida colectiva foram variando à medida que a Humanidade foi conhecendo o Cosmos, o Mundo longínquo que a rodeia. A Biblia começa por descrever a criação e a ordem do Universo estabelecida por Deus; outros povos adoraram os astros. Na Idade Moderna, a teoria heliocêntrica e a descoberta das leis profundas dos movimentos dos astros conduziram a uma revisão essencial na filosofia que se traduziu no triunfo do racionalismo e na visão mecanista da sociedade. Amanhã se, por exemplo, se encontrar provas de vida em Marte, em condições inesperadas, não somente se modificam as nossas concepções sobre a natureza da vida como se mudam as concepções sobre a organização social.

Está, pois, aberto um campo vasto ao interesse dos cidadãos no que respeita aos desenvolvimentos da ciência. Acresce que a Astronomia é, desde sempre, a disciplina que mais atraiu o interesse dos chamados amadores. E diz-se "chamados" porque nestas coisas do conhecimento não têm sentido separações baseadas em estatutos profissionais (e o caso de Herschel bem o prova). Esta revista está aberta à publicação de artigos da parte de todas as pessoas interessadas na Astronomia. Nesse sentido usará o critério editorial típico das revistas científicas, isto é, o exame do projecto de artigo por um especialista.

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O calendário é matéria de interesse astronómico e o novo milénio, e a data do seu início, têm sido assunto de discussão pública. O artigo solicitado ao Eng. Nunes Marques - Origem e evolução do nosso calendário - esclarece esta questão: não existindo ano zero no nosso calendário, somente em 31 de Dezembro de 2000 se completam 2.000 anos sobre o início da contagem. Logo, o novo milénio começa às zero horas de 1 de Janeiro de 2001. Porém, temos que admitir que a sociedade civil decidiu contrariamente, decerto, condicionada pelo gosto dos números redondos.

No dia 11 de Agosto de 1999, milhões de pares de olhos protegidos por óculos especiais olharam para os céus de Portugal à espera do momento em que a Lua iria tapar parcialmente o Sol, o que aconteceu com a precisão matemática esperada. O Observatório acolheu um milhar de pessoas particularmente interessadas, para além da presença especialmente simpática do Ministro da Ciência e da Tecnologia, do Reitor da Universidade e de muitos outros convidados distintos. Um breve relato desse dia consta em O eclipse solar de 11 de Agosto de 1999.

Dia a dia, quando o céu o permite, os espectroheliógrafo vai registando a actividade solar. Para os observadores não há fins de semana nem feriados pois que o Sol não conhece os dias do calendário nem necessita de repouso. Algumas das imagens recentes pode encontrar-se em Observações solares em Dezembro de 1999.

A partir do próximo número começar-se-á a divulgação de instrumentos antigos pertenecentes à Colecção Astronómica assim como de documentos e livros antigos.

Artur Soares Alves
Director do Observatório Astronómico
Almas de Freire
3040 - xxx C
OIMBRA
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asalves@merlin.mat.uc.pt