A Esfera de Costa Lobo

 
  A esfera a que associamos o nome de Costa Lobo, seu inventor, é um exemplo do modo como o engenho pode suprir a falta de recursos humanos ou materiais. Nesta página transcreve-se a descrição feita pelo próprio Autor e publicada no volume 2 (de 1930) dos Anais do Observatório.

Doutor Francisco Miranda da Costa Lobo

Nascido em Vinhais, 1864. Doutor em Matemática em 1885. Lente catedrático da Faculdade de Matemática da Universidade de Coimbra até 1911. Transitou para a Faculdade de Ciências após esta data. Regeu várias disciplinas da sua Faculdade, com especial relevo para Astronomia, Mecânica Racional, Física-Matemática, Mecânica Celeste.

Doutor Costa Lobo, retratado por Martins Barata, 1996. Retrato pertencente à Família do representado e exposto no Observatório.

Primeiro-Astrónomo do Observatório (1914 - 22). Director entre 1922 e 1934, ano da sua jubilação. Impulsionou e dirigiu a instalação do Espectroheliógrafo e foi o fundador das observações solares que continuam até ao presente, o que o torna num dos pioneiros da Astrofísica em Portugal.

Personagem de grande cultura, viu os seus méritos serem reconhecidos no País e no estrangeiro. Citando apenas o mais relevante: Membro da Academia de Ciências de Lisboa, da Royal Astronomical Society, da Academia Pontifícia das Ciências, da Real Academia das Ciências de Madrid, da Real Academia de História de Madrid, do Bureau des Longitudes de Paris, da Academia Diplomática Internacional. Medalha de Ouro da Academia das Ciências de Paris.

A Esfera

Tendo sido reconhecido impossível dispor de pessoal o tempo para determinar as posições dos fenómenos, mesmo fazendo uso de tábuas apropriadas para facilitar os cálculos trigonométricos das fórmulas de transformação para a passagem das coordenadas ângulo de posição e distância para as coordenadas heliocêntricas, fiz construir um instrumento com o qual se consegue, com uma pessoa, obter as transformações que exigem pelo menos cinco pessoas usando o processo ordinário, embora, como já disse, auxiliado pelo uso de tabelas apropriadas.

Fotografia da esfera (Colecção Astronómica)

A doutrina que serviu de base para a construção deste instrumento é fácil de compreender, mas para se conseguir a aproximação de uma, décima de grau, suficiente, atendendo às dimensões dos espectroheliogramas que são obtidos directamente no espectroheliógrafo, foi necessário construir uma esfera de 573 milímetros de diâmetro, perfeitamente calibrada e garantida contra as variações de temperatura que poderia ainda haver a recear, embora fossem tomadas as devidas precauções para estreitar os seus limites.

Devemos ao almirante Magalhães Correia, então ministro da Marinha, a oferta de uma esfera construída no Arsenal da Marinha, a qual satisfez completamente às condições exigidas, e honra o pessoal desta oficina do Estado.

A armação metálica foi cuidadosamente construída na oficina de instrumentos de precisão do Instituto Superior Técnico, e pode ser observada a sua disposição na figura 1.

Figura 1- Representação gráfica do funcionamento da esfera

Em PAP1 e PBP1, encontram-se dois meridianos que fazem entre si um ângulo de 90º. A é o pólo do meridiano PB, B o pólo do meridiano PA, P o pólo do equador AB.

Na posição normal a armadura constitui um triângulo esférico tri-rectângulo com os lados PA, PB, AB, e é colocada de modo que os arcos metálicos ficam por fora dos traços do meridiano e do equador, embora com os lados encostados, quanto possível, a estes traços, para os quais fica virada a graduação.

Os braços PB e AB são móveis, por meio de charneiras, exactamente em volta dos pontos P e A situados a uma distância angular de 90º um do outro.

Sobre PA, para um e outro lado de P, está incrustado sobre a esfera um arco metálico com cerca de oito milímetros de largura, colocado pelo lado de dentro. Tem o zero em P e está graduado para um e outro lado, bastando quando se trata do Sol, ir até 10º.

A esfera tem exactamente o diâmetro de 573 milímetros, a fim de que a meio milímetro sobre o arco do círculo máximo corresponda uma décima do grau ou 6’.

No braço PA existem duas aberturas alongadas, e na esfera encontram-se incrustadas 4 porcas correspondentes a 4 parafusos de 2 milímetros de diâmetro. As porcas estão colocadas a cerca de 8 milímetros das extremidades das aberturas. Os anexos aos braços PB e AB são talhados, nas peças destes mesmos braços, e têm aberturas colocadas na forma indicada na fig. 1.

As graduações, de 90º desde P a A, desde A a B e desde P a B, são prolongadas além dos limites A e B.

Como é possível deslocar o braço PA ao longo do arco PP1, pode levar-se o ponto P à posição do pólo do Sol, de modo que o ponto A corresponda exactamente ao centro da imagem obtida do Sol. Conhecidos, por meio da imagem planificada, o ângulo de posição e distância de um determinado ponto, movendo convenientemente o arco AB em volta de A marca-se sobre a esfera, com um estilete, a posição daquele ponto. Deslocando PB em volta de P até tocar o sinal feito, sobre PB será lida a colatitude heliocêntrica e sobre AB a longitude heliocêntrica, que será oriental ou ocidental relativamente ao meridiano central do Sol. A fim de que o rendimento do trabalho seja maior convém fazer por séries estas duas operações, e empregar duas pessoas.

A figura 2 exemplifica a maneira como é feito o trabalho.

Figura 2 - Operando com a esfera

In Anais do Observatório Astronómico da Universidade de Coimbra, Primeira Secção: Fenómenos Solares, Tomo II, 1930

A S Alves
Director do OAUC
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