João Fernandes

A idade das estrelas I: Uma perspectiva teórica

 
 
 
 
Um olhar despreocupado para o firmamento numa noite sem nuvens e longe das luzes urbanas permite a contemplação de um céu salpicado de estrelas. Exceptuando alguns parcos exemplos (como as supernovas) as estrelas parecem-nos testemunhas de um Universo imutável: estão onde ontem estavam e brilham como ontem brilhavam.

Este aparente "imobilismo cósmico" deve-se, por um lado, à enorme distância que nos separa das estrelas e, por outro às suas idades. Da distância falaremos numa outra oportunidade. No entanto e como exemplo podemos referir que a estrela mais próxima da Terra, depois do Sol, é a Proxima Centauri que se situa a quase 4 000 000 000 000 km. Se por absurdo esta estrela desaparecesse neste preciso momento, teríamos que esperar mais de 3 anos para deixar de vê-la. Este texto constitui, assim,

o primeiro de dois cujo objectivo é o de abordar a idade das estrelas e fazer uma curta recensão sobre os métodos que permitem inferir essa idade. Neste primeiro trabalho faremos um breve resumo dos pressupostos teóricos, sem os quais a tarefa de interpretação das observações, que constitui a base de tais métodos, ficaria reduzida a meras especulações.

Figura 1: Enxame Aberto NGC 3603 na constelação de Carina. Aglomerado de estrelas consideradas jovens (com poucas centenas de milhões de anos). Imagem captada pelo telescópio ANTU pertencente ao Very Large Telescope do ESO (http://www.eso.org/outreach/info-events/ut1fl/astroim-staclu.html)

Uma estrela é um corpo aproximadamente esférico, constituído essencialmente por gás (maioritariamente hidrogénio) e de enormes dimensões: o Sol tem um diâmetro de 1 392 000 km e uma massa igual a

1 990 000 000 000 000 000 000 000 000 000 kg

e é considerada uma estrela pequena! Conhecem-se estrelas cujo diâmetro é superior a 100 vezes o respectivo valor solar e outras cuja massa é 60 vezes a massa do Sol.

Mas a característica singular, sem a qual não haveria estrela, é o facto destes corpos produzirem, nas suas regiões mais internas, elementos químicos à custa de outros. A transformação de hidrogénio em hélio tem particular importância nesta nossa discussão. Antes de mais, esta é a primeira transformação química que ocorre numa estrela. Além disso, as observações indicam-nos que o Sol, tal como mais de 90% das estrelas do Universo, encontra-se actualmente a realizar essa transformação no seu centro. Diz a teoria da evolução estelar que dentro de alguns milhares de milhões de anos, o hidrogénio central do Sol terminará e então será a vez do hélio ser transformado em carbono e oxigénio. No caso solar alguns milhões de anos mais tarde as transformações químicas terminarão. Para estrelas com uma massa superior elas

continuarão, produzindo outros elementos químicos (como o néon e o silício). Em particular, para estrelas com uma massa superior a nove vezes a massa solar a sequência de transformações químicas só termina quando for produzido ferro. A fase seguinte na evolução destas estrelas é a supernova - uma colossal explosão que deixa a estrela reduzida a um corpo de alguns quilómetros que poderá degenerar num buraco negro. Graças a esta explosão, enormes quantidades de elementos químicos como hélio, carbono ou oxigénio são enviados para o espaço podendo vir a fazer parte da formação de nuvens de gás que por sua vez irão dar lugar a novas estrelas.

Figura 2: Nebulosa do Caranguejo, na constelação do Touro (Messier 1). Restos da explosão de uma supernova que ocorreu há 7000 anos. Imagem captada pelo telescópio KUEYEN pertencendo ao Very Large Telescope do ESO (http://www.eso.org/outreach/info-events/ut1fl/astroim-nebula.html)

O Universo, desde a sua formação, encontra-se em permanência neste ciclo de destruição e formação: certos elementos químicos consomem-se formando outros, certas estrelas "desaparecem" permitindo o nascimento de outras.

Mas não é nosso propósito alongarmo-nos na descrição da teoria da evolução estelar, no entanto é importante reter que o tempo que uma dada estrela leva a transformar um elemento químico noutro vai condicionar a sua evolução e portanto a sua idade: o reservatório de combustível das estrelas, que são os elementos químicos, não é eterno. Assim, se conseguirmos estimar o tempo que uma estrela leva a realizar estas transformações teremos uma ideia do tempo de evolução estelar. Mas numa primeira aproximação talvez não haja necessidade de estimar individualmente o tempo de cada transformação química. Tal como já foi dito, 90% das estrelas encontram-se a transformar hidrogénio em hélio. Além disso, cálculos teóricos indicam que a estrela passa aproximadamente 90% da sua vida nesta fase. Serão estes dois "90%" uma coincidência ? Na realidade há uma ligação entre estes dois resultados observacional e teórico. Este aspecto será desenvolvido com mais pormenor na próxima edição, quando abordarmos a componente observacional.

Seja como for, em boa aproximação, podemos identificar o tempo que a estrela leva a consumir o hidrogénio com o seu tempo total de vida. Mas será que todas as estrelas têm o mesmo tempo total de vida ? A resposta é não! Na realidade este tempo é dependente da massa da estrela. Fazendo uma vez mais apelo a cálculos teóricos podemos saber que uma estrela com uma massa igual a metade do valor da massa do Sol terá um tempo de vida de 51 mil milhões de anos; uma estrela como o Sol poderá viver 10 mil milhões de anos ao passo que uma estrela com uma massa dez vezes superior à do Sol viverá apenas (?) 300 milhões de anos. Estes valores devem ser considerados como aproximados (até porque a composição química inicial de cada estrela e a eventual perda de massa durante a evolução tem influência nestes cálculos) e têm o significado de um tempo de vida máximo que as estrelas de uma dada massa podem ter. Assim, quanto maior for a massa menos anos irá a estrela viver. Este resultado poderá ser compreendido à luz do seguinte argumento: quanto maior é a massa de uma estrela mais rápida é a transformação do hidrogénio em hélio. Uma estrela mais massiva consome-se mais rapidamente que uma estrela de pequena massa.

Mas será então que, por exemplo, duas estrelas de mesma massa têm a mesma idade? Não. Têm sim, o mesmo tempo de vida total. Para conhecer o idade de uma dada estrela é necessário uma interacção entre uma teoria, que ser quer geral e aplicável a qualquer estrela, e as observações dessa dada estrela.

No que à Astrofísica diz respeito, os resultados teóricos só têm efectivo valor quando são testados pelas observações. Mas sobre das observações e da sua relação com a teoria falaremos na próxima edição.

João Fernandes
Astrónomo do OAUC
Professor do Departamento de Matemática
E-mail:
jmfernan@mat.uc.pt