Que Ensino Superior para o século XXI?

Portugal sofre de uma crise de crescimento do seu Ensino Superior. Passámos de um total de 41 Escolas Superiores públicas em 1970-1971 para um universo de 152 em 1991-1992. As Universidades públicas passaram de apenas 3 para as 14 actuais. O número de alunos matriculados no ensino superior público cresceu no mesmo período de 56 351 para 145 024. No caso do ensino particular, no período em apreço, o número de estabelecimentos apenas sofreu um acréscimo de 37 para 81 mas já o número de alunos subiu vertiginosamente de 3 332 para 65 152 [ in CARREIRA, Medina, O Estado e a Educação, Cadernos do Publico, 7, Lisboa, 1996.].

Não é a primeira vez, nem certamente a última, que o ensino enfrenta alguma crise. Veiga Simão, quando em 1970 tomou conta da pasta da Educação, declarou que o Ensino Universitário tinha atingido o ponto de ruptura em que a Universidade se reduzia praticamente a preparar, e mal, professores do ensino secundário. Iniciou então uma vasta reforma que levou ao aparecimento de mais Universidades e deu origem aos actuais Institutos Superiores Politécnicos [ in CARVALHO, Rómulo de, História do Ensino em Portugal, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1985, p. 808.].

O que se pretende com o Ensino Universitário e com o Ensino Politécnico? Quais as missões do Ensino Público e do Ensino Privado? A resposta a qualquer destas questões é muito pouco clara, tanto na mente dos sucessivos governantes, como na dos próprios elementos das instituições envolvidas. Poucas reflexões têm sido produzidas sobre este tema nos últimos anos. Tanto o sistema actual de autonomia algo envergonhada das instituições como o próprio sistema de gestão têm dificultado um debate aprofundado sobre a missão da Universidade e do Politécnico.

A Universidade é uma instituição secular e por isso deveria ser mais consensual a sua missão de formar cientistas e investigadores, altamente treinados para alargar as fronteiras do conhecimento. Lugar privilegiado de estudo, investigação e reflexão, aí deveriam ter condições para nascer as grandes propostas para a compreensão e transformação do mundo. Uma Universidade em que a investigação é considerada dispensável, em que bibliotecas e laboratórios são improvisados ou esquecidos não é um lugar que propicie o estudo. Só o treino pela investigação pode formar seres capazes de enfrentar os desafios do desconhecido.
O Politécnico, pela sua própria designação, deveria ser o lugar de formação de técnicos altamente especializados, treinados para a criação de técnicas inovadoras, cuja aplicação fosse reclamada pela prática. Essa formação deveria ser feita em estreita ligação com a prática, ou seja, com o conjunto das empresas e instituições de cujos técnicos dependesse o seu progresso.

Em vez disso, temos muitos alunos sem ambições, plenamente satisfeitos com um mero 10, pressionando para um ensino curto que se despache no tempo de um exame, sem motivação para as dificuldades de um ensino sério de estudo persistente e exigente. Vemos muitos professores desmotivados para o estudo, sobrecarregados com tarefas administrativas e de docência, ou sem condições para realizar a investigação.

A própria formação de docentes de Universidades e Politécnicos ainda é deixada muito ao acaso. Admite-se com demasiada frequência a progressão na carreira sem a realização de provas adequadas, são raros em Portugal os programas conducentes ao doutoramento. Se é verdade que já existe um bom número de programas de pós-graduação, também se verifica que muitos desses programas são um mero agregado de disciplinas de um 5(o) ou 6(o) ano de licenciatura, sem um encaminhamento sustentado para a investigação científica.

O crescimento muito rápido descrito no início foi feito sem a preocupação de garantir a qualidade. Continuam a fazer-se planos de construção de novos edifícios, mas não existe um plano de formação de docentes do ensino superior. São construídas instalações de apoio, mas não se vê um plano de apetrechamento de bibliotecas ou laboratórios. Muitas das iniciativas que se observam hoje em dia, são mais fruto do voluntarismo de pessoas ou grupos do que fruto de um planeamento nacional. As Universidades e Politécnicos são mais vistas como um ex-libris regional do que como uma escola de qualidade que forme estudiosos e técnicos. Nacionais ou regionais, públicas ou privadas, nunca deveriam ser dispensados critérios mínimos de qualidade para a formação e continuação de Universidades e Politécnicos.

O prémio Nobel da Medicina de 1947, o argentino Bernardo Alberto Houssay, disse que se reconhece que uma Universidade é de primeira categoria se realiza investigação original, se forma os melhores graduados, se é inovadora e progressista, se tem professores a tempo inteiro, boa biblioteca, laboratórios activos e eficazes. A contemporização nalgum destes critérios impede uma escola de qualidade.

Como assinala João Filipe Queiró QUEIRÓ, João Filipe, [in A Universidade Portuguesa - uma reflexão, Gradiva, Lisboa, 1995.], Não nos contentemos com a mediocridade. Afirmemos e defendamos o valor do estudo, da reflexão, do saber e da sua perenidade. O Ensino Superior do século XXI é o que nós decidirmos que seja!


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