ideias pessoais para um debate
As questões colocadas enchem quase duas páginas pelo que as minhas respostas pessoais apresentam obviamente um carácter muito sumário. Espero durante o debate esclarecer devidamente o que penso sobre o assunto.
O professor de Matemática e a Reforma Curricular
É incontestável que existem propostas de renovação de ensino interessantes contidas nos novos programas. Mas podemos questionar-nos se alguma delas se pode considerar de algum modo passada à prática, generalizada. Os professores que já praticavam inovações ter-se-ão sentido mais animados por verem algumas das suas propostas contempladas no "Diário da República". Mas é preciso não esquecer que a publicidade feita por um dos mais populares autores de manuais de Matemática afirmava que o seu manual era o mais próximo dos manuais antigos! Em termos globais, nada mudou: o Ensino da Matemática continua em termos gerais reduzido a uma lista de rotinas a memorizar (sendo até uma disciplina popular entre as pessoas que são "forçadas" a ensinar: pensam que basta fazer uns exercícios triviais para os quais "se sabe sempre a resposta!")
O Ministério tem tido práticas incongruentes e inconcebíveis desde a afirmação de que não é necessária formação científica pois basta ler os programas oficiais, até à recusa em fornecer bibliografia ou à incapacidade em distribuir material didáctico ou à ignorância ostensiva do parecer de especialistas ou das conclusões de experiências inovadoras.
Mas a generalidade dos professores também não se tem mostrado suficientemente activa para impôr alterações na prática escolar e apagar a imagem de "explicador profissional" e da imagem da Matemática como "disciplina de selecção". Já o disse várias vezes, e repito, que a APM e a SPM deveriam ser parceiros indispensáveis em qualquer reforma, mas lamentavelmente nem sequer se viu uma única posição pública conjunta da SPM e da APM. E assim o Ministério pode impor calmamente considerações economicistas como a da redução de carga horária no Ensino Secundário.
O professor de Matemática e a Escola
A minha experiência não é obviamente do ponto de vista do interior, mas de observador exterior (orientador científico de estágio e pai). Como em qualquer organização, as pessoas odeiam reuniões e a estratégia mais popular é "despachar" qualquer reunião o mais depressa possível. Quer-me parecer que muito há a fazer neste campo, desde a selecção de manuais escolares às relações entre professores das várias disciplinas (como o exige a "área-escola"), ou ao olhar o pai de um aluno como um "intruso" (sobretudo se o pai também é professor).
Mas a interacção entre professores não deve limitar-se à escola, surgindo os Encontros e Congressos como lugares privilegiados de troca de ideias e experiências.
O papel do professor de Matemática
É muito difícil estar
a avançar com competências mais importantes do professor de
matemática, pois todas são importantes. O professor de Matemática
deve
i) saber matemáticaii) saber ensiná-la.
Se algo falha em i) ou ii) então
o professor não é competente. Se não sabe geometria
ou estatística não a pode ensinar; se não é
capaz de discutir a resolução de um problema com um aluno,
ou de discutir uma demonstração com um aluno, ou de elaborar
uma prova de avaliação que seja coerente com o que foi ensinado,
não sabe ensinar matemática.
Eu diria que há apenas três
níveis de ensino essencialmente diferentes:
I) 1º ciclo (ensino primário),II) 2º e 3º ciclos e ensino secundário
III) ensino superior
Há problemas apenas na transição
entre estes três níveis, sendo os mais graves na transição
ensino secundário/ensino superior. Infelizmente muito pouco
se faz para aplanar as dificuldades, por exemplo no relacionamento entre
as instituições (de envio e acolhimento).
Discordo da frase "exigências colocadas ao professor de matemática pelo movimento de renovação curricular iniciado nos anos 80". Nenhum movimento exige nada a nenhum professor. Hoje, como sempre, o professor de matemática deve manter-se atento ao que se passa à sua volta. Por um lado o ensino da Matemática é claramente ineficaz, gerador de incapacidades e traumas; por outro lado são avançadas propostas potencialmente interessantes para ultrapassar as dificuldades actuais. É a consciência profissional do professor que o obriga a analisar as propostas que vão aparecendo e enriquecendo a sua prática com o que observa, transmitindo ainda as conclusões a que vai chegando.
O professor e a formação
Talvez a característica mais interessante que posso retirar do meu percurso pessoal seja a diversidade das experiências que vivi. Assisti a aulas de grandes, pequenos e odiosos mestres, estudei assuntos muito variados, assisti a encontros e conferências de características imensamente díspares, dialoguei e discuti com pessoas com as mais diversas opiniões. A minha prática profissional assenta tanto nos bons exemplos que colhi com "os mestres", como nos exemplos a evitar, como nas discussões (orais, escritas e pelo correio electrónico) e nas novas perspectivas que me eram trazidas por mais um encontro com um ambiente diferente e na reflexão que esse encontro me impunha. Em suma: é inútil pretender ter opiniões definitivas sobre qualquer assunto, a matemática cada vez nos surpreende mais (se quisermos realmente estudá-la e conhecê-la).
Neste sentido entendo que aos nossos alunos devem ser proporcionadas actividades o mais diversificadas possível. É fundamental que os alunos olhem cada assunto de vários ângulos diferentes. Os reformadores americanos do Cálculo Diferencial e Integral propõem que cada conceito seja encarada sempre dos pontos de vista ANALÍTICO, NUMÉRICO e GRÁFICO.
Como já disse atrás é fundamental saber Matemática. Muita Matemática. E em todos os níveis de ensino (é uma ilusão pensar que o 1º e 2º ciclo precisam de "menos" Matemática; precisam é de Matemática diferente). E nunca se sabe a Matemática toda. Novas áreas aparecem, outras tomam "novas qualidades". A Estatística, os Grafos e a Teoria de Números têm actualmente uma importância insuspeitada há 40 anos atrás, os Sistemas Dinâmicos, o Caos e os Algoritmos inundaram a Matemática actual. A Matemática é uma componente "sine qua non" tanto na formação inicial como na formação contínua. Duas outras componentes indispensáveis na formação inicial são a Didáctica da Matemática e a preparação para a vida na escola (onde entram a Psicologia Educacional e a Observação de Aulas). A existência de um Estágio Pedagógico digno desse nome é algo de muito importante (os melhores exemplos actuais são os estágios dos ramos educacionais).
A formação contínua deve, além de manter o professor actualizado com os últimos desenvolvimentos na Matemática e na Didáctica, fornecer outros elementos que não "cabem" na formação inicial (Como outros temas de Matemática, História da Matemática e Didáctica da Matemática; ou outras áreas como a História da Educação, a Sociologia da Educação ou o Desenvolvimento Curricular)
Não devem existir modelos de
formação contínua. Devem aceitar-se todos os tipos
de formação contínua. Os melhores impor-se-ão
sem ser necessário institui-los por decreto. O que é necessário
é uma avaliação honesta e consequente das diversas
formações.