Pseudaria (2)

Num texto que foi lido no "Institut de France" (1806), mas nunca chegou a ser publicado, Lagrange apresentava o seu ponto de vista sobre os primórdios da Geometria:

<<A origem da Geometria é desconhecida. Logo que houve homens na sociedade, propriedades, trocas, e partilhas, é natural que se tenha procurado medir a extensão dos campos e determinar o seu contorno. Contudo todos concordam em colocar o nascimento da Geometria no Egipto, donde Thales trouxe os primeiros germes para a Grécia mais de seiscentos anos antes da era cristã. Atribui-se a Thales a descoberta das propriedades dos triângulos semelhantes, assim como da bela propriedade da circunferência pela qual todos os triângulos inscritos sobre o diâmetro são rectângulos. Diz-se mesmo que ele ofereceu às musas um sacrifício por esta última descoberta. Pitágoras veio depois de Thales e distinguiu-se pela descoberta do famoso teorema sobre os triângulos rectângulos, pelo qual sacrificou, diz-se cem bois às musas. Os seus discípulos fizeram ainda outras descobertas importantes; enfim Euclides cerca de trezentos anos antes da era actual recolheu todas as que tinham sido feitas antes dele, juntou as suas próprias e reduziu o todo a um corpo de ciência conhecido sob o título de "Elementos". Obra mais preciosa de todas as que a antiguidade nos deixou tanto pelo seu objecto como porque ele é, tavez, ainda o melhor do seu género.>>

A Geometria foi em tempos antigos a face mais visível da Matemática. Os Elementos de Euclides constituiram o livro de texto por excelência da Matemática e do raciocínio matemático. A reforma da Universidade de Coimbra de 1772 estabeleceu que todos os cursos da Universidade (incluindo Direito e Teologia) deviam incluir uma disciplina de Geometria. Por exemplo, para a Faculdade de Medicina os Estatutos preconizavam que e as diferentes disciplinas deveriam ir "imitando quanto possível for o methodo dos Geometras tanto Synthetico como Analytico". O Estudo da Geometria é um tópico capaz de despertar grandes paixões, como se pode obervar nos testemunhos pessoais de dois matemáticos:

<<Com onze anos de idade, comecei a estudar Euclides com o meu irmão como tutor. Este foi um dos maiores acontecimentos da minha vida, tão estonteante como o primeiro amor. Eu não tinha imaginado que pudesse existir algo tão delicioso na vida.>> Bertrand Russell (1872-1970)

<<O estudo muito precoce de Euclides fez-me odiar a geometria, ... e contudo, apesar desta repugnância (...), sempre que eu avançava suficientemente nalguma questão matemática, eu sentia que havia tocado, pelo menos, um fundo geométrico.>>, J.J.Sylvester (1814-1897)
As opiniões sobre o âmbito natureza e aplicações da Geometrai são também objecto de controvérsia, à medida que novas áreas de Geometria aparecem:

<<Antes supunha-se que a Geometria era o estudo da natureza do espaço em que vivemos, e assim aqueles que defendiam que o que existe apenas se pode conhecer empiricamente, recomendavam que a Geometria devia na realidade ser encarada como fazendo parte da matemática aplicada. Mas gradualmente tornou-se visível, pelo aumento dos sistemas não-euclidianos, que a Geometria não nos esclarece mais sobre a natureza do espaço que a Aritmética nos esclarece sobre a população dos Estados Unidos.>> Bertrand Russell (1917)

Tal como afirmei no número anterior do Jornal de Mathematica Elementar ainda não apresentarei agora as soluções das duas primeiras falácias. Por isso eis mais duas falácias cujas soluções serão apresentadas daqui a dois meses (embora o prazo de envio de soluções seja de um mês apenas, visto os


Falácia 3

Consideremos uma circunferência de centro O e diâmetro [AB]. O comprimento da circunferência é dado por


Tracemos duas circunferências de diâmetros [OA] e [OB] e de centros C e D respectivamente.

Claro que o comprimento de cada circunferência é . Assim, a soma dos comprimentos das duas circunferências é igual a . Obtivemos o mesmo comprimento que o da circunferência inicial.
Tracemos agora quatro circunferências de diâmetros [AC], [CO], [OD] e [DB]. Tal como anteriormente o comprimento de cada circunferência é metade do comprimento de cada circunferência anterior. Assim, a soma dos comprimentos das quatro circunferências é igual ao comprimento da circunferência inicial.
Podemos continuar este processo, aumentando indefinidamente o número de circunferências. No limite, a soma dos comprimentos das circunferências será igual ao comprimento do segmento [AB]. Mas a soma dos comprimentos das circunferências é sempre igual ao comprimento da circunferência inicial. Ou seja, o comprimento de uma circunferência é igual ao seu diâmetro .


Falácia 4 (Paradoxo de Galileu)


Consideremos dois círculos concêntricos. Suponhamos que o círculo maior completou uma volta, rolando sem escorregar, desde o ponto R até ao ponto S. A distância entre R e S é assim igual ao perímetro do círculo maior.

R S Mas o círculo menor, suposto colado ao círculo anterior, descreveu também uma volta. Assim a distância entre P e Q é igual ao perímetro do círculo menor. Uma vez que , conclui-se que os perímetros dos dois círculos são iguais .


Endereços para o envio de soluções:
endereço postal:
Departamento de Matemática
Universidade de Coimbra
Apartado 3008
3000 Coimbra
endereço electrónico: jaimecs@mat.uc.pt
endereço na WEB: http://www.mat.uc.pt/~jaimecs/pseud/resp.html


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