A
promoção e difusão da Língua Portuguesa no mundo científico
João Filipe Queiró
Conferência Promoção e
Difusão da Língua Portuguesa
Universidade de Aveiro, 11 de abril de 2014
Agradeço o convite da organização para intervir nesta sessão. Como
foi dito, sou professor de Matemática da Universidade de Coimbra.
Sou também membro do centro de investigação em Matemática da mesma
Universidade. É o que sou profissionalmente.
Com um tema como “Promoção e Difusão da Língua Portuguesa no mundo
científico”, devo restringir-me à Matemática ou devo referir-me
também a outras áreas do conhecimento? Se me referir a outras
áreas, quais devem elas ser? E deve a minha intervenção ater-se ao
facto de que nos interessa aqui a Língua Portuguesa, ou devem as
considerações ser tão abstractas que se apliquem também, por
exemplo, ao dinamarquês ou ao holandês, para não sair da Europa?
Esta última pergunta pareceu-me simples de responder: podendo
haver considerações que se apliquem a outras línguas, o que aqui
nos interessa é, predominantemente, o que é específico da Língua
Portuguesa.
Quanto à primeira pergunta, parece prudente ficar-me pelas áreas
do conhecimento não demasiado ligadas à contingência cultural,
geográfica ou histórica, por exemplo a Matemática, a Física, a
Química, a Biologia e todas as áreas, puras, aplicadas e
tecnológicas, ligadas a estas ou próximas delas.
Não quero usar expressões como “áreas universais”, muito menos
restringir-me àquelas que indiquei, mas não há dúvida de que as
questões não se põem de forma exactamente igual noutros campos. Já
voltarei a este assunto.
Assim delimitado o terreno da minha intervenção, começo pelas
banalidades (ou pelas banalidades maiores, admitindo que não
chegarei a conseguir sair do registo da banalidade).
É hoje um dado adquirido que a publicação de pesquisa nas áreas
que indiquei, se quiser ter algum curso, é feita em todo o mundo
em inglês. O inglês – ou, como alguém dizia, o inglês de má
qualidade – é, nos dias de hoje, a língua de comunicação
universal, na ciência como noutros sectores. (Mas não em todos:
por exemplo, li algures que o novo Papa não fala inglês…)
O fenómeno da predominância do inglês como língua de comunicação
universal é reconhecido em toda a parte e já não é um problema
para quase ninguém. Até há duas ou três décadas, a coisa não era
tão pacífica para alguns, fossem pessoas fossem países, e todos
nos lembramos, por exemplo, dos esforços que a França fazia para
contrariar a maré linguística anglo-saxónica.
Não é um problema não só por uma questão de conveniência, pois é
útil para todos que exista uma língua de contacto válida em todo o
planeta. Não é um problema também porque se reconheceu que tal
prevalência prática do inglês – ou do mau inglês, o broken english – de facto não
prejudica nenhuma outra língua.
O facto é que, hoje em dia, toda a gente domina, pelo menos, duas
línguas: a sua e o broken
english. (Toda a gente, não: os que têm o inglês como
língua materna, muitas vezes, só conhecem uma língua. Não se pode
dizer que seja uma vantagem.)
E assim podem permanecer, pujantes, todas as outras línguas. A
própria existência de uma única língua de comunicação universal
permite a subsistência das outras. Isto a menos que os respectivos
cultores desistam delas, rendidos, por incultura ou novo-riquismo,
à realidade desinteressante e monótona do mau inglês.
A questão geral das línguas e do seu futuro é interessante. Há
milhares de línguas vivas, dependendo o número exacto da definição
que se adopta. Levanta-se por vezes a pergunta: o número de
línguas faladas e escritas diminuirá? É o que certas notícias
alarmistas às vezes sugerem, intercaladamente com a extinção de
espécies animais e vegetais. Mas não sei se, falando nos grandes
números, isso é mesmo assim, e uma pessoa de Linguística disse-me
há tempos que a situação não é tão grave como por vezes se sugere.
Mas o facto é que, seja pela globalização seja por outra razão
qualquer, é opinião razoavelmente corrente que o número de línguas
vivas com implantação significativa tenderá a diminuir.
Não estou persuadido disso. Pode até acontecer, com os avanços nas
tecnologias de tradução – hoje escrita, amanhã oral – que a
questão desapareça e passemos todos, portugueses ou chineses, a
ser linguisticamente transparentes uns para os outros, com um
interface fazendo a tradução automática entre nós. Convenhamos que
é uma visão mais bonita do que a presente realidade em que falamos
duas línguas, sendo uma comum a todos, mal falada e mal escrita.
Mas pensar assim também é uma forma de preguiça, com o futuro
radioso e perfeito a substituir o presente e as suas dificuldades.
Voltemos então à nossa questão.
De entre as línguas vivas, o Português, conforme as fontes, é
colocado em 5.º, 6.º ou 7.º lugar na classificação em que se
contam as pessoas por língua materna, a caminho dos 250 milhões de
falantes, sendo 200 milhões do Brasil.
Está muito à frente, por exemplo, do francês e do italiano,
línguas culturalmente fortes e que resistiram longamente ao avanço
do inglês, sobretudo a primeira, cujo país de origem tinha uma
verdadeira “política da língua”, não só tentando contrariar o
avanço do inglês como por vezes tentando dificultar as suas
próprias línguas regionais.
Já foi notado que o Português é a língua mais falada do hemisfério
sul. Esta é uma observação curiosa. Sem querer diminuir o valor
dela, faz-me lembrar aquela boutade
sobre os rankings,
segundo a qual, seja qual for o tema, há sempre um ranking em que nós ficamos
bem. E se não há, criamo-lo nós. (Exemplo: a Coreia do Norte e o ranking da felicidade dos
povos.)
Ainda outra observação no mesmo sentido. Há pouco tempo ouvi um
professor de Oxford, numa conferência em Coimbra, afirmar
taxativamente que só há três línguas com vocação global: o inglês,
o espanhol e o português.
As poucas outras que têm um número maior ou comparável de falantes
estão limitadas geograficamente: mandarim e outras línguas da
China, japonês, russo, línguas da Índia, árabe e alemão. As
três línguas globais, porém, falam-se como língua-mãe num grande
número de países, em todos os continentes.
O mesmo conferencista acrescentou que, no Reino Unido, há uma
enorme procura dos estudos portugueses, sobretudo por parte de
cidadãos chineses.
Animados com estas distinções, que podemos fazer, seguindo o tema
proposto, para promover e difundir o Português no mundo
científico, mesmo aceitando que nalgumas áreas há uma língua
“universal” de comunicação?
Precisamente pela importância global do Português, seria um erro,
uma auto-menorização, desprezá-lo como língua do conhecimento,
como língua de comunicação científica.
As frentes de intervenção são várias.
Primeiro, algo que de tão óbvio nos pode passar despercebido: para
o Português existir como língua de Ciência, tem de existir Ciência
nos países de Língua Portuguesa. Para a Língua Portuguesa estar
viva nas áreas científicas tem de se fazer Ciência em Português
nos países em que a nossa língua é falada, e fazê-la no ensino e
na investigação.
Em segundo lugar, as palavras têm de existir. Tal como a Ciência
está sempre em expansão, também a terminologia científica aumenta
constantemente. Esse aumento tem de ser acompanhado nos países em
que a nossa língua é falada, seja simplesmente porque a Ciência
está viva neles seja porque se faz um esforço consciente e
continuado de estabelecimento de uma terminologia científica
portuguesa completa e actualizada.
Muito desse esforço é informal, através por exemplo da publicação
de livros científicos em Português, e teria interesse coordená-lo
nos países em que a nossa língua é falada.
Mas há também uma componente formal. Por exemplo, no Vocabulário
Ortográfico Actualizado da Língua Portuguesa, publicado há pouco
mais de um ano sob a responsabilidade da Academia das Ciências de
Lisboa, foram introduzidas, pelas minhas contas, cerca de 130
novas palavras de Matemática de uso corrente. Isto seguiu-se a um
processo de consulta que começou anos antes e que imagino ocorreu
também noutras áreas.
E os países em que a nossa língua é falada podem ter políticas
activas de promoção internacional do Português. Recorde-se o
artigo recente de vários embaixadores em Portugal: Andorra,
Bélgica, Bulgária, Canadá, França, Grécia, Luxemburgo, Marrocos,
Moldávia, Mónaco, Roménia, Suíça e Tunísia.
Termino voltando ao tema da variedade de áreas e de como a questão
da língua se pode colocar de forma diferente conforme as áreas.
Este é um tema que levanta controvérsias e mesmo emoções. O
“império” do inglês nas chamadas “ciências duras” é por vezes
visto com maus olhos noutras áreas, nomeadamente nas chamadas
Ciências Sociais e Humanas.
Isto é ainda mais assim se associado à tecnocracia bibliométrica
que invadiu muitas universidades: não as melhores do mundo, mas
muitas das outras.
A questão não é simples: têm razão os que consideram o
“anglo-saxonismo” acrítico e a tecnocracia bibliométrica como
tendências profundamente incultas; mas do outro lado também se
pode apontar o risco da insularidade, do isolamento e da pequena
dimensão das comunidades em causa.
Como disse, a questão não é simples e suscita por vezes reacções
emotivas e críticas agressivas. Muitos lembram-se, há poucas
décadas, de um debate sobre o ensino superior, em que o ministro,
que era das “ciências duras”, perante críticas de juristas, lhes
respondeu: “A vossa ciência termina em Vilar Formoso!”
Muitas áreas das chamadas Ciências Sociais e Humanas, de facto,
são tão “universais” como a Matemática e a Física, mas isso não é
verdade para todas. Põe-se um problema de fronteira, por um lado,
e por outro de abertura a outros espaços linguísticos naturais.
Nesta matéria, o Plano de Acção de Lisboa, aprovado há menos de um
mês pelo Conselho de Ministros da CPLP, propõe como uma das suas
medidas “Mapear os domínios científicos que, pela natureza do seu
objecto e dos espaços em que se desenvolvem, propiciem a produção
de literatura científica especializada em língua portuguesa.”
O mesmo plano insiste muito na cooperação e coordenação, em vários
planos e com medidas concretas, entre os Estados Membros da CPLP.
Que trará o futuro? O futuro é difícil de prever, mais do que o
passado, que também tem as suas dificuldades. Será o inglês
substituído como língua de comunicação universal? Virá aí a
transparência linguística, com o aperfeiçoamento das tecnologias
de tradução automática escrita e oral, tornando obsoleta a questão
da língua?
O que parece certo é que uma língua como a portuguesa, para além
obviamente da cultura que é antiga e forte, se deve manter viva em
todas as áreas científicas. Isso é em larga medida uma
responsabilidade das universidades dos países em que se fala o
Português.