A Universidade Portuguesa · Uma reflexão
João Filipe Queiró
Gradiva 1995


Prefácio

O Ensino Superior em Portugal anda à deriva. E, sem querer entrar no jogo da atribuição de culpas e responsabilidades, nem abusar da terminologia náutica, parece-me que o problema não está nos marinheiros nem nos oficiais, apesar de alguns não ajudarem. O problema maior está no armador, que se desinteressou do destino do barco. A política do Estado relativamente ao Ensino Superior é hoje, na sua essência, uma política de omissão, feita de gestos erráticos e desconexos, ao sabor de conveniências publicitárias e pressões de ocasião.

Isto não era inevitável. Depois da convulsão sequente ao 25 de Abril, o Ensino Superior português viveu cerca de uma década tranquila, de crescimento qualitativo e quantitativo sustentável, de medidas legislativas e administrativas no essencial sensatas e equilibradas, salvo uma ou outra excepção mais séria. Não era impossível prever e planear com antecedência a evolução decorrente das flutuações demográficas e do alargamento da escolaridade obrigatória.

A seguir vieram os erros. Uma Lei de Autonomia das Universidades, aprovada por unanimidade na Assembleia da República, que deu forma institucional à omissão do Estado e que abriu a porta a duvidosos modelos de governo universitário. Uma política de acesso descontrolado — no que se inclui o crescimento explosivo do sector privado — que satisfez os amadores de estatísticas, mas admitiu muitos estudantes impreparados, e não curou de saber se havia — e não havia, nem há — corpo docente qualificado em número bastante.

Hoje está posto um problema sério ao País. Como corrigir erros, melhorar a qualidade, racionalizar os sistemas de Ensino Superior em Portugal? Esta Reflexão — virada sobretudo para a Universidade — pretende contribuir para o debate necessário sobre o assunto.

Trata-se mais de um ensaio do que de um estudo. O leitor não encontrará aqui minúcias legais e quadros estatísticos. Recordando a essência do género ensaístico, tento colocar-me numa postura crítica e usar um estilo conciso, informal e directo. Procuro discutir ideias e princípios, identificar erros, esboçar propostas. Se polémica existe, gostaria de pensar que é só contra a tolice, a "temerosa alimária" de que fala Eça de Queirós.

Várias ideias-força atravessam o texto. Uma é a apologia da clareza: nos conceitos, nos objectivos, nas regras, nos critérios de valorização. Outra é um requisitório contra a relação dos portugueses com a lei em geral: em matéria de legislação o País aprecia a grandiloquência e pratica a ligeireza.

Nem para os temas nem para as ideias aqui tratados pode reclamar-se qualquer qualificativo de originalidade, aliás difícil em tal matéria. Muito do que se diz foi e é defendido por outros nas mais variadas circunstâncias. Mas não pretendo afirmar-me como voz representativa de ninguém. Desejo apenas dar uma contribuição para o debate sobre a questão universitária, uma questão central no Portugal de hoje. 

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 Este texto foi, na sua maior parte, redigido em fins de 1993. Desde então circulou em alguns meios restritos, o que permitiu recolher opiniões que me levaram a precisar diagnósticos, desenvolver argumentos, clarificar propostas. Estou grato a todos os colegas e amigos que me fizeram chegar críticas e observações. Agradeço também a Guilherme Valente o interesse que pôs na publicação.

Coimbra, Abril de 1995