Acaba de ser publicado um livro com o título As
contas politicamente incorrectas da economia portuguesa,
de Ricardo Arroja (ed. Guerra e Paz). O prefácio é de Vítor
Bento. É raro ver o prefaciador de um livro ser o seu primeiro
crítico. Escreve Vítor Bento logo a abrir: “Sobre um alicerce
frágil não é possível edificar uma casa sólida. Da mesma forma,
apoiado em factos errados, não é possível construir uma
argumentação certa.” Vítor Bento tem razão. E o livro que
prefacia é um bom exemplo de alicerce frágil e factos errados.
Refiro-me apenas ao capítulo sobre Educação. Escreve o autor, na página 119: “[a] rede de institutos politécnicos em Portugal consumiria em 2012 quase 365 milhões de euros.” Cita o Mapa XVII do OE 2012, mas pela referência vê-se que o mapa em causa é o VII, “Despesas dos Serviços e Fundos Autónomos por classificação orgânica, com especificação das despesas globais de cada serviço e fundo”. O problema está nas palavras “despesas globais”. É que, destas, só uma parte é coberta pelo “erário público”, que é o que interessa ao autor. Essa parte totaliza, no que se refere aos politécnicos, menos de 270 milhões de euros, um erro de quase 100 milhões.
Continua o autor com as universidades, que, segundo ele, “custavam em 2012 quase 1200 milhões de euros ao erário público.” O número correcto é pouco mais de 600 milhões. Cerca de metade, portanto.
O autor cita como fonte dos dados a Direcção-Geral do Orçamento. Os dados correctos estão todos lá, mas é preciso querer procurá-los. O leitor que prefira os factos antes dos argumentos pode ir a www.dgo.pt.
Como curiosidade, o autor soma os seus “quase 365 milhões” dos politécnicos aos seus “quase 1200 milhões” das universidades e escreve que isto totaliza “quase 1700 milhões.” Para quem quer boas contas, não está mal.
As coisas não se ficam por aqui. O autor diz que é preciso ainda juntar “as dotações de outras entidades autónomas para promoção do ensino e da investigação, como a Fundação para a Ciência e Tecnologia, outras escolas superiores e escolas portuguesas no estrangeiro, que em conjunto elevavam a factura para 2500 milhões de euros.” Ou seja: mais de 800 milhões adicionais! Ora a FCT, em 2012, teve de dotação nacional do OE cerca de 290 milhões, e não se pode dizer sem mais que este dinheiro vai para o ensino superior. Parte dele é obtido, competitivamente, pelas universidades e politécnicos, fazendo parte das suas receitas próprias e sendo utilizado em actividades de investigação. Quanto às “outras escolas superiores e escolas portuguesas no estrangeiro”, ignora-se quais são. Há cinco escolas politécnicas não integradas, mas já estão consideradas nos 270 milhões. Não há outras escolas superiores dependentes do Ministério da Educação e Ciência além das universitárias e politécnicas, e não há nenhuma escola superior pública portuguesa no estrangeiro. Temos aqui mais de 500 milhões desaparecidos.
Deduz o autor, sempre na página 119, que “Considerando todo o universo de alunos no ensino superior público, cerca de 300 000 em 2010, conclui-se que cada aluno custava aos portugueses mais de 8000 euros por ano.” O número correcto é cerca de 3000 euros. Um erro de 5000 euros por estudante.
Já na página 120, o autor diz que, para o ensino básico e secundário, o custo por aluno é, “em contas redondas”, quase 3000 euros. Os números calculados para este indicador por vários relatórios recentes apontam para mais de 4000 euros. O erro do autor não é de arredondamento.
Portugal precisa de debater as suas prioridades, o seu futuro, a sua despesa pública. Precisa de fazer contas. Mas contas correctas.