INQUÉRITO SOBRE A AVALIAÇÃO PEDAGÓGICA DOS PROFESSORES
Gazeta de Matemática, 146, Janeiro 2004
 

A proposta de lei de autonomia das instituições de ensino superior foi aprovada em Conselho de Ministros e vai ser discutida na Assembleia da República. Dela consta que os professores podem ser avaliados pelos estudantes quanto às suas qualidades pedagógicas. Segundo o Ministro Pedro Lynce, é a primeira vez que essa possibilidade fica na lei e diz ainda Lynce que deverá haver um reforço da avaliação pedagógica dos professores para efeito da sua progressão na carreira e que nos últimos tempos tem havido uma clara sobrevalorização da capacidade científica em detrimento da capacidade pedagógica. Recorde-se que o Ministro já manifestou a intenção de rever o Estatuto da Carreira Docente.

A respeito deste tema a Gazeta de Matemática foi ouvir alguns professores a quem pôs as seguintes questões:
 

Gazeta de Matemática - Que pensa da inclusão na lei da possibilidade de avaliação pedagógica dos professores feita pelos estudantes?

João Filipe Queiró - Muitas instituições de ensino superior realizam inquéritos aos estudantes sobre o funcionamento das disciplinas, pelo que é de supor que a actual legislação não os proíbe. Não parece mal que existam tais inquéritos, realizados com equilíbrio e sensatez, devendo ser usados pelas instituições como instrumento de gestão e melhoria das coisas. A “publicidade” de que se ouve falar quanto aos resultados dos inquéritos parece ser concessão à demagogia.
 

G. M. - O resultado dessa avaliação deve contar para a promoção do professor na sua carreira?

JFQ - A palavra “contar” sugere algum tipo de fórmula a aplicar pelos júris dos concursos universitários. Ora não existe nem deve existir nenhuma fórmula nesse contexto, para nenhuma das dimensões da actividade de um professor universitário. O actual sistema de provas e concursos (suponho que sem paralelo, na sua exigência, em nenhuma outra carreira em Portugal) contempla já, de várias formas, a dimensão do ensino. Para além disto – que não é pouco, e deve continuar a ser levado muito a sério – toda a informação existente sobre a actividade profissional dos candidatos aos concursos pode e deve ser tomada em consideração pelos membros dos júris.
 

G. M. - Os júris que decidem a promoção do professor devem incluir estudantes?

JFQ - Ouço dizer que o país anda deprimido. Ainda assim, não convém abusar do humor como terapêutica.
 

G. M. - Que método sugere para avaliar as qualidades pedagógicas dos professores dos diversos graus de ensino?

JFQ - Pronuncio-me apenas sobre o ensino superior. A este nível, o papel dos estudantes e dos professores é diferente do que se observa no ensino básico e secundário. A palavra “pedagogia” remete etimologicamente para o mundo das crianças. O estudante do ensino superior é um adulto que é, deve ser, o primeiro responsável pelo seu estudo e pela sua aprendizagem. Isto não desresponsabiliza as instituições nem os docentes, que devem organizar os trabalhos de forma a que essa autonomia dos estudantes se possa exercer nas melhores condições, num quadro de respeito pelos estudantes como adultos que procuram uma formação superior. O primeiro dever de uma instituição de ensino superior é garantir o nível científico dos seus docentes, e em seguida a sua dedicação à escola, com o objectivo já referido. A dedicação à escola inclui um alto grau de profissionalismo, uma cultura de exigência, de organização e de respeito pelos estudantes. A manutenção dessa cultura é responsabilidade das instituições, que são também elas avaliadas externamente sobre o cumprimento da sua missão.
 

G. M. - Concorda com o Ministro quando fala da sobrevalorização da capacidade científica em detrimento da pedagógica?

JFQ - Não conheço essas declarações. Os professores universitários em geral têm preocupações de eficácia da sua actividade como docentes. Circula muita informação e discussão, a nível nacional e internacional, sobre o contexto em que essa actividade se desenvolve. Um professor universitário consciente não se desinteressa de nenhuma das dimensões da sua actividade. Por outro lado, é um cliché lamentável pensar que há oposição entre a competência científica de um professor universitário e a sua competência como docente. Isto dito, considero muito negativo qualquer discurso, ministerial ou não, que desvalorize a competência científica dos professores universitários.