A proposta de lei de autonomia das instituições de ensino superior foi aprovada em Conselho de Ministros e vai ser discutida na Assembleia da República. Dela consta que os professores podem ser avaliados pelos estudantes quanto às suas qualidades pedagógicas. Segundo o Ministro Pedro Lynce, é a primeira vez que essa possibilidade fica na lei e diz ainda Lynce que deverá haver um reforço da avaliação pedagógica dos professores para efeito da sua progressão na carreira e que nos últimos tempos tem havido uma clara sobrevalorização da capacidade científica em detrimento da capacidade pedagógica. Recorde-se que o Ministro já manifestou a intenção de rever o Estatuto da Carreira Docente.
A respeito deste tema a Gazeta de Matemática foi ouvir
alguns
professores a quem pôs as seguintes questões:
Gazeta de Matemática - Que pensa da inclusão na lei da possibilidade de avaliação pedagógica dos professores feita pelos estudantes?
João Filipe
Queiró - Muitas
instituições de ensino superior realizam
inquéritos aos estudantes sobre o funcionamento das disciplinas,
pelo que é de supor que a actual legislação
não
os proíbe. Não parece mal que existam tais
inquéritos,
realizados com equilíbrio e sensatez, devendo ser usados pelas
instituições
como instrumento de gestão e melhoria das coisas. A
“publicidade”
de que se ouve falar quanto aos resultados dos inquéritos parece
ser concessão à demagogia.
G. M. - O resultado dessa avaliação deve contar para a promoção do professor na sua carreira?
JFQ - A palavra “contar” sugere algum tipo de fórmula a
aplicar
pelos júris dos concursos universitários. Ora não
existe nem deve existir nenhuma fórmula nesse contexto, para
nenhuma
das dimensões da actividade de um professor
universitário.
O actual sistema de provas e concursos (suponho que sem paralelo, na
sua
exigência, em nenhuma outra carreira em Portugal) contempla
já,
de várias formas, a dimensão do ensino. Para além
disto – que não é pouco, e deve continuar a ser levado
muito
a sério – toda a informação existente sobre a
actividade
profissional dos candidatos aos concursos pode e deve ser tomada em
consideração
pelos membros dos júris.
G. M. - Os júris que decidem a promoção do professor devem incluir estudantes?
JFQ - Ouço dizer que o país anda deprimido. Ainda
assim,
não convém abusar do humor como terapêutica.
G. M. - Que método sugere para avaliar as qualidades pedagógicas dos professores dos diversos graus de ensino?
JFQ - Pronuncio-me apenas sobre o ensino superior. A este
nível,
o papel dos estudantes e dos professores é diferente do que se
observa
no ensino básico e secundário. A palavra “pedagogia”
remete
etimologicamente para o mundo das crianças. O estudante do
ensino
superior é um adulto que é, deve ser, o primeiro
responsável
pelo seu estudo e pela sua aprendizagem. Isto não
desresponsabiliza
as instituições nem os docentes, que devem organizar os
trabalhos
de forma a que essa autonomia dos estudantes se possa exercer nas
melhores
condições, num quadro de respeito pelos estudantes como
adultos
que procuram uma formação superior. O primeiro dever de
uma
instituição de ensino superior é garantir o
nível
científico dos seus docentes, e em seguida a sua
dedicação
à escola, com o objectivo já referido. A
dedicação
à escola inclui um alto grau de profissionalismo, uma cultura de
exigência, de organização e de respeito pelos
estudantes.
A manutenção dessa cultura é responsabilidade das
instituições, que são também elas avaliadas
externamente sobre o cumprimento da sua missão.
G. M. - Concorda com o Ministro quando fala da sobrevalorização da capacidade científica em detrimento da pedagógica?
JFQ - Não conheço essas declarações. Os professores universitários em geral têm preocupações de eficácia da sua actividade como docentes. Circula muita informação e discussão, a nível nacional e internacional, sobre o contexto em que essa actividade se desenvolve. Um professor universitário consciente não se desinteressa de nenhuma das dimensões da sua actividade. Por outro lado, é um cliché lamentável pensar que há oposição entre a competência científica de um professor universitário e a sua competência como docente. Isto dito, considero muito negativo qualquer discurso, ministerial ou não, que desvalorize a competência científica dos professores universitários.