Apresentação do livro "43 miniaturas matemáticas"
(António Machiavelo, José Carlos Santos e João Nuno Tavares, orgs.)
João Filipe Queiró
Departamento de Matemática, Faculdade de Ciências da Universidade do Porto
18 de Dezembro de 2013



Agradeço aos Profs. António Machiavelo, José Carlos Santos e João Nuno Tavares o convite para apresentar o livro “43 miniaturas matemáticas”.

Estou aqui com muito gosto, pelo respeito e admiração que tenho por estes colegas e pelos restantes autores do livro (onze ao todo), bons matemáticos e ao mesmo tempo matemáticos cultos, e muito dinâmicos na sua acção intensa de divulgação da Matemática, de várias formas.

Hesitei antes de aceitar este convite, mas apenas porque, na altura, embora já tivesse comprado o livro, ainda não tinha acabado de o ler e ainda não tinha formado uma opinião sobre ele. Se viesse a formar uma opinião negativa, não seria correcto aceitar o convite. Aplicando as regras da lógica, pode-se concluir que, como estou aqui, não formei uma opinião negativa, o que retira algum suspense ao lançamento.

Mas também não vou dizer só que formei uma opinião positiva. De facto, este livro, a sua natureza e a sua organização levantam algumas interrogações que gostaria de partilhar convosco.

Começo pelo óbvio. Tenho 20 minutos para falar, o livro tem 43 capítulos e, portanto, se quisesse falar sobre todos – e se não tivesse já gasto algum tempo – teria cerca de 28 segundos para cada capítulo.

Além de impossível, isso seria injusto. Os capítulos são muito curtos – são miniaturas – mas não se deixam resumir em pouco tempo. É pena, porque ao não falar de Matemática não poderei falar da beleza, da profundidade e da elegância dos temas abordados.

Esta observação leva aliás à primeira interrogação que nos ocorre. Os capítulos tratam de temas matemáticos importantes e variados (números, geometria, funções, astronomia) mas, com uma ou duas excepções, cada capítulo não tem mais de três páginas. Posso ser exacto e dizer que 38 têm três páginas, dois têm duas páginas, dois têm quatro páginas e um (no que claramente é um abuso) tem seis páginas.

E a primeira interrogação é esta: a miniatura é um género literário adequado à Matemática?

Noutras áreas pode ser. Só para dar um exemplo: Paulo Merêa, um dos maiores historiadores portugueses do século XX – e, como é natural, completamente desconhecido pelo grande público – deixou parte substancial da sua obra em textos curtos, que são considerados preciosos pelos especialistas.

Mas na Matemática? A Matemática é lenta, exige mastigação, não vai lá com flashes, por muito que alguns filmes sobre matemáticos queiram dar essa impressão. Não há nenhum grande matemático que não seja um mouro de trabalho (sem conotações negativas da palavra “mouro”…). E os matemáticos mais pequenos, como nós, têm de trabalhar ainda mais…

A resposta a esta interrogação não é evidente para mim. O género escolhido para as exposições é uma das características mais originais do livro. Os capítulos tratam de assuntos importantes – não são temas de pequeno pormenor – mas de forma extremamente abreviada. Não há nenhuma incorrecção (há uma gralha aqui ou ali) mas há pouquíssimas explicações. Vai-se ao essencial, usam-se símbolos e terminologias sem apresentação prévia, e em muitos casos usam-se até fórmulas.

Nota-se que os autores têm total segurança nas matérias que estão a expor, que às vezes parecem fáceis mas não são. As palavras são poucas, mas são bem escolhidas.  Há tempo para falar em aplicações e em ligações dos temas a questões culturais. Há muitíssimas figuras. Os capítulos são frequentemente acompanhados por notas à margem intituladas “Sabia que?” Mas tudo isto em três páginas.

Isto leva-nos directamente à segunda interrogação.  A que público se dirige este livro?  Os organizadores, no prefácio, não fogem à questão e respondem que é “um público geral, curioso em saber mais e sem aversão a experimentar um pouco do sabor da matemática”.  A dúvida surge logo: quem é esse público?

Creio que os organizadores pensaram mais nisto do que dão a entender no prefácio. E que têm em mente professores (não só de Matemática) dos vários níveis de ensino, alunos interessados do superior, do secundário e até do básico, em alguns casos, e, de uma forma geral, pessoas que não têm medo dos símbolos e podem ter estudado alguma Matemática. Um exemplo clássico: os engenheiros.  E até os matemáticos profissionais: muitos dos assuntos serão completamente familiares para eles, mas de certeza que terão oportunidade de aprender alguma coisa aqui e acolá.

Quanto mais pensei nisto mais me convenci de que o “género miniatura”, que é uma originalidade na Matemática, pode ser um achado. Como dizia Fernando Pessoa numa publicidade da Coca-Cola, “primeiro estranha-se, depois entranha-se”. Fui-me habituando ao ritmo das três páginas e, perto do fim, já me custou ler o capítulo de seis páginas: era longo demais. (Não poderia ser dividido em dois: 43 é um número muito mais bonito do que 44.) E convenci-me de que foi de propósito: não há nenhuma das histórias de três páginas que não possa ser contada em 30 (o que daria um livro de 1300 páginas). Mas a ideia é pôr o ónus do lado do leitor: se ficar fascinado, vai à procura e escreve ele as outras 27.

Uma terceira interrogação é: como ler um livro destes? Não é um livro para se ler todo de seguida, é um livro de cabeceira.  Um capítulo pode ser, conforme o gosto de cada leitor, o início de uma exploração pessoal para saber mais, que é auxiliada pela lista de referências bibliográficas indicadas no fim do livro.  Portanto, este é um livro para fazer companhia ao leitor durante muito tempo:  quem quiser explorar a fundo todos os temas apresentados acabará lá para 2023.

Como disse no princípio, quando comecei a ler o livro, há uns três meses, hesitei na minha apreciação.  Mas depois formei, convictamente, a opinião de que é um trabalho com grande interesse cultural.  Os organizadores e os autores estão de parabéns, o Centro e o Departamento de Matemática do Porto mais uma vez provam que são locais de Ciência mas também de Cultura, que aqui deve haver investigação mas também abertura aos outros, aos professores, aos alunos pré-universitários, à sociedade em geral.

Lançar o livro é dá-lo a conhecer. Mas provavelmente já todos os presentes o conhecem, e quem não o tem deve ir comprá-lo já, antes que esgote, e a tempo de o oferecer no Natal. Não será uma prenda: serão 43 prendas, cada uma delas uma possibilidade de exploração e aprendizagem.

Afinal, o livro custa 10 euros, o que dá cerca de 23 cêntimos por capítulo.  Não me parece caro o preço destas miniaturas.