Uma paisagem diferente
(Nota do tradutor)
(Nota introdutória às "Aventuras Matemáticas" de Miguel de Guzmán, Gradiva, Lisboa 1990)
Em Abril de 1989, Miguel de Guzmán esteve no Porto para proferir
uma conferência no IV Encontro Nacional da Sociedade Portuguesa de
Matemática. Escolheu o tema «A Matemática e os Jogos» e durante
uma hora desenvolveu, com exemplos múltiplos, a ideia de que todo
o jogo é matemática e toda a matemática é jogo. O livro que aqui
se apresenta põe em destaque essa estreita ligação, ilustrando-a
com a aplicação, a variados jogos e problemas, de simples mas
profundos processos de pensamento.
O estilo do autor é ligeiro, mas não se trata aqui de uma colecção
de charadas nem, diversamente, de vagos ensaios sem conteúdo e
significado precisos. Alguns grandes temas da matemática de todos
os tempos são explorados em diálogo com o leitor, sem grandes
formalizações, mas também sem cedências no rigor. A exposição
faz-se em geral à volta de problemas e das suas soluções,
referindo-se por vezes os primeiros descobridores de tais
soluções. Isto ajuda-nos a recordar uma verdade frequentemente
esquecida: um teorema é um problema resolvido, e foi portanto
preciso alguém para o resolver. Como que para melhor ilustrar esta
ideia, o livro acaba com uma lista de problemas de enunciado
simples e concreto, mas que nunca ninguém conseguiu resolver.
Este livro é um acontecimento editorial em Portugal, por si e pela
sua qualidade, mas também pela raridade das obras do género no
nosso país. A divulgação científica não tem muitas tradições entre
nós. E, dentro das ciências, a matemática, no que se refere ao
grande público, é ignorada no seu fascínio, na sua infinita
variedade e na sua própria natureza de actividade humana em
progresso e mutação permanentes. Por razões diversas, que não vou
tentar analisar aqui, a «Rainha e serva das Ciências» não tem a
melhor das reputações. O medo e a inibição, quando não a rejeição,
são atitudes frequentes em relação ao que é visto como uma ciência
exacta, acabada, morta. Estas Aventuras podem ajudar a corrigir
essa infeliz situação, ao convidar o leitor para uma visita a
insuspeitadas regiões da mente, testando a sua curiosidade e o seu
engenho e, espera-se, deixando-o com vontade de saber e procurar
mais.
Leia o leitor sem pressas, e sobretudo com lápis e papel ao lado.
É a única maneira de ler matemática com proveito. Não há caminhos
para reis, mas a paisagem vale a pena.
Coimbra, Junho de 1990