Comentário ao
documento
“Habilitações
profissionais para a docência”
(parecer
enviado
ao Ministério da Educação em 7/4/2006)
João Filipe Queiró
Departamento de Matemática -Universidade de Coimbra
Escrevo "2º ciclo" quando é o do
Básico, "segundo ciclo" quando é do Superior, e analogamente
noutros casos.
O assunto em causa é estratégico. O Ministério da Educação tem
aqui uma oportunidade para intervir na regulação de uma matéria de
enorme importância, que tem estado ao abandono e à mercê de
pressões de sectores que não têm feito mais do que desqualificar a
importantíssima profissão de professor.
O presente documento contém aspectos positivos e aspectos
negativos, mas é ainda muito vago, deixando a porta aberta para
opções futuras muito erradas.
Os – actualmente chamados – 3º ciclo do Básico e Secundário devem ser
tratados em conjunto no que se refere à formação e ao
recrutamento.
Quanto ao 2º ciclo do Básico, está-se dependente, na discussão
destas questões, de uma definição política mais precisa sobre a
sua natureza e posicionamento na estrutura do sistema educativo.
Não me pronunciarei sobre a formação de professores do 1º ciclo do
Básico e de educadores de infância.
O primeiro ponto a sublinhar é que a qualificação profissional
específica para a docência, nesses níveis, deverá – e não apenas poderá – ser adquirida num segundo ciclo de
estudos superiores. É esta a tendência europeia e é este o modelo
que melhor se adequa aos objectivos de formação em causa.
Não se compreende a proposta de criação de “cursos de formação
profissional para o ensino”, cursos não-superiores portanto, que
desqualificariam a formação e reduziriam a sua qualidade,
procurando aparentemente escapar aos requisitos de qualidade
plasmados na recente legislação sobre Bolonha. No momento actual,
no estado em que se encontra a educação em Portugal, propor a
desqualificação e a diminuição da qualidade da formação inicial de
professores é algo que não se pode aceitar.
É positiva a indicação de que a qualificação académica disciplinar
de base deve ser obtida num primeiro ciclo (em instituição
acreditada). Deve haver muito cuidado com o número mínimo de
créditos ECTS de que se fala para esse primeiro ciclo disciplinar.
Os números devem ser, no que se refere à formação na área ou áreas
de docência e áreas básicas a elas associadas:
- 125, no caso de habilitação para a docência de uma disciplina do
2º ou do 3º ciclo do Básico.
- 150, no caso de habilitação para a docência no ensino secundário
ou para a docência de mais do que uma disciplina.
O segundo ciclo deve desenvolver e aprofundar competências
académicas e profissionais adequadas ao futuro exercício da
actividade docente. Já não é um momento de formação científica
disciplinar de base (salvo situações excepcionais de necessidade
de complemento de formação), mas também não é um momento de
formação teórica em matérias de Ciências da Educação. Trata-se do
momento por excelência de integração e operacionalização de
conhecimentos com vista ao ensino, e de preparação especializada
para a actividade docente.
O segundo ciclo não deve ser tão "transversal" que possa ser
praticamente igual para todas as áreas, podendo assim ser
oferecido por escolas não científicas (isto é, não ligadas às
áreas disciplinares dos futuros professores). As disciplinas de
didáctica específica devem ser da responsabilidade de docentes
ligados à respectiva área. E deve ser propiciada uma introdução à
realidade escolar nas suas diversas vertentes. O segundo ciclo
deve incluir uma iniciação à prática profissional na forma de um
estágio.
A formação de professores para 3º ciclo do Básico e Secundário – tanto o primeiro como o segundo ciclo – deve ser exclusiva das universidades
(acreditadas), onde se encontram os recursos humanos qualificados
para o efeito, e devido à exigência académica da formação para
esses níveis.
É muito positiva a dissociação da formação do acesso à profissão
docente. A situação que se vive há décadas, com a utilização da
nota de licenciatura para seriar os candidatos à docência e com as
perversões associadas, envergonha o Estado português. O exame de
acesso à profissão deve incidir primariamente sobre as
competências disciplinares.
Coimbra, 7 de Abril de 2006