Prefácio
a "Ensinar e estudar Matemática em Engenharia", de Jorge André

Imprensa da Universidade, Coimbra 2008.

João Filipe Queiró





Esta é uma obra original. Original no tema e original na abordagem. Quanto ao tema, é legítima uma interrogação sobre a sua própria existência. Que tema é este?, perguntará o leitor mais desprevenido. Não é toda a Matemática superior igual? Ou então: de que Matemática particular precisam os estudantes de Engenharia? Há uma Matemática específica para engenheiros? O que tem de especial o ensino da Matemática para estudantes de Engenharia? Ora o tema existe, sim, e é muito importante. Não existe Engenharia sem Matemática, e a boa preparação matemática ajuda muito o futuro engenheiro de concepção, de projecto, de desenvolvimento, de inovação, de investigação.

 

O autor leva a cabo uma reflexão pessoal aprofundada sobre questões importantes: Qual o papel da Matemática na formação de um engenheiro? Como organizar o ensino da Matemática em cursos de Engenharia de modo a concretizar esse papel? Como articular a formação em Matemática com a formação específica em Engenharia? Sobre cada um destes temas é desenvolvida uma análise cuidadosa e pormenorizada, em que se faz a ponte entre a natureza da Matemática e as necessidades práticas do estudante de engenharia e do engenheiro. Percebe-se que há aqui um interesse já antigo do autor, tanto pela Engenharia e a Matemática com as suas aplicações como pelas difíceis questões levantadas pela organização de uma licenciatura em Engenharia.

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O texto é bem organizado e argumentado, bem redigido e bastante completo. O autor exibe uma compreensão lúcida e informada da natureza da Matemática como ciência do pensamento rigoroso, e da forma por que ela se aplica, bem como das diversas modalidades da acção de um engenheiro. Há passagens em que o exame crítico se apresenta quase num registo filosófico, com uma apologia do conhecimento integral que é de realçar. O livro é nesse sentido também obra de cultura.

 

Parte da reflexão transcende a problemática concreta que é objecto do livro. Em particular, muitas das observações sobre pedagogia valem noutros contextos, inclusive para um curso superior de Matemática, disciplina cujo estudo ganha obviamente com o conhecimento das suas aplicações.

 

O texto compreende uma interessante lista de exemplos, com grande valor didáctico para os estudantes, porque ilustram de forma detalhada a importância da Matemática na análise dos fenómenos físicos.

 

É importante frisar que o texto do Doutor Jorge André é um ensaio analítico sobre o seu tema, não um manual de técnicas ou receitas sobre ensino, que poderia ter algum interesse, mas seria obra completamente diferente.

 

A “conclusão C3” (p. 9) – “são distintos o modo de estudar a Matemática, o gosto que por ela têm e o uso que dela fazem um engenheiro e um matemático” – conduz à discussão mais delicada e, possivelmente, controversa: a questão da generalidade da Matemática, e dos prejuízos trazidos pelos inevitáveis compromissos no seu ensino a estudantes de Engenharia.

 

Uma das principais “forças” da Matemática está em que as suas ideias e ferramentas são gerais, e muito do poder da Matemática, mesmo da elementar, vem-lhe precisamente da aplicabilidade de ideias gerais em vários contextos diferentes.

 

Isso faz com que pareça preocupante qualquer abordagem à Matemática excessivamente ligada a tipos muito particulares de problemas ou aplicações.

 

Por outro lado, o rigor do pensamento matemático tende a ir ao fundo de tudo, mas no ensino da Engenharia não há tempo para isso, nem a motivação dos estudantes será em geral suficiente para grandes aprofundamentos.

 

Tais limitações, inevitáveis, ocupam longamente o autor no seu texto. O Doutor Jorge André não foge a estas questões – que estão de facto no centro da problemática em estudo – e distingue níveis progressivamente diferenciados de estudo da Matemática ao longo de um curso de Engenharia.

 

São muito interessantes as suas análises sobre a “simbiose formativa” da Matemática com a Física e a Engenharia, e sobre a capacidade de dar “saltos lógicos” como pré-requisito essencial na modelação de fenómenos naturais e na posterior aplicação prática dos resultados do respectivo tratamento matemático.

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O livro que a Imprensa da Universidade agora publica tem uma variedade de públicos possíveis, como aliás o próprio título sugere: estudantes, professores de Matemática, professores de Engenharia e, claro, decisores académicos interessados no desenho de cursos na área da Engenharia.

 

Trata-se de uma obra de reflexão crítica original e profunda sobre um tema de capital importância para o futuro da Engenharia portuguesa, num país que se pretende tecnologicamente actualizado e apetrechado com os recursos humanos indispensáveis à sua modernização.

 

Coimbra, Fevereiro de 2008

João Filipe Queiró