O
Ensino Superior em Portugal
João Filipe Queiró
Fundação Francisco Manuel dos Santos, 96 p., Lisboa 2017.
2.12. Os MOOC e a sala de
aula
Em 2011 começaram a aparecer, com origem em
universidades americanas, disciplinas inteiramente leccionadas
através da Internet, incluindo as aulas, os trabalhos de casa, os
exames. Rapidamente foram criados consórcios e empresas, com
ligação às melhores universidades, para explorar os novos massive open online courses,
ou MOOC. O assunto fez as primeiras páginas dos jornais, houve
alguma comoção global – sobretudo nos países anglo-saxónicos – com
vários protagonistas a prever o fim do Ensino Superior como até aí
era conhecido, bem como o desaparecimento a curto prazo da maior
parte das universidades.
O assunto integra-se na questão mais geral da evolução do
ensino e das suas “técnicas”. Desde a Antiguidade que o ensino se
baseou na interacção pessoal. Em muitas áreas da actividade humana
o progresso tecnológico mudou a economia, as relações de trabalho,
as formas de vida. Mas a educação, o desenvolvimento intelectual e
cultural dos indivíduos, o acesso ao conhecimento – que é muito
mais do que a informação – são processos lentos, cujo contexto
ideal não é a relação com uma máquina mas a interacção pessoal.
Esta última é um dos processos que mais mobilizam as capacidades
cognitivas dos humanos.
São vários os exemplos históricos de deslumbramento com uma
tecnologia nova de comunicação, que ia supostamente acabar com o
ensino como até aí era conhecido, em particular com a sala de
aula.
Um exemplo do maior relevo é o da imprensa, introduzida na
Europa no século XV por Gutenberg. A difusão do livro impresso
teve um enorme impacto e levou alguns a prognosticar, e outros a
recear, o fim do ensino magistral, dado que, muitas vezes, o que
os professores faziam nas aulas era ler, literalmente ler, os
textos destinados à aprendizagem dos alunos (prática arcaica que
ainda hoje sobrevive na designação informal de “lente” para o
professor universitário, e na designação formal de reader nas universidades
britânicas). O papel impresso teve uma grande influência cultural,
social e também educativa, até pela massificação que permitiu, mas
não substituiu as aulas.
Algo de parecido aconteceu no século XIX com a invenção do
cinema. O próprio Thomas Edison afirmou acreditar que o cinema
iria revolucionar a educação e tornar irrelevante o uso dos livros
no ensino (e por maioria de razão, supõe-se, as salas de aula).
Viu-se que não foi assim.
Mais recentemente, a invenção da televisão no século XX
provocou entusiasmos análogos. A televisão permitiu fazer chegar o
ensino a meios onde não existiam escolas (inclusivamente em
Portugal) mas praticamente desapareceu hoje como substituto do
ensino presencial.
E agora, claro, a Internet, tecnologia entre todas
deslumbrante, com a hiper-comunicação e ilimitada informação que
permite, aí está com o seu cortejo de entusiastas educativos a
prever o fim da antiquada sala de aula. Sem dúvida que a
facilidade de comunicação por esta via permitirá chegar a
populações e zonas do globo que não possuam outra forma de acesso
à educação. Mas será situação provisória, como aconteceu com a
televisão. Quanto aos MOOC, não foram precisos nem cinco anos para
a bolha se esvaziar e se perceber que esses módulos disciplinares
electrónicos, tal como o livro impresso, o cinema e a televisão,
são um recurso educativo adicional mas não substituirão o ensino
presencial.
O que se verifica é que os MOOC – e o ensino
não-presencial em geral – preenchem um nicho de procura para
pessoas, geralmente já fora da idade estudantil, que pretendem –
por interesse profissional ou curiosidade – estudar certos
assuntos ou completar a sua formação.
O que é que está presente aqui? Os progressos tecnológicos
trouxeram com eles a ideia de mudança iminente na forma de ensinar
mas acabaram sempre por não passar de ferramentas e complementos
úteis. A aula clássica continuou sempre.
A sala de aula não está
obsoleta. Por alguma razão existe há séculos, se não milénios,
resistindo às sucessivas vagas tecnológicas. A sala de aula,
entendendo-se por esta expressão o contexto em que se processa a
relação pessoal professor-estudante, tem algo de irredutível,
não automatizável e não substituível, que explica a sua duração.