Fotografias de Frédéric Bellay, Christophe Bourguedieu, Bernard Plossu, Paulo Nozolino, John Davies, Giovanni Chiaramonte, Hugues de Wurstemberger, Martine Voyeux, António Júlio Duarte, José M.Rodrigues, Marcello Fortini, Cristina Garcia Rodero
Galeria de Exposições do Museu Antropológico
U.C., Rua do Arco da Traição
Horário: 14.00-17.300
Sábado/Domingo: 10.00-12.30, 14.00-17.30
Ingresso: 500$00
Sul representa a última fase do levantamento fotográfico proposto e encomendado pelos Encontros de Fotografia, com o propósito de criar a imagem coordenada do Portugal de fim de século. Um registo inevitavelmente pessoal e também inevitavelmente referenciado. Os fotógrafos percorreram o vale do Tejo, Lisboa, o Alentejo e o Algarve. O velho Garbe muçulmano, aclimatado e indolente, de muitas lendas e poucas certezas. Seguiram o trilho dos conquistadores cristãos, revisitaram o produto de muitas algarvias, pousaram o olhar nas novas cadências da paisagem e da alma. Além-mar, foram buscar as ilhas adjacentes, tão pouco adjacentes e tanto além-mar.
Produção: Encontros de Fotografia
Fotografias de Dominique Wade, António Leitão Marques, Sérgio Santimano, Fazal Sheikh, Mariano Piçarra, José Maçãs de Carvalho, José M.Rodrigues, Steve Cox, Inês Gonçalves, Bruno Sequeira, Mica Costa Grande, Pedro Vasquez, Evandro Teixeira.
Colégio das Artes, Largo de D.Dinis
Horário: 14.00-17.300
Sábado/Domingo: 10.00-12.30, 14.00-17.30
Ingresso: 500$00
Língua Franca: quatro séculos em A´frica, duzentos anos no espaço múltiplo do i´ndico ao Pacífico, o português adulterado na sua estrutura, que os holandeses tiveram de usar na propaganda religiosa e civil do seu império. A força e a imposição de um comércio e de um colonialismo feroz e de uma mensagem evangélica que merecia melhor sorte. Que ficou dessa língua comum, hoje mal reconhecida em alguns nomes de família, umas fortalezas arruinadas, catedrais de cenário de cinema, senão umas ou outras palavras sonoras, em breve assimiladas?
O Império marcou o europeu, delineou o português. Deu-lhe abuso e humilhação, a força inusitada de um Sol ardente e uma terra húmida ou calcinada, novas constelações para um imaginário exótico; marcou-lhe a ferro a saudade do futuro. Saudade de percursos em solidão, de palmares ao nascer do dia, de anoiteceres bruscos e dolorosos, remorsos de uma codificação deslocada, de não ter guardado limpos de sangue e de miséria cores e cheiros, o vento quente que amolece a alma e revisita o corpo. Saudade do poder, da diferença, da língua nos livros e nas proibições.
E no entanto, ao vermos estas imagens, sabemos que ela existe, a língua franca, a passagem da história alheia pelas etnias e pelos cais de desembarque, soterrada nas ruínas e nos padrões de cinco quinas, nos rostos de côr escura e traços das gentes da raia de Trás-os-Montes, dos pescadores de Aveiro ou de Peniche.
Aqui a língua franca deixou marcas, nos fotógrafos que levaram consigo os mitos do Império, o exorcismo de um direito que acalentam como histórico, algures no inconsciente colectivo. Maria do Carmo Serén
Produção: Encontros de Fotografia
Museu Monográfico de Conímbriga
Horário: 10.00-18.00 Encerra à Segunda-feira
Entrada livre
O tema deste conjunto de imagens foi tecido, antes de mais, na trama de um espaço físico e cultural bem definido, um micro-cosmos a que, redutoramente, chamamos Alentejo.
Procuramos, selectivamente, desvendar-lhe uma modalidade singular: os lugares centrais do espírito, as paragens em que os homens, em vários tempos, quiseram elevar o mundo real à categoria do divino.
O resultado remete, assim, para a confluência de três perspectivas distintas, porventura alheias no tempo e no modo.
A matéria-prima original resultou da cristalização dos anseios e crenças dos construtores/criadores dos antigos lugares sagrados. Trata-se, sem dúvida, de paisagens determinadas por arquétipos esquecidos, seleccionadas a partir de um conhecimento minucioso do espaço, em articulação, nem sempre muito clara para nós, com a vida quotidiana de quem as elegeu. São lugares de teofanias e mitos. Encerram e expõem aos nossos olhos profanos, divindades crepusculares e distantes.
Em seguida, o filtro racional do arqueólogo, sublinhado ou omitido, criou uma realidade diferente, actualizada e, até certo ponto, subjectiva. Reconhece-se, neste aspecto, como uma escolha datada, comprometida, apenas uma proposta entre outras possível.
Finalmente, o fotógrafo interveio, à sua maneira, acrescentando aos temas a dimensão do artista, transfigurando realidades fragmentárias numa leitura coerente, pessoal e transmissível.
O resultado final corresponde a uma travessia na espessura do tempo e da forma de olhar. Errâncias, deslumbramentos e interrogações, numa verdadeira geografia paralela.
Este Alentejo Sagrado, que narcisistamente amamos, começa e acaba naqueles lugares perdidos, em que a memória permanece quase sempre suspensa, discretamente expectante, no entanto, por vezes, os mistérios do tempo pagão confundem-se com referências mais familiares, entrosados no mundo caiado e austero dos homens de hoje, impondo-se-lhes anacrónicos e silenciosamente inquietantes.
Este Alentejo existe mimético por detrás da cortina mental do mapa das estradas. Respira em surdina, camuflado de azinheiras, sobreiros ou oliveiras retorcidas, os cheiros da esteva, da murta, do oregão, do rosmaninho e do poejo.
Ergue-se, por vezes, em rochedos ciclópicos ou afunda-se em gargantas sombrias.
Vibra interior, na luz fundamentalista do Sul, embalado pelos resíduos dos ventos atlânticos.
Este Alentejo, construído com pedra e na pedra, Maciço Antigo, é também um lugar de passagem, uma encruzilhada de ideias e rios, terra de deuses dormentes.
Agita-se e acomoda-se.Renasce e remorre.
Este Alentejo antigo descansa. Sossega. Dorme a sesta.
Manuel Calado
Produção: Encontros de Fotografia
Fotografias de Frédéric Bellay, Christophe Bourguedieu, Bernard Plossu, Paulo Nozolino, John Davies, Giovanni Chiaramonte.
Biblioteca Municipal - Casa Municipal da Cultura, R. Pedro Monteiro
Horário: 9.00-18.30 Sábado/Domingo: 14.00-18.00
Entrada livre
Capital centro do império, cidade em transformação e sempre na ribalta, Lisboa constitui objecto de uma mostra separada, ainda que concebida no interior do mesmo projecto Sul.
Produção: Encontros de Fotografia
Fotografias de Joshua Benoliel
Hotel Quinta das Lágrimas, Santa-Clara
Horário: 14.00-17.30
Sábado/Domingo: 10.00-12.30, 14.00-17.30
Entrada livre
JOSHUA BENOLIEL, REPÓRTER FOTOGRFICO
Joshua Benoliel deve ser considerado o primeiro foto-repórter português. O seu empenhamento, a sua noção de oportunidade e a sua imparcialidade permitiram-lhe definir o conceito de foto-reportagem: uma íntima e constante ligação entre o texto e a imagem. Criou documentos, que não eram necessariamente descritivos mas antes intimistas, "como se os próprios factos adquirissem uma dimensão irreal". Sente-se o amor que este homem tinha pela sua cidade e pelas suas gentes, a facilidade com que deambulava pelas ruas mais esconsas, testemunhando a precaridade das situações sociais, numa atitude próxima dos americanos Riis e Hine. É uma postura mais íntima, mais "fado", mais humana. Do mesmo modo circulava entre os grandes e as mundanidades, potenciando nessas imagens aquilo que se queria ver, a sua proximidade ou a sua distanciação do mundo real.
O processo da fotogravura expande-se, nos inícios do século XX, em Portugal, com particular incididência nas revistas ilustradas de frequência semanal, quinzenal ou mensal. A função do fotógrafo torna-se mais evidente e imprescindivel.Rapidamente as imagens evidenciam-se quer pela força, quer por um cariz mais social mais empenhado. Nasce o foto-repórter, ou repórter gráfico, que acompanha o lento redimensionamento da imprensa portuguesa face às premissas da imediatidade da notícia e da sua transmutação em imagem visível, bem como à resposta que o público entusiasmado lhe dá. Nascem igualmente as primeiras agências noticiosas, de início nos Estados Unidos da América, fornecendo as notícias e as imagens que a imprensa exigia cada vez mais.
Portugal não difere deste quadro. O número de revistas e jornais que integram fotografias, aumenta, nos primeiros vinte anos deste século, enormemente. Não há evidência de agências noticiosas, tendo em conta a nossa pequenez geográfica e mediática.
Em Junho de 1898, publica o jornal O Tiro Civil as fotografias da Regata do Centenário, do amador Benoliel. O Brasil-Portugal constitui a primeira revista que introduz o processo da fotogravura em Portugal, possuindo para tal oficinas próprias. Este processo estender-se-á a outras revistas: Mala da Europa, O Ocidental, Os Serões, llustração Portuguesa, Revista de Sport. Os jornais diários seguem idêntico processo, destacando-se o pioneirismo d' O Século e do Diário de Notícias. Constituía critério primacial da introdução da fotogravura a actualidade e o impacto das imagens que a imprensa diária requeria, equacionando-se a valia processual e a sua rentabilização financeira. O exemplo d' O Século enquadra-se num mercado ávido de imagens: enquanto o Jornal diário apresentava um número reduzido de fotografias, o semanário Ilustração Portugue
O fotógrafo de estúdio e o fotógrafo amador constituirão os primeiros fornecedores de clichés, de temática regional ou local, reflectindo um quotidiano quase caseiro. O internacionalismo noticioso que a imprensa advogava encontrava um obstáculo na difusão de fotografias de eventos que transcendiam o país. A morosidade do envio e a menor qualidade dessas fotografias, apesar da invenção da belinografia e das constantes inovações tecnológicas, não era bem aceite pelo público. A revista ilustrada, de periodicidade mais espaçada, estabelecia a ponte entre as notícias do jornal diário e o novo tratamento jornalístico que as ilustrações requeriam.
A quantidade do eventos nacionais e internacionais aumenta no início do século, obrigando a especialização da imprensa, e que a fotografia acompanhará. Nasce uma nova actividade, cujo enquadramento legal se ressentirá da sua própria indefinição enquanto profissão. O foto-repórter, ou repórter gráfico, como era denominado em Portugal, não possuía um estatuto definido. Assumindo a tarefa de fornecer a imprensa nacional de imagens da actualidade política, social e desportiva, encontram-se os fotógrafos comerciais, casos de Horácio Novais, Arnaldo da Fonseca, Camacho, Bobone, Biel. As suas imagens traduziam o trabalho de estúdio: imobilismo, composição cuidada, mas descaracterizando a imagem de rua, o instantâneo o descritivo. Com o aparecimento da Ilustração Portuguesa, na sua segunda versão, iniciada em 1906 e liderada por Silva Graça, o foto-Jornalismo português autonomiza-se enquanto profissão de pleno direito. A maquetização da revista foge ao modelo inicial, a lllustration Française, mostrando um novo agenciamento estilístico, onde impera a moldura arte nova, contemporaneizando assim a apresentação gráfica. Recorre-se a colaboradores conceituados para os diversos artigos de fundo e a fotografia adquire um maior peso. Sem minimizar as excelentes lllustrierten Zeitungen alemãs dos anos vinte e trinta, a llustração Portuguesa prefigura-as numa escala nacional, Benoliel é implicado na definição das respectivas notícias. A sua produção é multifacetada, abordando temas tão diversos como política, faits divers, desporto, cenas do quotidiano ou o mundo do trabal
Outros se Ihe seguiram: Alberto Lima, José Bárcia, A. Cunha, Serra Ribeiro, J. Garcês. O número de foto-repórteres mostra-se insuficiente para o número crescente de publicações. A indefinição deontológica da profissão permite que um repórter possa colaborar, simultânea e rentavelmente, com várias publicações. Benoliel exemplifica bem esta situação: apesar de designado, frequentemente, de enviado especial da Ilustração Portuguesa, tal não o impedia de colaborar com O Occidente, o Brasil-Portugal ou a Mala da Europa, revistas de periodicidade mais alargada. Estas situações eram frequentes, rentabilizando o investimento das publicações, que publicariam a reportagem. Em caso de exclusividade, não tão invulgar como se possa pensar, a reportagem e os respeotivos direitos de autor passavam para a publicação fin Ao foto-repórter punha-se frequentemente o problema lega1 dos direitos de autor. A aquisição de um conjunto de clichés por um órgão de informação implicava a transferência dos respectivos direitos de autor. Este problema estava contemplado no art. 457° do Código Penal de 1886, que referia que "todo aquele que cometer o crime de contrafeição, reproduzindo em todo ou em parte, fraudulentamente e com violação das leis e regugamentos relativos à propriedade de autores, alguma obra escrita ou de música, de desenho, de pintura, de escultura ou de qualquer outra produção " será punido".
Benoliel enviava semanalmente mais de 180 fotografias para a Ilustração Portuguesa (placas de vidro, de gelatino-brometo, de formato 9x12 cm). Se acrescentarmos mais umas 50 para as restantes publicações com quem colaborava, obteremos um número próximo das 260 fotografias semanais efectivamente transaccionadas. Este elevado número de imagens não impedia o recurso a outros repórteres, de molde a completar a mancha fotográfica da Ilustração Portuguesa, que chegou a atingir uma tiragem de 24.400 exemplares semanais, em 1908. A crescente procura de novas imagens forçou a especialização e consequente profissionalização do fotógrafo de notícias, obrigando-o a uma constante mobilização e disponibilidade. que conduziu à sua integração na hierarquia dos profissionais do jornalismo e à sua crescente consciencialização profissional.
José Pedro de Aboim Borges
Oeiras, Agosto/Sctembro de 1996
Cortesia: Arquivo Fotográfico Municipal de Lisboa
Fotografias de Joel-Peter Witkin
Celas da Inquisição, Ala Norte - Pátio da
inquisição
Horário: 14.00-19.00
Sábado/Domingo: 10.00-12.30, 14.00-19.00
Ingresso: 500$00
"Quando as pessoas vêem o meu trabalho, não há nunca uma "zona cinzenta" de resposta. O que experimentam é amor ou ódio. Aqueles que odeiam o que faço, odeiam- -me a mim também. Devem pensar que sou um demónio ou uma espécie de feiticeiro mau. Aqueles que compreendem o que faço, apreciam a determinação, o amor e a coragem que são necessários para achar prodigiosas e belas, pessoas que são consideradas pela sociedade defeituosas, obscenas, inúteis ou desprezíveis.
A minha arte é a forma como concebo e defino a vida. É um
trabalho sagrado, visto que o que faço são as minhas
orações. Estes trabalhos são a medida do meu
carácter, a transfiguração do amor e desejo, e,
afinal, a qualidade da minha alma. Com este trabalho, julgo-me a mim
mesmo e sou julgado pelos meus contemporâneos e, em última
instância, por Deus. A minha vida e o meu trabalho são
inseparáveis. São tudo o que tenho. Tudo o que
necessito".
Joel-Peter Witkin, 1990
Breve Relato da Minha Carreira
Comecei a fotografar aos dezasseis anos. Nesse mesmo ano, Edward Steichen escolheu uma das minhas fotografias para a colecção permanente do Museu de Arte Moderna de New York. Foi o começo de uma vida dedicada à fotografia.
Continuei a aprender fotografia, trabalhando em vários estúdios e laboratórios. Em 1961, alistei-me no Exército dos Estados Unidos e trabalhei como fotógrafo e técnico de fotografia. tinha o posto de Sargento Técnico e prestei serviço militar até 1964. De regresso a New York City, trabalhei como assistente freelancer com fotógrafos médicos, técnicos e comerciais. Frequentei a Cooper Union, obtendo o diploma Bachelor of Fine Arts e uma bolsa para poesia na Columbia University. Em 1974, recebi uma bolsa CAPS para fotografia, através do New York State Council on the Arts.
Em 1976, iniciei o trabalho de licenciatura e post-graduação em fotografia na Universidade de New Mexico. No ano seguinte, recebi a bolsa da Ford Foundation e a seguir os National Endowments para Fotografia em 1982,1984 e 1986. Em 1986, obtive o diploma de Master of Fine Arts em Fotografia. Em 1988, recebi o Prémio do International Center of Photography e o Distinguished Alumni Citation da Cooper Union. Em 1990, o Ministro da Cultura francês, Jacques Lang concedeu-me o título de Chevalier des Arts et des Lettres pelo meu trabalho fotográfico. Em 1992, recebi o quarto NEA e o American Center em Paris ofereceu-me a possibilidade de produzir trabalho novo através de um programa de artista residente em França. Em 1995, tenciono produzir trabalho novo na Escócia, França, Itália e República Eslovaca.
Cortesia: Galerie Baudoin Lebon
PaceMacGill Gallery
Apoio: Câmara Municipal de Coimbra
Mosteiro de Celas, R. Dr. Manso Preto
Horário: 14.00-17.30
Sábado/Domingo: 11.00-12.30, 14.00-17.30
Entrada Livre
Em Fevereiro de 1992,
Luigi Ghirri
desaparecia brutalmente, com 50
anos, deixando uma obra essencial para a fotografia italiana
contemporânea. Tinha-se distinguido como um dos melhores
coloristas da sua geração, mas também como um
dos que mais tinham reflectido sobre a paisagem, nomeadamente em
Itália. E isso sem no entanto realizar uma obra com a frieza
da abordagem conceptual. Bem pelo contrário, a mensagem de
Luigi Ghirri
é viva e calorosa; também eivada de uma
certa ironia. A sua fotografia nunca deve considerar-se literalmente
como reportagem. Há sempre uma distância entre ele e
a realidade, imagens nas imagens.
Gabriel Bauret
O homenzinho à beira do precipício
Desde pequeno, as fotografias de que gostava mais eram as de paisagem, que via nos atlas, entre dois mapas de geografia.
Fascinavam-me muito particularmente as fotografias em que aparecia, inevitavelmente imóvel, um homenzinho esmagado pelas Cataratas do Niagara, montanhas, rochedos ou enormes salgueiros, palmeiras gigantescas ou então à beira de um precipício. Voltava a encontrar este personagem nos postais que representavam lugares mais menos célebres, empoleirado nos monumentos históricos, perdido nas ruínas do Forum romano ou debaixo da Torre de Pisa.
Este homenzinho vivia num estado de perpétua contemplação do mundo e a sua presença nas imagens conferia-lhes uma atracção especial. Era não só o metro padrão das maravilhas representadas, mas também a unidade de medida humana que me restituía o sentimento do espaço; em todo o caso, eu via-o assim, e pensava, por intermédio dele, que compreendia o mundo e o espaço.
Também gostava da ideia de que o fotógrafo nunca estava sozinho nestes lugares, mas que tinha sempre à disposição um amigo ou um conhecido com quem atravessava o mundo, ou o descobria, ou o representava. Nunca consegui ver de facto um, conferir-lhe uma identidade: o homenzinho era sempre um desconhecido para mim, mas acompanhava-me aos lugares mais desconhecidos e mais extraordinários que ele próprio via, contemplava, media.
Quando mais tarde comecei a fotografar, continuei a olhar para
fotografias de paisagem, mas nunca mais encontrei o homenzinho.
Sucediam-se fundos, cenários e espaços soberbos, mas
cada vez mais desertos e mais incompreensíveis, desfazendo-se
em pedaços e multiplicando-se de uma forma cada vez mais
vertiginosa. Tudo isso me parecia inabitável, mais exactamente,
os lugares tinham desaparecido e restavam esplêndidos
cenários a preto e branco ou en technicolor, e o homenzinho
já não estava lá; tinha-se ido embora, levando
consigo a representação dos lugares e deixando-nos
o seu simulacro."
Luigi Ghirri
in Paesaggio Italiano, 1989
Cortesia: Paola Ghirri
Fotografias de Pierre Verger
Museu Machado de Castro, Largo Dr. José Rodrigues
Horário: 14.00-17.30
Sábado/Domingo: 10.00-12.00, 14.00-17.30
Encerra à Segunda-feira
Entrada Livre
Chegou finalmente o momento da tão esperada viagem - seleccionar fotografias, conhecer um homem, Pierre Verger.
Da pequena casa vermelha - cor de Shango - de janelas estreitas, no bairro popular de Vila América, em S.Salvador da Baía, dia após dia os tesouros invadem a sala do rés-do-chão, iluminada por uma simples lâmpada sempre acesa. Os negativos bem arrumados em caixas de madeira, surgem uns atrás dos outros. Pierre Verger levanta os óculos para ver melhor, e uma outra viagem começa, no seu universo que pouco a pouco penetra e encontra o nosso. Para lá do tema fotografado, para lá do tempo e do lugar.
Cada um dos 65.000 negativos que desfilam nas nossas mãos, sublinha a obra adivinhada, o seu alcance humano. Só depois ocorrem as palavras, depois da nossa selecção encontrar o seu olhar e o seu rosto: um sorriso de acordo, um trejeito de descontentamento que nos faz hesitar, um franzir de sobrolho que faz regressar o negativo à caixa. A cumplicidade estabelece-se simplesmente, reforçada por cada nova escolha.Depois, a história da imagem - emoção, riso - confere-lhe uma segunda vida. Não queremos dar-lhe demasiada importância, porque a fotografia escolhida ficaria presa ao comentário. Deixamo-nos levar por essa relação imediata com a imagem. A análise não acrescentaria nada ao que é visto num centésimo de segundo, quase o tempo da pose, quase o tempo do prazer que faz parar o tempo e desafia a sua própria existência.
"Quando fotógrafo, não sou eu que fotografo, é alguma coisa em mim que carrega no disparador sem que eu verdadeiramente decida, não vou à procura um bom enquadramento; o lugar das pessoas e das coisas aparece evidente no visor. Depois, o disparo deixa a fotografia em suspenso, só muito depois passa a existir, no laboratório: o instante do seu verdadeiro nascimento". As imagens continuam a parar nas nossas mãos, uma redescoberta para Pierre Verger que há muito tempo não as olha assim. Para nós, uma descoberta que se torna imediatamente familiar.
Tendo como única fronteira o círculo do seu terceiro olho e o instantâneo do seu prazer, Pierre Verger fotografou a sua própria liberdade, deixando o seu olhar apaixonado correr mundo, o espírito reflectir noutras zonas, a sociedade envolver-se noutras guerras.
"Quando fotógrafo, fabrico as minhas memórias". Com a nostalgia de um presente impossível, Pierre Verger não se considera um observador mas um actor egoísta. "Quando me confronto com uma situação qualquer - que muitas vezes provoquei - encolho-me sobre mim próprio". Estar lá sem se impôr ao outro. Esse outro que ele sabe nunca poder possuir a não ser por uma troca de gestos ou de olhares. Uma liberdade vivida, não em teoria mas como um momento de desejo que guia um corpo. Um corpo de diferença e de ascese. Um corpo que balança entre o vento e o céu, prestes a levantar voo sem nunca procurar atingir o divino. Nem S.João Baptista, nem o corpo desmaterializado do sábio, o corpo em movimento de carne e pele das multidões que dançam nas festas, nos mercados, nos portos e nas estradas que povoam todas as suas fotografias. As paisagens da natureza e das arquitectura
"Não somos nós que escolhemos, são eles que nos escolhem". É assim que Pierre Verger se torna o mensageiro entre dois povos, entre dois continentes que não eram seus de origem. A diferença de cultura e de cor torna-se irrisória e ele é simplesmente humano, semelhante a eles. Pierre Verger pode renascer para uma nova humanidade.
Face a problemas fundamentais, Pierre Verger situa-se entre uma falsa humildade de não ser nada, de nada saber, e uma profunda humildade perante as coisas da vida que nunca quis explicar pelas ciências do seu mundo, porque sabia que explicar é tomar, reduzir e talvez matar. Se se tornou investigador e especialista, bastante tarde, foi para melhor convencer os outros da necessidade de reconhecer os outros povos e mesmos aqueles de quem é mensageiro. Mostra a existência de outras vias, de outras percepções da realidade, não demonstra. Mostra como alguns povos permitem que cada um exprima a sua personalidade, o seu universo, tornando-se alternadamente jovem e velho, negro e branco, louco e ajuizado, na sociedade e fora da sociedade. É sempre o ser humano e não o especialista que fala.
A casa silenciosa sem telefone e sem rádio, deixa entrar pelas persianas abertas os risos e os sons eléctricos de canções na moda dos vizinhos de bairro. O jardim, invadido pelas plantas que representam as diversas culturas de um mundo aberto, transforma os sons e faz desaparecer os telhados e os terraços das casinhas constantemente em obras. Mais adiante, jogadores de futebol retesam os músculos à procura duma bola, os corpos correm pelo corpo ao longo da baía. Os olhares cruzam-se e depois perdem-se ao longe sobre o mar de todas as viagens.
Na Baía. Na Baía mais do que em qualquer outro lado? Provavelmente não. Mas na Baía.
A selecção nas fotografias de Pierre Verger: um pouco de areia, de terra, de carne e de éter, para além do tempo e dos territórios.
Paris, Abril de 1993
Jean Loup Pivin /Pascal Martin Saint Léon
Colégio das Artes, Largo D.Dinis
Horário: 14.00-17.30
Sábado/Domingo: 10.00-12.30, 14.00-17.30
Entrada livre
A descoberta das fotografias de
Seydou Keita foi um acaso feliz.
As que foram apresentadas na Fondation Cartier foram realizadas em
Bamako, Mali entre 1950 e 1977. Chegam-nos hoje e impõem-se com
uma evidência rara. O que é fascinante, talvez, é
a sua extrema elegância e a simplicidade que delas emana. Os
jogos de motivos, nomeadamente os do vestuário e dos fundos,
criam composições abstractas onde, por vezes, surge
um rosto, um ombro,umas mãos. Sofisticação e
requinte também nas poses e nos pormenores: como aquele
sapato pousado no vestido de uma mulher. É nessa elegânca
que calmamente se instalam os modelos e é então que
uma verdade, uma autenticidade, uma ternura, irradiam dos seus
rostos. Ficamos a dever a André Magnin a sorte de ter
descoberto a obra de Seydou Keita,
a Jean Pigozzi a generosidade de emprestar as fotografias expostas, a
Seydou Keita o prazer de apresentar a
sua obra em Paris.
Hervé Chandès
Conservador da Fondation Cartier pour l'art contemporain Paris,
Outubro de 1994
"Comecei a fotografar em 1945 em Bamako, sozinho, sem saber nada, com uma câmara 6 x 9 que o meu tio me tinha trazido do Senegal. Também me tinha dado dinheiro para comprar filme. Foi assim que aconteceu. Sinceramente, é um ofício que tentei fazer o melhor possível, gostei tanto da fotografia. A princípio, fotografei a família. E aí, algumas poses "davam", outras não. De facto, comecei mal: as pessoas mexiam-se e eu também devia tremer um bocadinho. Quando imprimia, pareciam uns esqueletos. Estás a ver, não tinha qualquer formação. Pedia ao cliente para me pagar adiantado o preço da prova que mandava fazer ao Pierre Garnier ou ao Mountaga, mais velho do que eu e que me ensinou a revelar. E se as fotografias não "saíam", então é que eram problemas: os clientes não ficavam nada contentes... mas eles é que se tinham mexido!
[...] Em 1948, quando Mountaga soube que eu já tinha conhecimentos, passou-me o laboratório. Revelava nessa altura só a preto e branco. Já havia fotografia a cor, mas era preciso mandar para França. De qualquer maneira, não me interessava nada. Para mim, o preto e branco é que era bonito. Nessa altura, havia quatro fotógrafos Bamako: Youssouf Traoré, Boudjala Kouyaté, Mountaga Kouyaté e eu, também havia o Moumoune Koné. Malik Sidibé apareceu depois. Todos fazíamos retratos, mas dizia-se que os meus "cartões" é que eram bonitos. Tinha o carimbo Photo KEITA que punha em todas as provas.
[...] Em 1949, comprei uma câmara grande formato e comecei a usar negativos 13 x 18. As provas eram do mesmo tamanho, foi por isso que preferi o 13x18. Tinha posto nas paredes do estúdio muitos modelos e amostras das fotografias que fazia: homens e mulheres em retratos de busto, sozinhos ou aos pares e até mesmo em grupos de seis; em pé, sozinhos, em grupos, em família... Os clientes diziam-me: «Quero ser fotografado assim, estás a ver? queria assim.» E eu fazia assim. Mas às vezes não dizia nada bem com eles. Propunha-lhes outra posição, que ficava melhor, e então realmente resolvia qual era a melhor posição, e não me enganava. Vinham muitos clientes, mas era ao sábado que o negócio era melhor: às vezes vinham mais de cem pessoas. Às vezes até faziam fila. Gente com dinheiro, sobretudo funcionários e comerciantes. Até o nosso primeiro presidente da República lá foi. Fazia as provas durante a noite e o acabamento no dia seguinte de manhã, mesmo antes de os clientes virem buscar as fotografias."
[...] Com a 13 x 18, o meu primeiro fundo foi a coberta da cama. Depois mudava de fundo de dois em dois anos; é assim que agora consigo datar os meus negativos. Às vezes o fundo ficava bem com a roupa, sobretudo no caso das mulheres. Mas era por acaso.
[...] Nessa altura, a cultura dos antepassados começava a desaparecer: a gente da cidade punha-se a vestir à europeia, eram muito influenciados pela França. Mas nem toda a gente se podia vestir assim. No estúdio, tinha três fatos europeus diferentes, com gravata, camisa, sapatos, chapéu... tudo. E também adereços: canetas, flores de plástico, aparelhos de rádio, telefone, que punha à disposição dos clientes.
[...] Quanto às mulheres, o trajo nessa altura ainda não tinha mudado. As roupas ocidentais, como a saia, só apareceram no final dos anos Sessenta. As mulheres traziam saias compridas. Então eu punha-as em posição e depois ajeitava o vestido. Era preciso, custasse o que custasse, que os penteados ficassem bem na fotografia. As mãos, os dedos compridos, finos, as jóias... tinham muita importância; as mulhers eram muito sensíveis a isso. Era um sinal de riqueza, de elegância, de beleza.
[...] Nunca vi nem conheci fotógrafos estrangeiros: eu nunca saía. Também não conhecia as fotografias deles. Aqui não se encontrava nenhuma revista francesa, nem americana. A única coisa que se conseguia encontrar era o catálogo da Manufrance.
[...] Tanto trabalhava com luz natural como com luz artificial. Os clientes preferiam as "fotografias de noite", que eram mais pálidas, mas eu preferia a luz natural.
[...] Os clientes gostavam muito das minhas fotografias por serem nítidas, precisas, porque a luz era bonita e também porque a encenação lhes agradava. Sei isso muito bem. As minhas fotografias eram mesmo boas.
[...] Quando olho para as minhas fotografias, hoje, vejo que não mudaram nada, nem mudaram de cor. Trabalhei sempre com a mesma câmara até ao fim, em 1977.
[...] Conservei os negativos: estão lá todos, os clientes podiam encomendar outras provas. Os clientes nunca reclamaram; se não fosse assim, nunca mais teriam voltado ao estúdio.
[...] Se tu gostas das minhas fotografias, lá deves saber porquê. Sei que há muitas das minhas fotografias que são boas, e é por isso que gostas do meu trabalho.
[...] Deixei de fazer fotografias
quando a cor começou a fazer sucesso. Agora agrada muito,
mas são as máquinas que fazem o trabalho. Hoje
há muita gente que se diz fotógrafo, mas também
há muitos que não sabem nada de nada".
Declarações recolhidas por André Magnin,
Bamako, Agosto de 1994
* Pierre Garnier tinha uma loja de artigos fotográficos, em
Bamako.
Cortesia Fondation Cartier pour l'Art Contemporain
Fotografias de Fazal Sheikh
Galeria Bar de Santa Clara, Rua António Augusto Gonçalves, 67
Horário: 14.00-02.00
Entrada Livre
"A minha primeira viagem ao campo de refugiados sudaneses na fronteira norte do Quénia com o Sudão, em Junho de 1992, foi num voo da United Nations High Commission for Refugees (UNHCR) que partiu de Nairobi. Embora já fosse há quatro anos, a viagem ainda está muito viva na minha memória e determinou a forma como, desde então, documentei as comunidades de refugiados em A´frica.
Éramos dez no avião: colaboradores, dois jornalistas e um operador de câmara. Antes de embarcar, recebemos informação sobre o que íamos ver. No ambiente freco e confortável de Nairobi era difícil imaginar o terreno duro e remoto do deserto do norte. O responsável das Nações Unidas falou dos cerca de 25.000 refugiados do campo, num tom reservado. Hesitou sobretudo em relação aos "factos" respeitantes aos "Menores desacompanhados".
Estes "Menores desacompanhados" constituíam um grupo de cerca de 12.000 rapazes, entre os oito e os dezoito anos, que tinham sido levados do sul do Sudão para a vizinha Etiópia, para serem "ensinados". Acontece que os rapazes tinham sido raptados por membros do Exército de Libertação do Povo Sudanês (SPLA) e levados para a Etiópia onde recebiam treino militar e eram depois mandados para a guerra contra o governo sudanês, de maioria islâmica. Com a queda do governo etíope em 1991, , os sudaneses foram obrigados a regressar ao sul do Sudão, a pé. Quando as forças governamentais sudanesas venceram o SPLA na batalha pela cidade de Kapoeta, no sul do país, os rapazes fugiram, mais uma vez a pé, para o norte do Quénia. O porta-voz das Nações Unidas insinuou que havia manipulação dos "alunos" pelos "professores". Deixas como "manipulação", "orfão", "Menor Desacompanhado", "treino" e "sofrimento" bailavam-me no espírito quando embarquei para norte.
Logo que aterrámos na península arenosa de Lokichoggio, os jornalistas começaram a trabalhar. As histórias deles tinham que ficar prontas em poucas horas, quando, à tarde, regressassem a Nairobi. À medida que os via trabalhar, durante o dia, notei que eram atraídos para as zonas que o porta-voz tinha sugerido poderem fornecer a melhor cobertura. Eu tinha conseguido ficar no campo vários dias e não tinha pressa de começar a trabalhar.
Alguns dias depois de chegar, sentado no campo, pensava no primeiro dia e nas minhas impressões iniciais àcerca do campo, dos seus residentes, do meu papel ali. Compreendi que as minhas primeiras ideias àcerca dos rapazes e da sua condição tinham sido muito influenciadas pelas informações da UNHCR. Lembrei-me de ver os jornalistas a trabalhar e de experimentar um sentimento de mal-estar, uma incapacidade de fazer o mesmo e tirar as fotografias previsíveis. Agora, andava pela aldeia e pelo campo, tentando compreender o furacão em que estava envolvido.
Tinha já vindo a esta região de A´frica várias vezes para visitar a minha família em Nairobi. Nessas alturas, maravilhava-me com a quietude desolada do deserto e a forma como isso evocava uma curiosa sensação de calma e conforto moral, misturado com uma ponta de agouro. Lembrei-me desses tempos e revisitei algumas lojas onde tinha ido há anos, tentando reencontrar uma ligação com o lugar que dantes tinha conhecido.
À medida que os dias passavam, e ia integrando as minhas
experiências anteriores deste lugar com as de agora, os
preconceitos que me tinham impingido nas instruções
iniciais e o choque do primeiro encontro começaram a
desvanecer-se, deixando que se instalasse um sentimento mais profundo
em relação aos refugiados e à sua
situação. Foi então que comecei a pedir ao
conselho dos anciãos e aos refugiados que colaborassem comigo na
realização das imagens.
Fazal Sheikh
Cortesia: Pace MacGill gallery
Instalação de Alfredo Jaar
Edifício das Caldeiras, Rua Padre António Vieira
Horário: 14.00-19.00
Sábado/Domingo: 10.00-12.30, 14.00-19.00
Entrada livre
Posto de venda de livros
genocídio: actos cometidos para destruir no todo ou em parte um grupo nacional, étnico, racial ou religioso.
"Se o genocídio é uma possibilidade real do
futuro, então ninguém no mundo se pode sentir
razoavelmente seguro de que a sua existência tenha continuidade,
sem a ajuda e protecção da lei internacional."
Hannah Arendt
No dia 6 de Abril de 1994, o avião que transportava o presidente do Ruanda Juvenal Habyarimana foi abatido sobre Kigali, capital do Ruanda. O que se passou, nas dez semanas seguintes, foi um genocídio. Calcula-se que pelo menos um milhão de pessoas foram mortas. Outros dois milhões procuraram refúgio no Zaire, Burundi, Tanzânia e Uganda. Cerca de outros dois milhões de pessoas foram deslocados dentro do Ruanda.
O mundo fingiu ignorar o assassínio sistemático. De facto, a primeira reacção das Nações Unidas aos massacres foi aprovar a Resolução 912 em 21 de Abril, reduzindo o efectivo militar das Nações Unidas de 2.500 para 270. Quando os paraquedistas franceses e belgas foram enviados, foi apenas para garantirem a evacuação pacífica dos estrangeiros.
A principal razão que levou a comunidade internacional a não intervir a tempo foi a relutância dos europeus e dos americanos em assumirem um compromisso substancial numa área sem importância estratégica.
A atenção dos meios de
comunicação foi finalmente despertada pelo êxodo
maciço para os campos de refugiados. Evitando, por
conveniência, falar de genocídio, a comunidade mundial
prometeu reagir perante o desastre humanitário nos campos.
A cólera e a desinteria fizeram dezenas de milhar de
vítimas, mas este número foi apenas uma fracção
do milhão de mortos que se calcula terem resultado do
genocídio".
Alfredo Jaar
As imagens têm uma excepcional religião. Enterram a história. Vicenç Altaió
Cortesia: Alfredo Jaar
Fotografias de Shanta Rao
Torre d'Anto, Rua de Sub-Ripas
Horário: 14.00-19.00
Sábado/Domingo: 10.00-12.30, 15.00-18.30
Encerra à
Segunda-feira
Entrada livre
De onde vêm estas imagens tão íntimas, tão familiares? Mauritânia do Sul, Kaedi junto ao rio Senegal, Etiópia, Addis-Abeba e seus arredores... As fotografias de Shanta Rao não se deixam esgotar nas categorias da geografia de viagem. Os seus retratos de mulheres não são "documentos" a arquivar num catálogo exploratório do insólito e do exotismo ocidental.
Não nos enganemos: não há estrangeiras nas fotografias de Shanta Rao. Mais do que o objecto fugidio de um encontro ao acaso, o que contemplamos é a intensidade de uma presença que podemos guardar. Os retratos têm a qualidade que Roland Barthes considerava essencial na paisagem fotográfica: são "habitáveis" e não apenas "visitáveis".
Se a fotografia não é o veículo de um compromisso ou de um testemunho documental, é porque ela é antes de mais uma prática social que se introduz no cerne da relação entre o fotógrafo e os seus modelos, perturbando literalmente a situação daquele que observa a imagem. A natureza desta relação e desta perturbação é essencialmente erótica. Porque o erotismo não se resolve numa cumplicidade com a carne e com o sexo, mas na consciência e na afirmação de um sedutor afastamento que é necessário eliminar.
Por isso, a experiência física e emocional do olhar é muitas vezes conduzida por um movimento que vai da superfície à profundidade, do nítido ao vago, do visível ao indistinto. Uma mão ou umas pernas sob um tecido em contre-plongée, conduzem o olhar até ao rosto, para lá do limite em que as aparências se começam a dissolver. Ao contrário destas perspectivas de fuga, os contra-luz muito violentos situam-nos num espaço vazio e sombrio, donde se observam entradas e saídas para a claridade. Esta retórica da transposição exalta o poder de fascínio das imagens. Shanta Rao anula a distância, ou melhor, faz-nos percorrê-la num arrepio de esbatidos ou pelo choque da luz. A irredutível sensualidade da sua fotografia manifesta-se também no movimento dos drapeados, no peso e na riqueza ornamental dos tecidos, no grão das matérias que retêm a forma no seu deslizar suave.
Entra-se assim numa experiência da representação, em que nada é possível fora do respeito de um consentimento, fora de uma dádiva recíproca. A manifestação deste acordo, onde cada um se apresenta como objecto de uma revelação, tem a raridade e a fragilidade de uma graça. Adivinha-se a compreensão e a paciência que ela supõe. Shanta Rao constrói o seu trabalho na procura de um fantasma de domínio do tema fotografado. É por isso que as imagens espantosamente calmas dessas mulheres na sua vida quotidiana, o bosquejo dos seus gestos, desses "pequenos nadas" muito aquém do anedóctico, nos parecem tão preciosos; não resultam da violência de um olhar exterior que julga mas da espera da conjunção do desejo. Ora, como se sabe, o desejo não tem valor de uso.
A jovem que ajeita o penteado, mirando-se num pedaço de espelho quebrado que segura na mão, a mulher em contra-luz que afasta um cortinado transparente para entrar em casa, ou aquela outra que, sorrindo, olha da cama para o marido deitado no chão à hora da sesta, ostentam um desapego, uma desenvoltura aristocrática em relação à objectiva. Parecem infinitamente disponíveis, quase indiferentes. Enuncia-se aqui uma erótica do sujeito que se sabe olhado, que o deseja e faz de conta que não se apercebe disso. O natural nunca se confunde com a inocência. É por vezes o fotógrafo que faz de conta que rouba o que lhe é oferecido, colocando-se no umbral de uma porta ou no entreabrir de uma cortina, cuja presença afirma o primeiro plano e contrói o espaço da representação. Este simulacro, verdadeiramente teatral, põe a nu a nossa curiosidade e faz vacilar o olhar no mais profundo de nós mesmos. Deixamos de ser testemunhas, passamos a ser os voyeurs de um jogo em que olhamos e somos olhados. Espelhos e reflexos, frequentemente inscritos na composição, denunciam a ambiguidade dos papéis.
Shanta Rao lembra-nos que a reportagem fotográfica pode construir-se com tacto e inteligência moral do tema. Como uma verdadeira retratista, situa-se muito perto do mito, da sua simplicidade e do seu imaginário universal, que obriga cada um a regressar à sua experiência interior, a esse lugar onde o erotismo surge, onde nascem e desaparecem as imagens.
Olivier Lebée
Cortesia: Galeria Nathalie Emprin
Fotografias de Keiichi Tahara
Prisões Académicas - Biblioteca Joanina, Palácio
dos Grilos
Horário: 14.00-17.30
Sábado/Domingo: 10.00-12.00, 14.00-17.30
Ingresso: 500$00
[...] "A arqueologia apaixona-me porque é uma outra maneira de fazer reviver traços desaparecidos na escuridão da terra. Creio, como os antigos egícios, que a matéria se enriquece pela luz, e que a luz se sobrepõe na matéria por estratos. [...] O facto de fotografar estátuas antigas permite perpetuar o tempo, conferir uma nova vida. Morrer não é pouco e é nada, e no entanto tenho consciência do caos que fará com que tudo regresse ao nada. Vivemos um curto instante de luz entre dois caos.
[...] E quero ajudar a ver
de novo. Tudo existe já, eu quereria acrescentar algo,
traduzir o que sinto do passado: a fotografia é o meu
utensílio, da mesma forma que outros usam a pintura ou a
escultura. [...] Depois do papel, procurei imprimir as minhas
fotografias sobre outros suportes. Para mim, a fotografia é
um rasto de luz; descobri uma forma de imprimir em blocos de vidro.
Num bloco de vidro há sempre um reflexo, até mesmo
o espectador se reflecte na imagem. O vidro é a luz e a
transparência, seguiram-se-lhe o metal e a pedra. O metal
é o reflexo e o vazio como a prata. A pedra é mais
profunda. Não reflecte a luz, capta-a, guarda-a. A luz
estratifica-se na pedra que conserva a sua energia, a sua
memória. Evoca o tempo uma vez que nasceu - sobretudo a
pedra calcárea fossilizada - da acumulação
milenária da matéria.
E, sobre esta, imprimo uma nova
marca, que se vai conservar ou ter o mesmo futuro que os frescos que
desaparecem no filme de Fellini, "Roma". É também
nisso que sinto a utilidade da fotografia, no fazer ver de novo antes do
desaparecimento, como o arqueólogo que fotografa e regista cada
uma das suas descobertas.
[...] Gosto também do contacto, da
maleabilidade e da dureza do ouro, do seu peso e evanescência.
Gosto da solidão do ouro, que se opõe ao vazio da prata.
Associei-o às impressões em pedra consagradas ao Egipto,
como raios de sol. Também tenho feito pesquisas com água,
interessa-me igualmente a areia, a madeira, o tecido e o betão. As
impressões sobre tecido evocam em mim a imagem do sudário
de Turim.
[...] É sem dúvida a minha
educação sintoísta que me faz pensar que fotografar
é uma forma de rezar. Para mim, o gesto de unir as mãos em
sinal de oração é também o de captar a luz,
que nasceu do nada e confere vida. Paradoxalmente penso que o negro
é a luz, é neste fundo de obscuridade que tudo
começa.
Keiichi Tahara
Cortesia: Galerie Baudoin Lebon
Sala de S.Pedro, Biblioteca Geral da Universidade, Palácio
dos Grilos
Horário: 14.00-17.30
Sábado/Domingo: 10.00-12.00, 14.00-17.30
Entrada Livre
Rudolf Lehnert e Ernst Landrok eram dois amigos que, quando faziam o tradicional Grand Tour, decidiram abrir um estúdio fotográfico em Tunis, em 1904. Tiveram tanto sucesso no negócio que, em 1919, fundaram em Leipzig o Orient Kunst Verlag. Em 1922 Lehnert viajou pelo Médio Oriente com um assistente e em 1924 abriu, com Landrok, um estúdio no Cairo. A sociedade foi dissolvida em 1927, quando Lehnert deixou o Cairo e abriu um estúdio novo em Tunis.
Muito influenciados pelos motivos românticos e pela literatura, conseguiram encontrar nas cidades imperiais de Marrocos, no velho Cairo ou nos desertos circunvizinhos, o "divino" Oriente dos seus sonhos. Funâmbulos do pitoresco e do sublime, especializaram-se nas paisagens do Sahara e nas fantasias arábicas, nas fotografias dos majestosos vestígios das culturas antigas e em exóticos nús artísticos.
Cortesia: Nicolas Monti
Fotografias de: Dieter Appelt, Anna e Bernard Blume, Thomas Florschuetz, Jürgen Klauke, Astrid Klein, Sigmar Polke, Klaus Rinke, Katharina Sieverding
Edífício Chiado, rua Ferreira Borges
Horário: 14.00-19.00
Sábado/Domingo: 10.00-12.30, 15.00-18.30
Encerra à Segunda-feira
Entrada Livre
Posto de venda de livros
Qual é, actualmente, o panorama da arte fotográfica na Alemanha? Para responder a esta pergunta seria necessária uma exposição global de todo o panorama da arte, já que a Fotoarte não se pode isolar dos restantes domínios artísticos. Uma vez que esta exposição pretendia apresentar grupos fechados de obras com pontos de partida e posições distintas, foi necessário restringir-se a uma selecção da obra de alguns - poucos - artistas que ao longo de muitos anos - a maioria há já várias décadas - utilizaram a fotografia como medium central do seu trabalho artístico ou juntamente com outras formas de expressão: pintura, artes gráficas performance, conferindo-lhe o mesmo valor. Não pode fixar-se um ponto de partida comum para as suas concepções, já que são demasiado diferentes os princípios de um Klaus Rinke e de um Thomas Florschuetz, de uma Katharina Sieverding e de uma Astrid Klein. Encontramos aqui artistas do leste e de oeste, da Renânia e de Berlim, alguns vindos da performance e outros que trabalham a imagem com a complexidade do processo fotográfico. Uns pensam em termos de sucessões de imagens, outros em painéis de imagens compostas em rígidas inter-relações; uns preferem os formatos extremamente grandes, outros formatos médios, subtis, com todos os tons de cinzento técnicamente possíveis no preto e branco, e alguns utilizam nos seus trabalhos o desfocado e os cortes explícitos.
Apesar de todas estas diferenças, talvez os una o conceito de "criar imagens", o conceito da fotografia como "quadro" com todas as suas qualidades, tanto formais como estéticas, como nas exigências do conteúdo. O que também se poderia compreender como uma "fome de quadros", para utilizar a justa expressão de Wolfgang Max Faust e Gerd de Vries em 1982, no pressagioso título do seu livros sobre a jovem pintura expressiva do início dos anos 80.
Já se observa uma consciente "condição de quadro" nas subtis primeiras fotografias a preto e branco de Astrid Klein, acertadamente já denominadas "grisaille", e nas novas fotografias em cor de Thomas Florschuetz, que se aproximam da pintura monocromática. "A Alemanha faz-se mais alemã", com o autoretrato torturado de Katharina Sieverding, converteu-se em quadro; a artista utiliza a força sugestiva da publicidade, modificando o seu significado. Jürgen Klauke concebeu, nos anos 70/80, séries de fotos encenadas formando painéis de quadros compactos e, actualmente, trabalha em grandes formatos com delicadas composições de películas de raios X. Os valores de tons altamente diferenciados dos trabalhos fotográficos de Dieter Appelt estão muito próximos das possibilidades da expressão gráfica. Anna e Bernard Blume retomam, nas suas diminutas colagens de polaroids, elementos de quadros cubistas. Os quadros de Klaus Rinke, um pioneiro da foto-performance, por um lado reflectem performances e, ao mesmo tempo, são painéis de imagens mais ou menos construtivistas, montadas com rigidez, contráriamente aos trabalhos de Sigmar Polke aparentemente surgidos do acaso; a série de imagens "Marie's" tematiza precisamente a unidade do quadro a óleo e a imagem fotográfica. Polke é um dos pintores importantes da sua geração, interessante tanto na arte fotográfica como na cinematográfica.
As imagens são geradas na imaginação, os quadros produzem imagens, os quadros realizam-se através da transformação da realidade, através da intervenção do artista. A fotografia cria imagens novas, realizáveis apenas graças à sua técnica. O artista utiliza as possibilidades da fotografia como se de uma paleta se tratasse: modificações de formato, combinações de imagens, em parte assemelhando-se aos dípticos e retábulos dos altares, colagens, processos químicos e matizes subtilíssimos de tonalidades de cor, estratégias publicitárias da comunicação de massas, etc.
Cortesia: Goethe Institut
Fotografias de Alexandre Oliveira, Ângela Camila, Gustavo Vicente, Isabel Corte Real, Joaquim Dâmaso, Paulo Pascoal, Pedro Mora, Ricardo Martins, Rita Carvalho, Rodrigo Cardoso, Virgílio Rodrigues.
Instituto da Juventude de Coimbra, R.Pedro Monteiro, 73
Horário: 9.00-12.30, 14.00-17.30
Sábado/Domingo: 14.00-18.00
Entrada Livre
O AR.CO é uma associação cultural e tem o ensino como principal actividade.
Em fotografia, este ensino é distribuído por cinco fases semestrais ou anuais, no máximo de quatro anos de frequência, dois em part-time e dois em full-time, ocupando cerca de duzentos alunos por ano.
A par de uma permanente insistência e investimento nos aspectos práticos e oficinais do trabalho fotográfico, os curriculae dos cursos procuram dar resposta às necessidades de uma formação teórica, criativa e artística.
Os alunos que agora expõem em Coimbra
acabaram o seu segundo ano de frequência no AR.CO.
Manuel Silveira Ramos
É com o maior agrado e interesse que os Encontros de Coimbra abrem as suas portas à participação directa das escolas de fotografia, infelizmente ainda raras em Portugal. A Organização presta, também assim, homenagem a uma escola aberta, donde saíram já muitos fotógrafos que já participaram em anteriores edições do festival.
Cortesia: AR.CO