A Reforma em 1772 da Universidade, desde 1537 definitivamente
instalada na cidade de Coimbra, representa a maior
alteração qualitativa e quantitativa
do panorama da matemática em tão curto
espaço de tempo alguma vez empreendida em Portugal.
Em Dezembro de 1770 é nomeada a Junta da Providência
Literária, que apresenta o seu relatório
em Agosto de 1771 no "Compêndio Histórico
do Estado da Universidade". Aí se observa
que as Ciências em geral e a Matemática
em particular tinham atingido na Universidade um nível
muito baixo, de tal modo que nos 60 anos anteriores
à Reforma a única cadeira de Matemática
de toda a Universidade não tinha tido titular.
Nesse documento a Matemática era considerada
"...sciência importante ao bem comum do
Reino, e Navegação, e ornamento da Universidade."
Não admira assim que, nos Estatutos da Universidade
aprovados em Outubro de 1772 com grande pompa e solenidade
e na presença do Ministro do Rei D. José
I, o Marquês de Pombal, o grande motor de todas
as transformações, sejam criadas duas
novas Faculdades: a de Matemática e a de Filosofia
(Natural). A Matemática é colocada numa
posição muito elevada nesses Estatutos:
"Têm as Mathematicas uma perfeição
tão indisputável entre todos os conhecimentos
naturais, assim na exactidão luminosa do seu
Método, como na sublime e admiravel especulação
das suas doutrinas, que Ellas não somente e
em rigor, ou com propriedade merecem o nome de Sciencias,
mas também são as que tem acreditado
singularmente a força, o engenho, e a sagacidade
do Homem." E são mesmo indicadas penas
para quem diminuir a importância dos estudos
matemáticos: "Todos aquelles, que directa
ou indirectamente apartarem ou dissuadirem a alguem
dos estudos mathematicos; (..) não serão
por mim attendidos em opposição alguma,
que façam às cadeiras das suas respectivas
Faculdades."
Para a nova Faculdade de Matemática são
contratados dois professores italianos e dois portugueses:
estes, de formação essencialmente autodidacta,
merecem menção especial pelos trabalhos
originais que produziram: José Monteiro da Rocha,
que trabalhou em Métodos Numéricos e
Astronomia, e José Anastácio da Cunha,
que escreveu um tratado, "Principios Mathematicos",
onde pretendia fornecer bases rigorosas a toda a Matemática
da época; aí se encontra pela primeira
vez, com um rigor notável, a definição
de série convergente, a definição
da função exponencial a partir da sua
série de potências, e a de diferencial
de uma função. Infelizmente o seu livro,
apesar de ter tido duas edições em língua
francesa, foi pouco lido e não parece ter influenciado
grandemente o desenvolvimento da matemática.
Um dos principais impactos da criação
da Faculdade de Matemática foi na formação
de especialistas em Matemática. Uma das primeiras
pessoas a doutorar-se depois da Reforma de 1772 foi
Frei Alexandre de Gouveia, que viria a ser bispo de
Pequim e aí membro do muito importante Tribunal
da Matemática.
Para se ter uma ideia melhor da amplitude desta formação,
eis o quadro dos doutoramentos em Matemática
na Universidade de Coimbra até ao fim do século
XIX:
Muitos dos doutorados ficaram professores da Faculdade
de Matemática, mas outros tornaram-se professores
das diversas Academias Militares e das Academias Politécnicas
de Lisboa e do Porto. Muitos dos bacharéis e
licenciados chegaram também a professores dessas
escolas, pelo que é de salientar o aspecto multiplicador
que teve a criação da Faculdade de Matemática
em Coimbra.
Infelizmente o impacto não foi tanto quanto o
idealizou o Marquês de Pombal ou Monteiro da
Rocha, redactor dos Estatutos e primeiro Director da
Faculdade de Matemática. Os alunos acorreram
em pouco número, a publicação
de textos de matemática foi muito dificultada
e a instabilidade política não foi propícia;
desde 1807, data do início das Invasões
Francesas, até 1834, data do fim da guerra civil,
toda a actividade científica foi grandemente
reduzida; muitos professores foram forçados
a abandonar o seu lugar, exilados uns, mortos outros,
chegando mesmo a Universidade a estar fechada nos anos
lectivos de 1810-1811, 1828-1829, 1831-1832, 1832-1833
e 1833-1834 (outras instabilidades políticas
posteriores também se reflectiram na funcionamento
da Universidade, tendo estado ainda fechada em 1846-1847,
assim como noutros períodos mais curtos).
A maioria dos trabalhos de Matemática publicados
em Portugal nos fins do século XVIII e princípios
do século XIX devem-se à Academia das
Ciências, fundada em Lisboa em 1799 pelo Duque
de Lafões, tio da Rainha D. Maria I. A Academia
iniciou a publicação das suas Memórias
em 1787, embora só a partir de 1797 começassem
a aparecer os primeiros trabalhos de Matemática,
sendo o primeiro justamente de José Monteiro
da Rocha sobre o problema de Kepler da medição
de pipas e tonéis. Esta Academia teve uma actividade
considerável até sofrer também
o impacto das Invasões Francesas e da Guerra
civil.
Como afirma Luís Woodhouse na conferência
de abertura da Secção de Ciências
Matemáticas do Congresso conjunto das Associações
Portuguesa e Espanhola para o Progresso das Ciências
que se realizou em Coimbra em 1925, "esta quadra
da história dos conhecimentos matemáticos
em Portugal, desde o seu renascimento após a
reforma da Universidade de Coimbra em 1772, até
aos fins do século XVIII e depois nos primeiros
anos do século XIX até que as perturbações
políticas, profundas e constantes, acabaram
por desagregar e dispersar os elementos vitais da sciência
matemática portuguesa, não é de
todo falha de interesse, não é vã
nem estéril, embora seja curta".
Só depois do fim da guerra civil foi possível
avançar com novas Reformas ao nível educativo.
A Universidade e a Academia das Ciências retomaram
a sua actividade, não sem algumas dificuldades.
Apesar da oposição da Universidade, em
1837 foram fundadas as Academias Politécnicas
de Lisboa e do Porto que em 1911 dariam origem às
Faculdades de Ciências das também então
criadas Universidades de Lisboa e do Porto. A Faculdade
de Matemática e a Faculdade de Filosofia da
Reforma Pombalina dariam origem à Faculdade
de Ciências da Universidade de Coimbra. Estavam
assim criadas as condições para um salto
qualitativo do desenvolvimento da matemática
em Portugal, com três escolas portuguesas a formar
matemáticos e de algum modo a competir em brio
entre si.
Esbocemos ainda um breve panorama das publicações
matemáticas em Portugal.
Até meados do século XIX, as principais
publicações de matemática foram
praticamente as das Memórias da Academia das
Ciências. Só a partir de 1857 começaram
a ser obrigatoriamente publicadas na Universidade as
dissertações de doutoramento, onde se
encontram muitos trabalhos de interesse, revelando
que a matemática portuguesa estava a par da
matemática produzida na época.
A investigação científica estava
contemplada nos Estatutos de 1772, onde se preconizava
a criação da "Congregação
geral das sciências para o adiantamento, progresso
e perfeição das sciências naturais".
Contudo tal intenção nunca passou do
papel e os contactos com matemáticos estrangeiros
eram muito limitados. É verdade que em Portugal
eram recebidas as melhores publicações
da Europa culta, mas frequentes vezes matemáticos
portugueses desenvolviam métodos que eram mais
tarde redescobertos por outros, como aconteceu com
Monteiro da Rocha, Anastácio da Cunha, Garção
Stockler, Dantas Pereira ou Daniel da Silva. Só
com o lançamento do Jornal de Sciencias Matematicas
e Astronomicas em 1877, por iniciativa de Francisco
Gomes Teixeira, é que se desenvolveram verdadeiramente
as relações dos matemáticos portugueses
com os seus colegas europeus, dando uma real divulgação
aos trabalhos portugueses, tendo também muitos
artigos de matemáticos estrangeiros sido por
este meio publicados em Portugal.
Os Estatutos de 1772 determinavam que se editassem livros
para cada uma das cadeiras. Foram feitas várias
traduções, mas muito poucos originais
foram produzidos. O professor Luis da Costa e Almeida
propôs mesmo ao Conselho Superior de Instrução
Pública, em 1886, que fosse atribuída
uma "remuneração pecuniária"
aos professores encarregados da composição
dos compêndios, "equivalente ao serviço
de regência da cadeira". Contudo, o primeiro
livro de texto original português que teve real
impacto internacional foi o "Curso de Analyse
Infinitesimal" em três volumes (1887-1892)
de Francisco Gomes Teixeira, que recolheu recensões
extremamente favoráveis no Bulletin des Sciences
Mathématiques e no Bulletin of the American
Mathematical Society. Este livro, que foi adoptado
durante muitos anos na Universidade e na Academia Politécnica
do Porto, introduziu em Portugal muitas noções
de análise avançada, algumas das quais
eram contribuições originais do próprio
Gomes Teixeira.
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