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Um olhar despreocupado
para o firmamento numa noite sem nuvens e longe das luzes
urbanas permite a contemplação de um céu salpicado de
estrelas. Exceptuando alguns parcos exemplos (como as supernovas)
as estrelas parecem-nos testemunhas de um Universo
imutável: estão onde ontem estavam e brilham como ontem
brilhavam. Este aparente "imobilismo cósmico" deve-se, por um lado, à enorme distância que nos separa das estrelas e, por outro às suas idades. Da distância falaremos numa outra oportunidade. No entanto e como exemplo podemos referir que a estrela mais próxima da Terra, depois do Sol, é a Proxima Centauri que se situa a quase 4 000 000 000 000 km. Se por absurdo esta estrela desaparecesse neste preciso momento, teríamos que esperar mais de 3 anos para deixar de vê-la. Este texto constitui, assim, o primeiro de dois cujo objectivo é o de abordar a idade das estrelas e fazer uma curta recensão sobre os métodos que permitem inferir essa idade. Neste primeiro trabalho faremos um breve resumo dos pressupostos teóricos, sem os quais a tarefa de interpretação das observações, que constitui a base de tais métodos, ficaria reduzida a meras especulações.
Uma estrela é um corpo aproximadamente esférico, constituído essencialmente por gás (maioritariamente hidrogénio) e de enormes dimensões: o Sol tem um diâmetro de 1 392 000 km e uma massa igual a 1 990 000 000 000 000 000 000 000 000 000 kg e é considerada uma estrela pequena! Conhecem-se estrelas cujo diâmetro é superior a 100 vezes o respectivo valor solar e outras cuja massa é 60 vezes a massa do Sol. Mas a característica singular, sem a qual não haveria estrela, é o facto destes corpos produzirem, nas suas regiões mais internas, elementos químicos à custa de outros. A transformação de hidrogénio em hélio tem particular importância nesta nossa discussão. Antes de mais, esta é a primeira transformação química que ocorre numa estrela. Além disso, as observações indicam-nos que o Sol, tal como mais de 90% das estrelas do Universo, encontra-se actualmente a realizar essa transformação no seu centro. Diz a teoria da evolução estelar que dentro de alguns milhares de milhões de anos, o hidrogénio central do Sol terminará e então será a vez do hélio ser transformado em carbono e oxigénio. No caso solar alguns milhões de anos mais tarde as transformações químicas terminarão. Para estrelas com uma massa superior elas continuarão, produzindo outros elementos químicos (como o néon e o silício). Em particular, para estrelas com uma massa superior a nove vezes a massa solar a sequência de transformações químicas só termina quando for produzido ferro. A fase seguinte na evolução destas estrelas é a supernova - uma colossal explosão que deixa a estrela reduzida a um corpo de alguns quilómetros que poderá degenerar num buraco negro. Graças a esta explosão, enormes quantidades de elementos químicos como hélio, carbono ou oxigénio são enviados para o espaço podendo vir a fazer parte da formação de nuvens de gás que por sua vez irão dar lugar a novas estrelas.
O Universo, desde a sua formação, encontra-se em permanência neste ciclo de destruição e formação: certos elementos químicos consomem-se formando outros, certas estrelas "desaparecem" permitindo o nascimento de outras. Mas não é nosso propósito alongarmo-nos na descrição da teoria da evolução estelar, no entanto é importante reter que o tempo que uma dada estrela leva a transformar um elemento químico noutro vai condicionar a sua evolução e portanto a sua idade: o reservatório de combustível das estrelas, que são os elementos químicos, não é eterno. Assim, se conseguirmos estimar o tempo que uma estrela leva a realizar estas transformações teremos uma ideia do tempo de evolução estelar. Mas numa primeira aproximação talvez não haja necessidade de estimar individualmente o tempo de cada transformação química. Tal como já foi dito, 90% das estrelas encontram-se a transformar hidrogénio em hélio. Além disso, cálculos teóricos indicam que a estrela passa aproximadamente 90% da sua vida nesta fase. Serão estes dois "90%" uma coincidência ? Na realidade há uma ligação entre estes dois resultados observacional e teórico. Este aspecto será desenvolvido com mais pormenor na próxima edição, quando abordarmos a componente observacional. Seja como for, em boa aproximação, podemos identificar o tempo que a estrela leva a consumir o hidrogénio com o seu tempo total de vida. Mas será que todas as estrelas têm o mesmo tempo total de vida ? A resposta é não! Na realidade este tempo é dependente da massa da estrela. Fazendo uma vez mais apelo a cálculos teóricos podemos saber que uma estrela com uma massa igual a metade do valor da massa do Sol terá um tempo de vida de 51 mil milhões de anos; uma estrela como o Sol poderá viver 10 mil milhões de anos ao passo que uma estrela com uma massa dez vezes superior à do Sol viverá apenas (?) 300 milhões de anos. Estes valores devem ser considerados como aproximados (até porque a composição química inicial de cada estrela e a eventual perda de massa durante a evolução tem influência nestes cálculos) e têm o significado de um tempo de vida máximo que as estrelas de uma dada massa podem ter. Assim, quanto maior for a massa menos anos irá a estrela viver. Este resultado poderá ser compreendido à luz do seguinte argumento: quanto maior é a massa de uma estrela mais rápida é a transformação do hidrogénio em hélio. Uma estrela mais massiva consome-se mais rapidamente que uma estrela de pequena massa. Mas será então que, por exemplo, duas estrelas de mesma massa têm a mesma idade? Não. Têm sim, o mesmo tempo de vida total. Para conhecer o idade de uma dada estrela é necessário uma interacção entre uma teoria, que ser quer geral e aplicável a qualquer estrela, e as observações dessa dada estrela. No que à Astrofísica diz respeito, os resultados teóricos só têm efectivo valor quando são testados pelas observações. Mas sobre das observações e da sua relação com a teoria falaremos na próxima edição. |
João
Fernandes Astrónomo do OAUC Professor do Departamento de Matemática E-mail: jmfernan@mat.uc.pt |