Teresa Costa & Helmuth R. Malonek

Uma iniciativa notável de Costa Lobo 

(Anotações sobre oportunidades que Portugal não aproveitou)

 

 
Francisco Miranda da Costa Lobo é uma figura notável da Astronomia portuguesa do século XX tendo introduzido no País a Física Solar (vd. A Esfera de Costa Lobo neste jornal). Este artigo visa dar a conhecer outro aspecto da sua personalidade multifacetada, a saber, os esforços no sentido da renovação dos estudos matemáticos.
Alguma coisa de similhante se podia ter conseguido para a Universidade de Coimbra, instalada numa encantadora posição, se ainda nos últimos tempos tivesse havido a decisão de adquirir prédios que rodeam os estabelecimentos Universitários, e então, com o Jardim Botânico a entestar com o Penedo da Saüdade, também ainda há pouco livre, a Universidade de Coimbra poderia ufanar-se de possuir uma instalação das mais notáveis pela sua vastidão e beleza. Consolemo-nos com o facto do passado ter feito bastante para nos garantir, a despeito de todas as hesitações presentes, uma situação invejável. 

F. M. da Costa Lobo [Lob, 1924]

Assim escreve Francisco da Costa Lobo na revista O Instituto a propósito da sua participação, como representante do governo português, no VII Congresso da União Matemática Internacional, realizado em Toronto de 11 a 15 de Setembro de 1924.

Nas palavras de Costa Lobo estão patentes, o seu entusiasmo relativamente ao funcionamento da Universidade de Toronto e o seu encanto pela cidade. Mesmo longe do seu país, Coimbra permaneceu na sua memória, o que o levou a estabelecer, comparações entre as duas cidades.

É notável o pormenor com que Costa Lobo descreve alguns aspectos do seu encontro com uma outra realidade que em sua opinião poderia servir de modelo à vida académica de Coimbra. Alguns aspectos, como por exemplo, 

  • o ambiente paisagístico em Toronto
  • a organização e a situação económica da Universidade de Toronto
  • a vida académica e estudantil, incluindo o intercâmbio de estudantes e professores com Universidades de outros países
  • os cursos ministrados na Universidade de Toronto
  • as doutrinas ensinadas no curso de Matemática
  • a distribuição de alunos por faculdades
são abordados pelo autor mesmo antes de aflorar os acontecimentos inerentes ao congresso propriamente dito.

O clima de cordialidade e de convívio entre os congressistas esta presente logo no início do congresso, tal como nos descreve Costa Lobo [ Lob, 1924] :
 
Estava marcada a abertura do Congresso para 11 de Setembro, e foi realmente nesta data que teve logar a sessão inaugural, mas bem pode dizer-se que os trabalhos foram encetados a 26 de Agôsto, quando a bordo do Suffren tomaram logar 40 dos congressistas que foram da Europa, e que, em cordial convivência, entretiveram 9 dias de agradável viagem comentando e discutindo os assuntos scientíficos mais da sua predilecção. E se um dos objectivos mais importantes dos congressos é estabelecer e estreitar relações scientíficas, sem dúvida êste terá sido dos que mais resultado tenham dado, porquanto a viagem a bordo não só cimentou relações scientíficas mas afirmou sinceras amizades. 

Não deixa de ser admirável o ambiente de convívio descrito por Costa Lobo. Entre os congressistas, encontravam-se alguns matemáticos de renome que viriam a ser convidados para sócios correspondentes estrangeiros do Instituto de Coimbra na reunião da Assembleia Geral, que se realizou a 28 de Outubro de 1924.

Entre os convidados encontravam-se vários famosos matemáticos, por exemplo:
 
E. Cartan (Paris) C. Fields (Toronto) R. Fueter (Zurique)
T. Levi-Civita (Roma) S. Pincherle (Bolonha) J. L. Synge (Toronto)
 
W. H. Young (Londres) Mme G. C. H. Young  

Costa Lobo não encarou aqueles convites como mera formalidade mas antes como uma tentativa de aproveitar oportunidades para Portugal, no sentido de abrir a comunidade matemática portuguesa ao exterior.

Restam-nos dúvidas sobre o êxito da iniciativa de Costa Lobo, contudo, e a título de exemplo positivo, citamos o caso de Rudolf Fueter que visitou a Universidade de Coimbra em 1932. 

Aquele matemático suíço, formado em Göttingen e discípulo de David Hilbert, foi em 1910 um dos fundadores da Sociedade Matemática da Suíça. Foi também Reitor da Universidade de Zurique nos anos 1920-1922 e criou, em 1928, a revista Commentarii Mathematici Helvetici.

Na Revista da Faculdade de Ciências pode ler-se uma nota sobre a sua visita ao nosso país que passamos a transcrever (Revista da Faculdade de Ciências, volume II, nº4, [ Fue, 1932] ):
 
Nos primeiros dias de Dezembro a Faculdade de Ciências recebeu, a seu convite, a honrosa visita do Presidente do Congresso Internacional da Matemática, o Senhor R. Fueter. 
O ilustre Professor da Universidade de Zurich quiz deixar assinalada a sua vinda a Coimbra, fazendo no dia 5 de Dezembro na Sala dos Capelos uma interessante exposição sobre os novos campos de estudo da Álgebra Moderna. Dela, amàvelmente, entregou para a nossa Revista o resumo que aqui se publica. 
A Faculdade de Ciências confessa-se muito grata à distinção conferida pelo eminente matemático, que ùnicamente com êsse intuito fez a sua viagem a Portugal.

A exposição de Fueter teve por tema Quelques résultats de l'algèbre moderne e o autor apresenta como referências históricas os trabalhos de Hamilton sobre quaterniões que constituem um dos alicerces da álgebra moderna. 
 
Revista da Faculdade de Ciências da Universidade de Coimbra
volume 2, n.º 4 (1932)

De uma forma não intencional, aquele matemático vem ressuscitar um tema de interesse na Faculdade de Matemática, na década de 80 do século XIX. São disso testemunho os Princípios Elementares do Calculo de Quaterniões, de Augusto d'Arzilla Fonseca [ Fon, 1884] .
 
PRINCIPIOS ELEMENTARES DO CALCULO DE QUATERNIÕES
por
Augusto d'Arzilla Fonseca

Na verdade o trabalho de Fonseca, reconhecido, na época, por Gomes Teixeira, teve o mesmo destino que outras novidades (recordemos o trabalho de Henrique Manuel de Figueiredo sobre Superfícies de Riemann; c.f. [ Gra, 1999] ) que chegaram a Portugal, não tendo sido aproveitado como tema de ensino ou de investigação. Curiosamente, encontramos o tema Quaterniões no currículo do curso de Matemática em Toronto, no ano de 1924, tal como nos relata Costa Lobo. Vale a pena mencionar a importância que os quaterniões viriam a adquirir quer na Física Quântica, quer na criação da Análise de Clifford, sem esquecer a robótica, a engenharia aeroespacial, as questões de realidade virtual, entre outros assuntos.

Rudolf Fueter, considerado o fundador da Análise de Quaterniões, após a sua visita ao nosso país, escreveu um artigo sobre Coimbra [Neue Zürcher Zeitung; 28./29. 12. 1932], onde descreve com grande simpatia alguns aspectos da vida académica e menciona Costa Lobo como o famoso astrónomo de Coimbra. 
 

Sem dúvidas, Costa Lobo era um homem sensível e aberto às criações no seio da Matemática, com o sonho de conferir a Coimbra o reconhecimento internacional naquela área. Contudo, toda a história humana é uma sucessão sem fim de oportunidades bem ou mal aproveitadas, com consequências boas ou menos agradáveis, e neste sentido parece-nos que as ideias daquele professor de Coimbra, na sequência da sua participação no VII Congresso da União Matemática Internacional em Toronto foram, infelizmente, mal aproveitadas...

Bibliografia

  • [Fon, 1884] Fonseca, d’Arzilla: Principios Elementares do Calculo de Quaterniões, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1884 
  • [Fue, 1932] Fueter, R.: Quelques résultats de l’algèbre moderne, Revista da Faculdade de Ciências, vol.II, nº4, Coimbra, 1932, 200 - 207
  • [Gra, 1999] Gray, J., Ortiz, E. L.: On the transmission of Riemann’s Ideas to Portugal, Historia Mathematica, 26 , 1999, 52 - 67 
  • [Lob, 1924] Lobo, C.: Congresso da União Matemática Internacional, em: O Instituto, Boletim do Instituto de Coimbra, Coimbra, 1924, 387- 411
  • URL: http://www-groups.dcs.st-and.ac.uk/~history/index.html 
Teresa Costa 
Escola Secundária de Montejunto
E-mail: Teresa.Costa-751@clix.pt
Helmuth R. Malonek
Departamento de Matemática
Universidade de Aveiro 
E-mail: hrmalon@mat.ua.pt