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A questão da unicidade do mundo terrestre
esteve no coração da revolução astronómica
que se deu no início do século XVII. Foi com o anúncio
por parte de Galileu que, com a sua luneta, teria observado satélites
de Júpiter, que se deu desencadear de um misto de incredibilidade
e de entusiasmo. Desde essa época, a história da Astronomia
foi pontuada por observações espectaculares de novos planetas:
Urano em 1781,
Neptuno em 1846 e
Plutão em 1930.
Não havendo maneira de fugir às evidências da não
existência de vida nesses objectos, os astrónomos começaram
a desinteressar-se pelo assunto, até porque a detecção
destes objectos tão pouco luminosos parecia inacessível aos
instrumentos da altura e outros problemas se punham...
Neste fim de século XX, os meios de observação
voltaram a dar vida a esta questão da existência de «novos
mundos». Os anúncios de novas descobertas precipitam-se. Já
há várias dezenas de objectos em volta de estrelas próximas:
alguns são planetas telúricos, parecidos com a Terra, outros
são planetas gigantes, parecidos com Júpiter, e os últimos
anãs castanhas, astros intermédios entre estrelas e planetas.
Planetas, anãs castanhas e estrelas
No sistema solar, existem dois tipos de planetas: os pequenos planetas
ou planetas telúricos, próximos do sol, pequenos e rochosos
(Mercúrio, Vénus, Terra e Marte), e os planetas gigantes,
mais longínquos, grandes e menos densos, essencialmente gasosos
(Júpiter, Saturno, Urano e Neptuno). Os astrofísicos calcularam
que os planetas não se podem engrossar indefinidamente, provavelmente
além de 12 ou 13 vezes a massa de Júpiter, quinto planeta
do nosso sistema solar, 318 vezes mais maciço que a Terra. Entre
este limite e até às 70 ou 80 vezes a massa de Júpiter,
encontramos uma categoria particular dos objectos: as anãs
castanhas. Elas têm o brilho das mais pequenas estrelas e
a corpulência dos maiores planetas mas, dum ponto de vista físico
elas não são um nem outro. Para lá das anãs
castanhas situam-se as estrelas. Estas últimas têm todas uma
massa superior a 70-80 vezes a massa de Júpiter, isto é aproximadamente
0,07-0,08 vezes a massa do Sol.
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Júpiter - o maior
planeta do sistema solar |
Resenha histórica
A busca de planetas extra-solares começou no início dos anos
oitenta. Um telescópio estacionado num satélite observou
várias estrelas que nada tinham a ver umas com as outras. Uma delas,
b-Pictoris, concentrou
logo as atenções. Pouco a pouco, os astrónomos adquiriram
uma convicção : o vasto disco de gás e de poeira que
contorna esta estrela abriga um planeta gigante de formação
recente.
Um tal disco constitui ele próprio um prelúdio indispensável
à génese de um planeta seja qual for o sistema estelar? Elaborada
no século XVIII a partir do sistema solar, a teoria da nebulosa
primitiva afirma-o. Os detalhes do cenário ficam ainda por precisar.
As primeiras observações suscitam um leque de questões
e lançam a dúvida sobre a exemplaridade do nosso sistema
solar. Será que se deve questioná-la?
Em todo o caso, os planetas gigantes extra-solares detectados rodam
em torno das suas respectivas estrelas em órbitas que, para a maioria
dos astrónomos, de qualquer maneira são inesperadas.
Quanto aos planetas telúricos identificados, eles acompanham
os pulsares, isto é, os objectos gerados por explosão duma
estrela em supernova. Como é fácil de perceber surgiu por
isto um enigma que ainda hoje espera resolução: como sobreviveram
eles a um acontecimento deste tipo, serão eles formados após
a explosão e por que mecanismos? A procura de astros relativamente
escuros dissipou, por outro lado, uma dúvida. Em Dezembro de 1995,
os astrónomos identificaram sem a menor ambiguidade o primeiro espécimen
estelar que ao longo dos tempos permaneceu no domínio das especulações:
as anãs castanhas. No entanto, as temperaturas reinantes à
superfície destas estrelas abortadas são muito elevadas para
que se possa imaginar um desenvolvimento biológico.
Para dizer a verdade nenhum dos planetas detectados hoje em dia oferece
um quadro muito hospitaleiro. Mas a aventura só agora começou.
As técnicas de observação contribuem hoje em dia para
que a identificação de planetas extra-solares sejam banais.
As chances de determinar a posição de um planeta telúrico
que não esteja nem muito perto, nem muito longe da sua estrela,
têm vindo a aumentar...
Métodos de detecção de "outros
mundos"
Neste capítulo estão incluídos os métodos que,
hoje em dia, estão à disposição dos astrónomos.
Existem cinco aproximações aos métodos utilizados:
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imagens directas,
-
perturbações gravitacionais,
-
ocultação,
-
lentes gravitacionais,
-
campo magnético.
O método utilizado para o caso da 51-Pegasi
refere-se à segunda aproximação. Por conseguinte,
irei fazer apenas uma pequena abordagem aos outros métodos, cingindo-me
em seguida e mais profundamente ao método utilizado por Mayor e
Queloz no caso da 51-Pegasi.
Na primeira aproximação (imagens directas) temos o método
das imagens directas que não é mais do que o método
mais natural: se queremos ver alguma coisa vamos tentar... vê-la.
Este tem três desvantagens. Primeiro, os planetas não têm
brilho próprio, segundo, a luz que atravessa o sistema óptico
do telescópio sofre um fenómeno de difracção
que altera a imagem das estrelas, e por último, a nossa atmosfera
degrada as imagens. No entanto, com o recurso a telescópios estacionados
em plataformas espaciais, é possível hoje em dia obter imagens
que podem levar mais facilmente à descoberta de novos planetas.
Em 1998, o famosíssimo Hubble deu a imagem do que poderá
ser um novo planeta extra-solar :
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Fonte: NASA |
A terceira aproximação (ocultação) consiste
em observar a ocultação (parcial) da estrela atrás
do planeta. Com efeito se um planeta se interpuser sobre a linha de visada
da estrela em torno da qual ele roda, então a estrela perderá
um pouco do seu brilho, o tempo de ocultação.
A quarta aproximação (lentes gravitacionais) baseia-se
no seguinte princípio: se a luz emitida por uma estrela longínqua
passa nas proximidades dum objecto maciço (um planeta por exemplo)
os raios luminosos são desviados. A luminosidade da estrela encontra-se
então brevemente ampliada. Esse efeito de amplificação
gravitacional é tanto mais marcada quanto a massa do objecto sombra,
chamado lente, for maior e quanto mais longínquo ele estiver. Um
factor de ampliação de 10 a 100 pode deste modo ser observada
nos casos mais favoráveis.
A quinta aproximação (campo magnético) consiste
em detectar planetas a partir da procura de ondas decamétricas (ondas
rádio no domínio de comprimento de onda decamétrico).
Esta tem a ver com a detecção de ondas rádio provenientes
do campo magnético de origem interna dos planetas, se o possuírem.
A segunda aproximação (perturbações gravitacionais)
consiste em descobrir as perturbações da trajectória
duma estrela sob o efeito do campo de gravidade produzido pelo planeta.
Com efeito, uma estrela acompanhada dum planeta descreve em torno do centro
de gravidade do par estrela-planeta uma trajectória quase circular
onde o raio é proporcional em relação às massas
dos dois objectos (quanto maior a massa do planeta, maior a amplitude do
movimento aparente da estrela). Logo, podemos procurar a presença
dum planeta tentando perceber as oscilações da estrela em
torno do centro de gravidade. Para isso dispomos de três métodos:
-
Tentar por em evidência a variação
de posição. Procurar as variações de velocidade
da estrela analisando o seu espectro. Quando a estrela se aproxima de nós,
os fotões que ela imite tendem para comprimentos de onda curtos
(azul); quando ela se afasta tendem para comprimentos de onda longos (vermelho).
-
Medir a distância da estrela ao observador.
Se os sinais que ela emite chegam periodicamente com adiantados ou retardados,
isso indica que a distância à estrela variou. Este método
é particularmente adaptado ao caso dos pulsares.
-
Método das velocidades radiais. Este
foi o método utilizado no caso da 51-Pegasi, e vai ser desenvolvido
em seguida.
Método das velocidades radiais
Neste caso procuramos a modulação da velocidade da estrela
(efeito de Doppler). Esta informação está, com efeito,
inscrita no espectro da estrela. Quando esta se aproxima do observador,
os seus raios espectrais encontram-se deslocados para comprimentos de onda
curtos, o comprimento de onda tende para o azul tanto mais que a sua velocidade
é elevada e portanto o planeta tem maior massa. Quando, ao contrário,
ela se afasta de nós, é porque houve lugar a um semi-período
de revolução mais tarde, os raios são «avermelhados».
A título de ilustração, a velocidade do Sol induzida
unicamente pela presença de Júpiter será de 13 ms-1.
No caso do par Terra-Sol, essa velocidade seria reduzida a 10 cms-1!
A melhor precisão que sabemos conseguir com os nossos instrumentos
é da ordem de alguns metros por segundo... Estamos portanto mesmo
no limite de podermos apenas detectar planetas com pelo menos a massa de
Júpiter por este método.
Um grande inconveniente surge. Da análise espectral, nós
não deduzimos directamente a massa M do planeta, mas sim
o produto da massa M pelo seno do ângulo de inclinação
(i) do sistema estrela-planeta em relação ao ângulo
de visada (seja a quantidade M ´
sin i). Daqui tiramos um limite inferior para a massa do planeta
(ou da anã castanha). Assim, para a correcta identificação
do tipo de corpo celeste presente, esta massa deverá ser precisada,
seja aplicando conjuntamente uma outra aproximação (das já
referidas), seja a partir de considerações físicas
mais ou menos ad hoc sobre o sistema planetário observado.
O caso 51-Pegasi
Foi com este método (velocidades radiais) que Michel Mayor e Didier
Queloz descobriram um planeta gigante (51-PegasiB) em torno da estrela
51-Pegasi, em Setembro de 1995, após um seguimento sistemático
e em tempo real das velocidades de uma centena de estrelas a partir do
Observatório de Haute-Provence, em França. Este planeta está
afastado apenas oito milhões de quilómetros ( por exemplo,
o planeta mais próximo do Sol, Mercúrio, gravita a sessenta
milhões de quilómetros), da sua estrela do tipo do Sol, a
51-Pegasi. A 51-PegB tem uma massa mínima de 0.5MJ
(massa de Júpiter ou seja 1.9´
1030 g). A muito pequena distância entre este companheiro
e a 51Peg não está prevista nos modelos correntes sobre formação
de planetas gigantes. Como a temperatura é superior a 1,300 K, este
objecto parece estar perigosamente perto do limite de evaporação
térmica de Jeans!
Na figura 1, pode-se facilmente constatar a variação da
velocidade radial da 51 Peg que permitiu a Mayor e Queloz comprovar a presença
de um corpo a orbitar em torno desta estrela.
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Variação da velocidade
radial, onde a linha sólida representa o movimento orbital da 51
Peg. |
Dos parâmetros da solução da órbita da 51
Peg tiram-se algumas considerações. Um período orbital
de 4.23 dias é um pouco curto, mas binários de período
curto não são excepção entre estrelas do tipo
do Sol. Apesar deste período orbital não surpreender em estrelas
binárias, ele é intrigante quando consideramos a massa obtida
do acompanhante:
M2 sin i =0.47±
0.02 MJ
onde i é o (desconhecido) ângulo de inclinação
da órbita e MJ é a massa de Júpiter
(1.9´ 1030g).
Características da estrela 51-Pegasi
51 Peg (HR8729,HD217014 ou Gliese 882) é uma estrela muito semelhante
ao Sol , localizada 13.7 parsec (ou 45 anos luz) afastada. Análises
fotométricas e espectrópicas indicam uma estrela ligeiramente
mais velha que o Sol, com uma temperatura à superfície similar
(Sol : 5,780 K ; 51Peg : 5,775 K), com um raio R de 1.29 RSol
(RSol=6.96´ 105
km) e ligeira superabundância de elementos pesados. A idade estimada,
derivada da sua luminosidade e temperatura à superfície,
é típica duma estrela de disco galáctica velha. A
superabundância de elementos pesados numa estrela destas é
digna de nota. Mas isto não é certamente uma peculiaridade
vendo a dispersão observada nas propriedades metálicas estelares
a uma dada idade.
Limite superior para a massa
Como referido anteriormente, este método não permite deduzir
directamente a massa do planeta M2, mas sim M2
sin i. Foi então necessário recorrer a métodos
complementares (exemplo actividade cromosférica) para deduzir um
limite inferior de 0.4 para sin i. Isto corresponde a um ângulo
de inclinação i de 23º 34´ e um limite
superior para a massa do planeta de 1.2 MJ. mesmo que
se considere um desalinhamento tão grande como 10º, a massa
do acompanhante tem de ser mesmo assim 2MJ, bem abaixo
da massa das anãs castanhas, o que põe de parte esta hipótese.
Conclusões
Este método não permite a descoberta de um planeta como a
Terra já que está limitado à descoberta de planetas
com, no mínimo, a massa de Júpiter. Isto porque os espectógrafos
estão limitados na sua precisão aos 15 ms-1 e
o movimento reflexo do Sol induzido unicamente por Júpiter é
13 ms-1 (convém não esquecer que Júpiter
é o maior planeta do sistema solar, logo o que mais influencia este
movimento do Sol). Outra limitação deste método é
a de não permitir ao cálculo directo da massa do objecto
detectado, passo essencial para a acreditação das observações
e identificação dos objectos em causa. Assim, só com
uma evolução destes instrumentos, um dia se poderá
descobrir com este método planetas telúricos, como a Terra,
para lá do nosso sistema solar e que apresentem condições
favoráveis à formação de vida. Os planetas
gigantes detectados com este método, são de uma maneira geral
do tipo gasoso e impossíveis de suportar alguma espécie de
vida. É lógico que este não é o único
caso que faz com que os astrónomos se entusiasmem, e um exemplo
disso foi dado por esta grande descoberta de Mayor e Queloz que, imagine-se
só, poderia ter posto em causa a formação do nosso
próprio sistema solar!!!
Bibliografia
-
Michel Mayor & Didier Queloz– "A Jupiter-mass companion
to a solar-type star". In Nature, Vol. 378, pag. 355-359, 23 de
Novembro de 1995, Inglaterra.
-
«Les Nouvelles Planètes». In Recherche,
n.º 290, pag. 42-60, Setembro de 1996, França.
-
Parte II do programa da cadeira de Astronomia, F.C.T.U.C, 1999/2000.
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