Uso de calculadoras gráficas

Nos objectivos gerais (pg 27) é afirmado que o aluno deve ser capaz de:
"Interpretar fenómenos e resolver problemas recorrendo a funções e seus gráfi-
cos"(conhecimentos)
"Exprimir o mesmo conceito em diversas formas e linguagens"
(capacidades/aptidões)
"Analisar situações da vida real identificando modelos matemáti-cos que permitam a
sua interpretação e resolução" (capacidades/aptidões)
"Formular generalizações a partir de experiências" (capacidades/aptidões)

Em todos estes objectivos (e em vários outros) está presente a dimensão gráfica; contudo
esta dimensão gráfica não diz respeito apenas a um reduzido lote de funções de gráficos
"fáceis"; não irão aparecer apenas funções como

f(x) = x^2 + 2x - 3

(com zeros simples de determinar) mas também, quando se tratar de trabalhar com
aplicações da Matemática e Modelos Matemáticos, funções como

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(com zeros que só é possível determinar aproximadamente, neste caso -8,6950.... e
-1,50006...) ou ainda

0.1 x^5 - 1.25 x^3 + x^2 -1

em que não é possível obter com um só gráfico todos os detalhes importantes da função
(o "gráfico completo" é na realidade constituído por dois gráficos)
Como trabalhar com gráficos destas funções? Obviamente que tal deve ser feito com
algum meio automático (calculadora gráfica ou computador).

Na verdade, já nos anos 60, quando os computadores eram apenas um ente raro e dificil-
mente acessível e não existiam calculadoras científicas ou gráficas, na reforma dita da
"Matemática Moderna", o seu principal responsável, José Sebastião e Silva, afirmava:
(...) logo na primeira aula se deve [pôr] o aluno em contacto com o conceito de
aproximação. (...) a ideia dos métodos de aproximação, que domina toda a análise
numérica moderna, li-gada ao uso de computadores. (Guia para a utilização do
com-pêndio de Matemática", 2(o)/3(o) vol., pg 49,56)
Os cálculos exigidos pelos métodos estatísticos são geralmente muito laboriosos.
Por esse facto, não será fácil nem aconselhá-vel resolver nas aulas problemas numéricos de estatística, mesmo simples, sem o auxílio de máquinas de calcular (...)
(Guia - vol. 2 - pg 109)
(...) o uso dos computadores tem vindo a acentuar a importân-cia do método experimental na investigação matemática, per-mitindo aperfeiçoar processos ou mesmo
abrir caminhos inteiramente novos.("Guia para a utilização do compêndio de
Matemática", 2(o)/3(o) vol., pg 86)
Haveria muitíssimo a lucrar em que o ensino destes assuntos fosse normalmente
orientado a partir de centros de interesse como o anterior - e tanto quanto possível
laboratorial, isto é, baseada no uso de computadores, existentes nas próprias es-
colas ou fora destas, em laboratórios de cálculo. ("Guia para a utilização do
compêndio de Matemática", 2(o)/3(o) vol., pg 89)

Por variadas razões tal só muito parcialmente foi passado à prática nos dias de hoje. Mas,
a não ser que se alterem os objectivos gerais do programa, é indispensável o uso de
calculadoras gráficas e computadores na sala de aula de Matemática para que esses mesmos objectivos possam ser cabalmente cumpridos.
Os programas recomendam explicitamente o uso de:
"calculadoras científicas com possibilidade de introdução de um ou dois pequenos
programas"(pg 34)
e mais adiante afirmam que:
"As calculadoras, que hoje já fazem parte da vida corrente, devem ser entendidas
não só como instrumentos de cálculo mas também como meios incentivadores do
espírito de pesquisa. O seu uso é obrigatório neste programa." (pg 34)
e ainda, referindo-se ao uso de computadores,
"O computador, pelas suas potencialidades, nomeadamente nos domínios da repre-
sentação gráfica de funções e da simulação, permite actividades não só de explora-
ção e pesquisa como de recuperação e desenvolvimento, pelo que constitui um va-
lioso apoio a alunos e professores, sugerindo-se a sua utilização sempre que opor-
tuno e possível." (pg 34)

Estas recomendações reflectiam o estado da tecnologia à data de elaboração dos Novos
programas, em que as calculadoras gráficas ainda não estavam difundidas e o uso de
com-putadores era limitado pela sua disponibilidade nas escolas. Hoje as calculadoras grá-
ficas começam a ser bem conhecidas e cumprem claramente os objectivos definidos para
o uso da tecnologia, com que esta Equipa concorda na generalidade.

Um dado importante a ter em conta é o de as calculadoras gráficas serem também calcu-
ladoras científicas completíssimas, possuírem capacidades de programação numa lingua-
gem elementar, terem funções estatísticas e traçarem gráficos estatísticos. Isto é, cum-
prem todas as condições enunciadas anteriormente, e têm uma dimensão gráfica não pre-
sente nas simples calculadoras científicas.

Investigações e experiências em Portugal e noutros países sugerem que a utilização de
calculadoras gráficas no ensino da Matemática é efectivamente vantajosa e cumpre os ob-
jectivos atrás enunciados. Por exemplo, o Prof. Bert Waits no seu texto "The Power of
Visualization in Calculus"(1992) refere os seguintes dez tipos de actividade matemática
em que a calculadora gráfica desempenha um papel chave:
i) Abordagem numérica de problemas;
ii) Uso de manipulações algébricas para resolver equações e inequações e poste-
rior confirmação usando métodos gráficos;
iii) Uso de métodos gráficos para resolver equações e inequações e posterior
con-firmação usando métodos algébricos;
iv) Modelação, simulação e resolução de situações problemáticas;
v) Uso de cenários visuais gerados pela calculadora para ilustrar conceitos mate-
má-ticos;
vi) Uso de métodos visuais para resolver equações e inequações que não podem
ser resolvidas, ou cuja resolução é impraticável, com métodos algébricos;
vii) Condução de experiências matemáticas, concepção e testagem de conjectu-
ras;
viii) Estudo e classificação do comportamento de diferentes classes de funções;
ix) Antevisão de conceitos do cálculo diferencial;
x) Investigação e exploração de várias ligações entre diferentes representações
para uma situação problemática.

Estas são as razões que nos levam a propor a integração das calculadoras gráficas no
trabalho da aula de Matemática. Não se pense contudo que esta opção está isenta de
perigos. Nem esta opção significa que o ensino vai ficar mais "fácil" na aula de
Matemática. Não se trata de "preguiçar" no cálculo passando a entregar todas as tarefas
de cálculo à calculadora gráfica ou ao computador.
Por um lado, aquilo que a calculadora apresenta no seu écran pode ser uma visão
distorcida da realidade; pode-se, por exemplo, observar apenas uma parte de um gráfico
e pensar que é crescente uma função que o não é; mas pode-se obviamente traçar
rapidamente um grande número de pedaços do gráfico da mesma função. No texto do
programa houve o cuidado de chamar a atenção para a necessidade de se discutir o
rectângulo de visualização e o gráfico completo. Além do mais, exige-se sempre que o
trabalho feito com a máquina seja confrontado com conhecimentos teóricos, assim como
se preconiza que o trabalho teórico seja finalizado com uma verificação com a máquina. É
importante que os alunos descrevam os procedimentos utilizados e aquilo que se lhes
apresenta. Não é de admitir o uso da calculadora gráfica desligado de quaisquer
considerações teóricas.
Por outro lado a calculadora vai permitir que se trabalhe com um muito maior número de
funções em que diversas características, como os zeros e os extremos, não se podem
determinar de forma exacta; estas funções são importantes pois aparecem no contexto da
resolução de problemas aplicados. É muito importante desenvolver a capacidade de lidar
com elementos de que apenas uma parte se pode determinar de forma exacta; é
importante ir sempre treinando os alunos na confrontação dos resultados obtidos com os
conhecimentos teóricos; sem estes aspectos não se pode desenvolver a capacidade de
resolver problemas de aplicações da matemática e a capacidade de analisar modelos
matemáticos.
Com os cuidados referidos, e como experiências noutros países mostram, a calculadora
gráfica dará uma contribuição positiva para a melhoria do ensino da Matemática.

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