Ensinar matemática sem mostrar a origem e a finalidade dos conceitos é como falar de cores a um daltónico: é construir no vazio. Especulações matemáticas que, pelo menos de início, não estejam solidamente ancoradas em intuições, resultam inoperantes, não falam ao espírito, não o iluminam.
A meu ver são principalmente o sentido crítico e a autonomia mental as qualidades que um professor de matemática se deve esforçar por desenvolver nos seus alunos.
Um dos objectivos fundamentais da educação é, sem dúvida, criar no aluno hábitos e automatismos úteis, como, por exemplo, os automatismos de leitura, de escrita e de cálculo. Mas trata-se aí, manifestamente, de meios, não de fins.
Os alunos não precisam, em geral, de ser investigadores, mas precisam de ter espírito de investigação. Intuição, experiência, lógica indutiva, lógica dedutiva - todos estes meios se alternam constantemente na investigação científica, numa cadeia sem fim em que é difícil destrinçar uns dos outros.
O professor não deve forçar a conclusão: deve deixá-la formar-se espontaneamente no espírito do aluno.
Se não houver tempo - o que é bem provável - podem-se omitir as demonstrações. O que importa, por enquanto, são as intuições: essas de modo nenhum devem faltar, (...)
O que é preciso é não confundir cultura com erudição e sobretudo com o enciclopedismo desconexo, imensa manta de retalhos mal cerzidos, que vão desde as guerras púnicas até ao sistema nervoso da mosca. É esse, a bem dizer, o tipo de cultura que tende a produzir o ensino tradicional, baseado num sistema de exames que só permite apreciar memorizações e automatismos superficiais, mais ou menos próximos do psitacismo.
Chegou-se a fazer crescer os rapazes numa planície matemática esterilizada e esterilizadora, capaz de sufocar qualquer objecção, qualquer diálogo. Porque se quisermos que o ensino da matemática seja autenticamente vivo e fecundo, deveremos apresentar uma ciência que se faz e não uma ciência já feita. A matemática não deve desprezar o concreto, a matemática deve estar ligada à realidade física em que o pensamento matemático mergulha as suas raízes. E é sobretudo a geometria que serve de modo natural para a ligação entre o mundo físico e a abstracção
É preciso combater o excesso de exercícios que, como um cancro, acaba por destruir o que pode haver de nobre e vital no ensino. É preciso evitar certos exercícios artificiosos ou complicados, especialmente em assuntos simples.(...) É mais importante reflectir sobre o mesmo exercício que tenha interesse, do que resolver vários exercícios diferentes, que não tenham interesse nenhum.(...) Entre os exercícios que podem ter mais interesse figuram aqueles que se aplicam a situações reais, concretas.
Assiste-se a uma convergência de opiniões favoráveis aos novos programas, globalmente considerados. Se quase todos entendem que se deve manter a abordagem metodológica proposta no texto dos programas em vigor, já a concretização destes princípios tem criado mais problemas. Efectivamente tal é um aspecto de muito difícil concretização e que por isso deve merecer toda a nossa atenção.
Na Orientação Metodológica dos novos programas do Ensino Secundário é afirmado:
Tendo como pressuposto ser o aluno agente da sua própria aprendizagem, propõe-se uma metodologia em que:
(a) os conceitos são construídos a partir da experiência de cada um e de situações concretas;
(b) os conceitos são abordados segundo diferentes pontos de vista e progressivos níveis de rigor e formalização;
(c) se estabelece maior ligação da Matemática com a vida real, com a tecnologia e com as questões abordadas noutras disciplinas e que enquadra o conhecimento numa perspectiva histórico-cultural.
E mais adiante:
A utilização obrigatória da calculadora que, além de ferramenta, é fonte de actividade, de investigação e de aprendizagem, (...) A resolução de problemas, meio privilegiado para desenvolver o espírito de pesquisa, deve contemplar, além de situações do domínio da Matemática, outras, da Física, da Economia, da Geografia,... (...) o aluno será solicitado frequentemente a justificar processos de resolução, a encadear raciocínios, a confirmar conjecturas, a demonstrar fórmulas e alguns teoremas.
Mas o problema principal tem sido: como passar das boas intenções à prática?
Como dizia uma pessoa no seu parecer: Quem dera que essa alteração seja feita de modo que os professores passem a ensinar matemática, e não técnicas de cálculo, e que os alunos passem a gostar de aprender matemática e possam sentir nessa aprendizagem alguma utilidade significativa e não apenas um obstáculo que têm de vencer para fazer o 12º ano e entrar no ensino superior.
É por essa razão que mereceu a atenção especial por parte da Equipa Técnica a clareza dos objectivos enunciados e sua relação com as novas metodologias propostas. No balanço da experiência feito pelo Departamento do Ensino Secundário reconhece-se que é necessária (...) uma melhor articulação entre objectivos, conteúdos temáticos e metodologias. Esta explicitação é fundamental para a sua exequibilidade, recomenda-se que se efectue:
uma melhor articulação/maior coerência de itinerário de construção de um pensamento matemático que se deseja nos alunos (...). e que se deve rever o programa do Ensino Secundário harmonizando de forma explícita os conteúdos, os objectivos e a metodologia (...).
A ET gostaria de obter a opinião de todos para saber de que modo estes objectivos são conseguidos na actual proposta.
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