LIVRO I. DOS ELEMENTOS
DE
EUCLIDES


 

PROP. XXXIII. THEOR.

As rectas, que da mesma parte estão postas entre as extremidades de duas outras rectas eguaes e parallelas, são tambem eguaes e parallelas ( Fig. 55 ).


Fig. 55

Sejam as duas rectas AB, CD eguaes e parallelas, e entre os extremos della A, C, B, D estejam postas as outras duas AC, BD. Digo que AC, BD são eguaes, e parallelas.

Tire-se a recta BC. Porque AB, CD são parallelas, e são cortadas pela recta BC, serão os angulos alternos ABC, BCD eguaes ( Pr. 29, 1 ). E sendo AB=CD, e BC commum; as duas AB, BC serão eguaes ás duas DC, CB. Mas temos o angulo ABC=BCD. Logo será a base AC=BD, que é a outra base ( Pr. 4, 1 ); e o triangulo ABC egual ao triangulo BCD; e os mais angulos eguaes aos mais angulos ( Pr. 4, 1 ), cada um a cada um, segundo ficam oppostos a lados eguaes. Logo deve ser o angulo ACB=CBD. Logo a recta BC fazendo com as duas AC, BD os angulos alternos ACB, CBD eguaes; as duas rectas AC, BD serão parallelas ( Pr. 27, 1 ). E já temos demonstrado, que são tambem eguaes.





PROP. XXXIV. THEOR.

Os lados e os angulos oppostos dos espaços formados com linhas parallelas, ou parallelogrammos, são eguaes; e todo o espaço parallelogrammo, fica dividido pela diagonal em duas partes eguaes ( Fig. 55 ).

Seja o espaço parallelogrammo ABDC, cuja diagonal é BC. Digo, que os lados e os angulos oppostos do parallelogrammo ABCD são eguaes: e que a diagonal BC divide o mesmo parallelogrammo ABDC em duas partes eguaes.

Sendo AB, CD parallelas, e cortadas pela recta BC, os angulos alternos ABC, BCD serão eguaes ( Pr. 29, 1 ). Tambem por serem parallelas as duas AC, BD, e cortadas pela mesma recta BC, devem ser eguaes entre si os angulos alternos ACB, CBD. Logo os dous triangulos ABC, CBD tem dous angulos ABC, BCA eguaes a dous angulos BCD, CBD, cada um a cada um, e um lado egual a um lado, que vem a ser o lado commum BC adjacente aos angulos eguaes. Logo os outros lados serão eguaes aos outros lados, cada um a cada um, e o angulo, que resta , egual ao outro angulo, que resta ( Pr. 26, 1 ). Logo será AB=CD, AC=BD, e o angulo BAC=BDC. E sendo ABC=BCD, e CBD=ACB; será o angulo total ABD=ACD tambem toal. Mas temos demonstrado ser o angulo BAC=BDC. Logo os lados e os angulos oppostos do parallelogrammo ABDC são eguaes. Deve-se agora demonstrar, que o parallelogrammo ABDC fica dividido em duas partes eguaes pela diagonal BC. Sendo AB=CD, e BC commum, serão as duas AB, BC eguaes ás duas DC, CB, cada uma a cada uma. Mas temos o angulo ABC=BCD. Logo será o triangulo ABC=BCD outro triangulo ( Pr. 4, 1 ). Logo a diagonal BC divide em duas partes eguaes o parallelogrammo ABDC.





PROP. XXXV. THEOR.

Os parallelogrammos, que estão postos sobre a mesma base, e entre as mesmas parallelas, são eguaes ( Pr. 56, 57 ).

Sejam os parallelogrammos ABCD, EBCF sobra a mesma base BC ( Fig. 57 ), e entre as mesmas parallelas AF, BC. Digo, que o parallelogrammo ABCD é egual ao parallelogrammo EBCF.

Se os lados AD, DF ( Fig. 56 ) dos parallelogrammos ABCD, DBCF oppostos á base commum BC tiverem um termo commum D; claro está, que, sendo os parallelogrammos ABCD, DBCF cada um o dobro do mesmo triangulo BDC ( Pr. 34, 1 ), serão eguaes entre si.


Fig. 56

Mas os lados AD, EF ( Fig. 57 ) não sejam terminados no mesmo ponto. No parallelogrammo ABCD é AD=BC ( Pr. 34, 1 ), e no parallelogrammo EBCF é EF=BC. Logo será AD=EF ( Ax. 1 ). Ajuncte-se a mesma recta DE, ou tire-se. Será AE=DF, isto é, o todo egual ao todo, ou o resto egual ao resto ( Ax. 2, 3 ). Mas é AB=DC. Logo as duas EA, AB são eguaes ás duas FD, DC, cada uma a cada uma. Mas o angulo externo FDC é egual ( Pr. 29, 2 ) ao interno EAB. Será o triangulo EAB=FDC outro triangulo ( Pr. 4, 1 ). Do trapezio ABCF tire-se o triangulo FDC; e do mesmo trapezio ABCF tire-se o triangulo EAB. Logo os parallelogrammos ABCD, EBCF, que são os restos, serão eguaes ( Ax. 3 ) entresi.


Fig. 57

PROP. XXXVI. THEOR.

Os parallelogrammos, que estão postos sobre bases eguaes, e entre as mesmas parallelas, são eguaes ( Fig. 58 ).


Fig. 58

Os parallelogrammos ABCD, EFGH estejam postos sobre as bases eguaes BC, FG, e entre as mesmas parallelas AH, BG. Digo, que estes parallelogrammos são eguaes.

Tirem-se as rectas BE, CH. Sendo BC=FG, e FG=EH ( Pr. 34, 1 ), será BC=EH. Mas BC, EH são parallelas; e entre os termos d'ellas B, E, C, H estão tiradas as rectas BE, CH; e as rectas, que estão tiradas entre os extremos de duas outras eguaes e parallelas, e da mesma parte são tambem eguaes e parallelas ( Pr. 33, 1 ). Logo EB, CH são eguaes e parallelas. Logo EBCH é um parallelogrammo, egual ao parallelogrammo ABCD ( Pr. 35, 1 ), por ter a mesma base BC, e por estar entre as mesmas parallelas BC, AD. Pela mesma razão será o parallelogrammo EFGH=EBCH outro parallelogrammo. Logo os parallelogrammos ABCD, EFGH serão eguaes entre si.





PROP. XXXVII. THEOR.

Os triangulos, que estão postos sobre a mesma base, e entre as mesmas parallelas, são eguaes ( Fig. 59 ).


Fig. 59

Os triangulos ABC, DBC estejam postos sobre a mesma base BC, e entre as mesmas parallelas AD, BC. Digo, que os triangulos ABC, DBC são eguaes.

Produza-se AD de uma e outra parte para E, e F, e pelo ponto B tire-se BE parallela a CA, e pelo ponto C tire-se CF parallela a BD ( Pr. 31, 1 ). Logo EBCA, DBCF serão dous parallelogrammos. Mas estes parallelogrammos são eguaes ( Pr. 35, 1 ), por estarem sobre a mesma base BC, e entre as mesmas parallelas BC, EF; e o triangulo ABC é ametade ( Pr. 34, 1 ) do parallelogrammo EBCA, que fica dividido em duas partes eguaes pela diagonal AB, como tambem o triangulo DBC é ametade do parallelogrammo DBCF, que é dividido em duas partes eguaes pela diagonal DC. Logo será o triangulo ABC=DBC outro triangulo, porque as ametades de quantidades eguaes são tambem eguaes ( Ax. 7 ).





PROP. XXXVIII. THEOR.

Os triangulos, que estão sobre bases eguaes, e entre as mesmas parallelas, são eguaes ( Fig. 60 ).


Fig. 60

Sejam os triangulos ABC, DEF postos sobre as bases eguaes BC, EF, e entre as mesmas parallelas BF, AD. Digo, que os triangulos ABC, DEF são eguaes.

Produza-se de uma e outra parte a recta AD para G, e H; e pelo ponto B tire-se a recta BG parallela a CA, e pelo ponto F a recta FH parallela a ED ( Pr. 31, 1 ). Serão GBCA, DEFH dous parallelogrammos. Mas estes parallelogrammos são eguaes ( Pr. 36, 1 ), porque estão sobre as bases eguaes BC, EF, e entre as mesmas parallelas BF, GH; e o triangulo ABC é ametade do parallelogrammo GBCA, como tambem o triangulo DEF é ametade do parallelogrammo DEFH ( Pr. 34, 1 ). Logo será o triangulo ABC=DEF outro triangulo, por serem eguaes as ametades de quantidades eguaes ( Ax. 7 ).





PROP. XXXIX. THEOR.

Os triangulos eguaes postos sobre a mesma base, e da mesma parte, estão entre as mesmas parallelas ( Fig. 61 ).


Fig. 61

Sejam os triangulos ABC, DBC sobre a mesma base BC, e da mesma parte. Digo, que os triangulos ABC, DBC estão entre as mesmas parallelas.

Tire-se a recta AD. Digo, que AD é parallela a BC. Se AD não é parallela a BC, pelo ponto A se faça passar outra recta AE parallela ( Pr. 31, 1 ) a BC, e se tire EC. Logo os triangulos ABC, EBC, são eguaes ( Pr. 37, 1 ), por estarem ambos sobre a mesma base BC, e entre as mesmas parallelas BC, AE. Mas é o triangulo ABC=DBC outro triangulo. Logo será DBC=EBC, isto é, um triangulo maior egual a um menor, o que não póde ser. Logo as rectas AE, BC não são parallelas. O mesmo se demonstra de outra recta qualquer, que não seja a recta AD. Logo AD é parallela a BC.





PROP. XL. THEOR.

Os triangulos eguaes postos sobre bases eguaes, e da mesma parte, estão entre as mesmas parallelas ( Fig. 62 ).


Fig. 62

Sejam os triangulos eguaes ABC, DEF sobre as bases eguaes BC, EF, e da mesma parte. Digo, que estes triangulos estão entre as mesmas parallelas.

Tire-se a recta AD. Digo, que Ad é parallela a BF. Se AD não é parallela a BF, pelo ponto A tire-se AG parallela ( Pr. 31, 1 ) a BF, e se conduza a recta GF. Os triangulos ABC, GEF são eguaes ( Pr. 38, 1 ), porque estão postos sobre as bases eguaes BC, EF, e entre as mesmas parallelas BF, AG. Mas o triangulo ABC é egual ao triangulo DEF. Logo será tambem DEF=GEF, isto é, um triangulo maior egual a um menor, o que não é possivel. Logo AG não é parallela a BF. Do mesmo mode se prova, que nenhuma outra recta, fóra a recta AD, é parallela a BF. Logo as duas AD, BF são parallelas.





PROP. XLI. THEOR.

Se um parallelogrammo e un triangulo estiverem sobre a mesma base, e entre as mesmas parallelas; o parallelogrammo será o dobro do triangulo ( Fig. 63 ).


Fig. 63

Estejam sobre a mesma base BC, e entre as mesma parallelas BC, AE o parallelogrammo ABCD, e o triangulo EBC. Digo, que o parallelogrammo ABCD é o dobro do triangulo EBC.

Tire-se a recta AC. Logo os triangulos ABC, EBC são eguaes ( Pr. 37, 1 ), por estarem sobre a mesma base BC, e entre as mesmas parallelas BC, AE. Mas o parallelogrammo ABCD é o dobro do triangulo ABC ( Pr. 34, 1 ), porque é dividido em duas partes eguaes pela diagonal AC. Logo tambem o parallelogrammo ABCD será o dobro do triangulo EBC.





 

PROP. XLII. PROB.

Construir um parallelogrammo, que seja egual a um triangulo dado, e que tenha um angulo egual a outro angulo dado ( Fig. 64 ).


Fig. 64

Seja dado o triangulo ABC, e o angulo rectilineo D. Deve-se construir um parallelogrammo egual ao triangulo ABC, e com um angulo egual ao angulo D.

Divida-se a base BC em duas partes eguaes ( Pr. 10, 1 ) no ponto E; tire-se AE, e com a recta EC no ponto E se faça ( Pr. 23, 1 ) o angulo CEF=D. Pelo ponto A se conduza AG parallela ( Pr. 31, 1 ) a EC, e pelo ponto C a recta CG parallela a EF. Será FECG em parallelogrammo. E sendo BE=EC, o triangulo ABE será egual ao triangulo AEC ( Pr. 38, 1 ), por estarem ambos sobre as bases eguaes BE, EC, e entre as mesmas parallelas BC, AG. Logo o triangulo ABC é o dobro do triangulo AEC. Mas tambem o parallelogrammo FECG é o dobro ( Pr. 41, 1 ) do mesmo triangulo AEC, que se acha sobre a mesma base, e entre as mesmas parallelas que o parallelogrammo FECG. Logo o parallelogrammo FECG é ( Ax. 6 ) egual ao triangulo ABC, e tem o angulo CEF=D, que é o angulo dado. Logo temos constituido o parallelogrammo, que se pedia.





PROP. XLIII. PROB.

Em qualquer parallelogrammo os complementos dos parallelogrammos, que existem ao redor da diagonal, são eguaes entre si ( Fig. 65 ).


Fig. 65

Seja o parallelogrammo ABCD, cuja diagonal é AC; e existam ao redor da diagonal AC os parallelogrammos EH, FG; e os que se chamam complementos, serão os dous parallelogrammos BK, KD. Digo, que o complemento BK é egual ao complemento KD.

No parallelogrammo ABCD os dous triangulos ABC, ADC, são eguaes ( Pr. 34, 1 ); como tambem os dous AEK, AHK no parallelogrammo KGCF. Logo sendo o triangulo AEK egual ao triangulo AHK, e KGC=KFC; os dous AEK, KGC junctos serão eguaes aos dous tambem junctos AHK, KFC. Mas o triangulo total ABC é egual ao triangulo total ADC ( Pr. 34, 1 ). Logo o residuo, que é o complemento BK, será egual ao residuo, que é o outro complemento KD.





PROP. XLIV. THEOR.

Sobre uma linha recta dada construir um parallelogrammo egual a um triangulo dado, e que tenha um angulo egual a outro angulo rectilineo dado ( Fig. 66 ).


Fig. 66

Seja dada a recta AB, o triangulo C, e o angulo rectilineo D. Deve-se construir sobre a recta dada AB um parallelogrammo egual ao triangulo C, e que tenha um angulo egual ao angulo D.

Faça-se ( Pr. 42, 1 ) o parallelogrammo BEFG egual ao triangulo C, e com um angulo EBG egual ao angulo D. Ponha-se BE en direitura com a recta AB, e produza-se FG para H; e pelo ponto A se tire AH parallela ( Pr. 31, 1 ) a BG, ou EF; e finalmente seja conduzida a recta HB. Porque as parallelas AH, EF são cortadas pela recta HF, os angulos AHF, HFE serão eguaes a dous rectos ( Pr. 29, 1 ). Logo os dous angulos BHF, HFE são menores que dous rectos. Mas as rectas, que com uma terceira fazem os angulos internos, e da mesma parte menores que dous rectos, produzidas ao infinito finalmente concorrem ( Ax. 12 ). Logo as duas rectas HB, FE devem concorrer. Produzam-se pois, e concorram no ponto K. Por este ponto tire-se as recta KL parallela a EA, ou FH, e sejam produzidas as rectas HA, GB até L, e M. Logo HLKF é um parallelogrammo, cujo diametro é HK, e ao redor d'este diametro HK existem os parallelogrammos AG, ME, cujos complementos são os parallelogrammos LB, BF. Logo será LB=BF ( Pr. 43, 1 ). Mas o complemento BF é egual ao triangulo C. Logo o complemento LB será egual ao mesmo triangulo C. E porque o angulo GBE é egual ao angulo ABM ( Pr. 15, 1 ), e tambem é egual ao angulo D; será o angulo ABM=D. Logo sobre a linha recta dada AB temos construido o parallelogrammo LB egual ao triangulo dado C, ecom um angulo ABM egual ao proposto D.


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