Efervescência da actividade matemática

Mas a actividade da S.P.M. não se limitava a discutir e aprovar propostas da sua Comissão Pedagógica, embora a seriedade de tais propostas fosse, só por si, suficiente para se compreender quando era importante a existência da S.P.M..

Como escreveu António Monteiro num artigo publicado na Gazeta de Matemática, destinado a explicar a origem e o objectivo da secção Movimento Matemático,

"É indiscutível que assistimos hoje a uma verdadeira efervescência de actividades no campo das ciências matemáticas. Demonstram esta afirmação o aparecimento sucessivo, no curto prazo de cinco anos, de : 1(o)) Portugaliae Mathematica, fundada em 1937; 2(o)) Seminário Matemático de Lisboa (1938), que toma, em Novembro de 1939, o nome de Seminário de Análise Geral; 3(o)) Centro de Estudos de Matemáticas Aplicadas à Economia, fundado pelo 1(o) Grupo do Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras (1938); 4(o)) Gazeta de Matemática, Janeiro de 1939; 5(o)) Centro de Estudos Matemáticos de Lisboa, fundado pelo Instituto para a Alta Cultura, em Fevereiro de 1940; 6(o)) Sociedade Portuguesa de Matemática, Dezembro de 1940; 7(o)) Centro de Estudos Matemáticos, do Porto, fundado pelo Instituto para a Alta Cultura em Fevereiro de 1942."

(Gaz. Mat., n(o) 10 (1942), pp. 25-26).

As instituições criadas, fundamentalmente por iniciativa e perseverança de António Monteiro, sempre coadjuvado por Hugo Ribeiro, Zaluar Nunes, Silva Paulo, Ruy Luís Gomes e outros, não estavam paradas. Em todas elas se trabalhava com entusiasmo e em todas elas, directa ou indirectamente, se reflectia, com maior ou menor intensidade, a acção da Sociedade Portuguesa de Matemática.

Entre as Instituições que documentavam a efervescência, a que António Monteiro aludiu, podia também ser citado o Núcleo de Matemática, Física e Química, instituição criada por António Monteiro, Manuel Valadares, Aurélio Marques da Silva, António da Silveira, Peres de Carvalho e outros, em 1936, precisamente no ano em que António Monteiro regressou a Lisboa após o seu doutoramente em Paris.

Foi o Núcleo que promoveu a realização de vários cursos e conferências, nos últimos anos da década de 30, de Matemática, de Física e de Química. Foi a convite do Núcleo que Ruy Luís Gomes fez, no Instituto Superior Técnico, um conjunto de conferências sobre Teoria da Relatividade, mais tarde publicadas, numa colecção do Núcleo, num volume intitulado Relatividade Restrita.

A realização destas conferências permitiu um contacto maior entre Ruy Luís Gomes e António Monteiro, contacto extraordinariamente fecundo para a intensificação da actividade matemática no Porto.

No artigo citado de António Monteiro, indicam-se outras actividades em preparação, como por exemplo, a publicação do Boletim da Sociedade Portuguesa de Matemática, a colecção Publicações da Secção de Matemática da Faculdade de Ciências do Porto, uma outra colecção intitulada Estudos de Matemática.

Com a realização do Seminário de Análise Geral, pretendia António Monteiro, segundo relata Ruy Luís Gomes ([27], p. 30), "iniciar um grupo de jovens no estudo das matemáticas modernas". Desse grupo faziam parte, entre vários outros, Hugo Baptista Ribeiro e José Sebastião e Silva, que viria a ser considerado por António Monteiro, como o maior matemático português.

Com a criação da revista Portugaliae Mathematica, (inicialmente editada por António Monteiro, com a cooperação de Hugo Ribeiro, Silva Paulo e Zaluar Nunes e, a partir do volume 4, também com a cooperação de Ruy Luís Gomes), os matemáticos portugueses passam a dispor, pela primeira vez, de uma revista portuguesa exclusivamente dedicada à publicação de trabalhos originais de investigação matemática.

Com a criação da Gazeta de Matemática, por António Monteiro, Bento Caraça, Silva Paulo, Hugo Ribeiro, e Zaluar Nunes, os professores de Matemática, os estudantes universitários e os candidatos às Escolas Superiores podem ser melhor informados do movimento matemático nacional e internacional, têm ao seu alcance trabalhos de divulgação matemática, de Pedagogia Matemática e de História da Matemática, trechos antológicos escritos por grandes cientistas, informações bibliográficas, informações sobre Cursos, Conferências, Seminários, Colóquios e Reuniões de Estudo, informações sobre exames, etc..

Para os interessados em melhorar a sua preparação matemática, abrem-se perspectivas de o conseguir na medida em que se consiga romper o secular isolamento que tem sido imposto, por períodos tão longos, aos estudiosos portugueses.

Como escreveu Gomes Teixeira, no Elogio Histórico de Daniel Augusto da Silva, lido na Academia das Ciências de Lisboa em 2 de Junho de 1918 ([68], p. 160),

"Nada há mais prejudicial para a ciência de um povo do que o seu isolamento no meio da ciência dos outros povos."

Contra tal isolamento, muitos se têm manifestado. Por exemplo, Dieudonné, no seu livro Abrégé d'Histoire des Mathématiques, diz a certa altura ([11], p. 9):

"A atracção exercida pelas escolas matemáticas activas e numerosas compreende-se sem dificuldade. Isolado, o jovem matemático depressa se arrisca a ser desencorajado perante a imensidade de uma bibliografia onde vagueia sem bússola."

A mesma afirmação é repetida no seu livro Pour l'honneur de l'esprit humain ([12], p. 27), no final do 1(o) capítulo, intitulado Mathématiques et Mathématiciens.

As instituições nascidas do dinamismo de António Monteiro e seus colaboradores, em especial, a Sociedade Portuguesa de Matemática, contribuíram fortemente para criar a consciência da necessidade de se acabar com o isolamento que, no decorrer dos tempos, tanto prejudicou os trabalhadores científicos portugueses.

Os Centros de Estudos Matemáticos contribuíram para acabar com o isolamento dos matemáticos de uma mesma Escola ou Universidade.

A Gazeta de Matemática contribuiu para acabar com o isolamento de docentes e estudantes de Matemática entre as diversas Escolas e Universidades Portuguesas e para acompanhar o Movimento Matemático de outros países.

A Portugaliae Mathematica contribuiu para acabar com o isolamento dos matemáticos portugueses, de uns em relação aos outros e de todos em relação aos matemáticos de outros países.

A Sociedade Portuguesa de Matemática, contribui para acabar com todas as modalidades de isolamento; promove a ida de matemáticos portugueses ao estrangeiro e a vinda de matemáticos estrangeiros a Portugal.

Todas estas instituições, e especialmente a Sociedade Portuguesa de Matemática, prestaram ao nosso País um serviço inestimável, quer no plano científico quer no plano humano: no plano científico, na medida em que, rompendo o isolamento, ajudaram a criar condições indispensáveis à melhoria da criação matemática portuguesa; no plano humano, na medida em que, nascendo numa época em que matemáticos de tantos países foram perseguidos, ajudaram a criar, em todos nós, um sentimento de solidariedade com os matemáticos perseguidos de todo o Mundo.


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