Secção de Matemática da Faculdade de Ciências do Porto

Em Novembro de 1941, realizaram-se na Faculdade de Ciências do Porto, a convite da Secção de Matemática, duas conferências que despertaram um grande interesse, uma por António Monteiro, sobre Introdução à Topologia Geral e outra, por Manuel Valadares, sobre Os novos Elementos da Família do Rádio.

Logo depois dessas conferências, iniciaram-se dois cursos livres: um, sobre Teoria dos Grupos e suas Aplicações à Física Quântica, por António Almeida Costa, então Professor Extraordinário da Secção de Matemática da Faculdade de Ciências do Porto; o outro, sobre Cálculo Tensorial e algumas das suas Aplicações, por Manuel Gonçalves Miranda, então Assistente de Matemática da mesma Faculdade.

O primeiro foi seguido por docentes e alguns estudantes do Curso de Matemática e ainda por docentes de Física e de Mineralogia; o segundo, também muito frequentado por, sobretudo, docentes de Matemática e de Física.

Novamente, por iniciativa da secção de Matemática, em 22 e 23 de Janeiro de 1942, Aurélio Marques da Silva, da Faculdade de Ciências de Lisboa, foi ao Porto fazer duas conferências: a primeira sobre A Materialização da Energia e a segunda sobre A Fissão dos Núcleos.

Estes cursos e conferências promovidos pela Secção de Matemática entusiasmaram vivamente alguns docentes e estudantes, que entenderam que algo de novo e fecundo estava finalmente abalando a rotina universitária.

Numa nota publicada por Ruy Luís Gomes na Gaz. Mat., n(o) 9 (1942), pp. 13-14), depois de relatar algumas actividades que estavam sendo entusiasticamente desenvolvidas no Porto, pode ler-se o seguinte:

"É natural, no entanto, perguntar-se qual foi o pensamento da Secção de Matemática ao tomar a iniciativa destes cursos e conferências, a integrar num plano de conjunto que engloba não só a Matemática, mas igualmente a Física e mesmo a Biologia.

Que objectivos pretendemos nós atingir?

Por um lado, no plano científico, temos a intenção de facilitar aos estudiosos as técnicas e as vias de acesso aos problemas de maior actualidade, da Matemática e das suas Aplicações. Por outro, desejamos integrar os problemas da Matemática no movimento geral da Ciência, numa primeira tentativa de sistematização das íntimas relações que hoje existem entre os três domínios - o da Matemática, o da Física e o da Biologia. Finalmente, num plano ético, desejamos criar um ambiente de trabalho, um "clima" e um estímulo, como resultante da cooperação de todos numa tarefa que transcende o interesse imediato de cada um e traduz uma consciência colectiva: a de que pertencemos a uma Universidade."

Comentando estas palavras de Ruy Luís Gomes, escreveu António Monteiro (Gaz. Mat., n(o) 10 (1942), p. 27):

"Palavras necessárias, num meio como o nosso, em que tantas vezes o interesse imediato de cada um se sobrepõe injustificadamente à realização de tarefas culturais mais urgentes e mais necessárias; num meio em que a indiferença (e por vezes, a hostilidade aberta ou mal dissimulada) perante o trabalho de investigação científica constitui um método de acção retardadora do progresso cultural do país."

E Ruy Luís Gomes, na nota a que nos referimos, acrescentou:

"Num momento em que, por toda a parte, se proclama o sentido místico do trabalho e em que a própria inteligência é avaliada em função das suas realizações efectivas e não como um somatório de possibilidades, a Secção de Matemática entendeu que era do seu dever animar e promover a realização de um plano de trabalho em conjunto.

Polarizando a nossa atenção em alguns problemas da actualidade dentro do grande movimento da Matemática e convivendo com especialistas das outras ciências, vamos ajudar-nos mutuamente "raciocinando em voz alta" sobre aqueles pontos que formos estudando com cuidado e interesse.

E com uma originalidade mais ou menos marcada e com um maior ou menor poder de sistematização, conforme a maneira de ser de cada um de nós, todos podemos viver com igual intensidade esta afirmação colectiva de tenacidade e de solidariedade."

Em carta de 14 de Fevereiro de 1942, endereçada ao Presidente do Instituto para a Alta Cultura, Ruy Luís Gomes referia-se à iniciativa da Secção de Matemática de organizar cursos especiais e conferências de introdução à Física Teórica. Assim, estavam sendo ministrados os cursos a que já nos referimos, de Teoria dos Grupos e Cálculo Tensorial, por Almeida Costa e Manuel Miranda, respectivamente.

Ruy Luís Gomes mencionava também as conferências de António Monteiro, Manuel Valadares e Marques da Silva e informava que estavam já convidados os professores Vicente Gonçalves e Bento Caraça, para fazerem conferências de Matemática.

A carta terminava por pedir um subsídio de 5000 escudos para satisfazer encargos já contraídos e realizar o que já estava projectado. Conforme foi comunicado em 11 de Abril pelo Secretário do Instituto para a Alta Cultura, Dr. António de Medeiros Gouveia, o subsídio foi concedido.

No princípio de Maio, Bento Caraça deslocou-se ao Porto, já com o apoio do Centro de Estudos Matemáticos do Porto, criado em Fevereiro de 1942, e fez duas conferências subordinadas ao tema Aspectos do Conceito de Infinito. Na primeira conferência, em 1 de Maio, pôs em relevo, sobretudo, os aspectos históricos do conceito de infinito e, na segunda conferência, em 2 de Maio, tratou dos aspectos filosóficos e matemáticos.

Ambas as conferências tiveram que ser realizadas no maior anfiteatro da Faculdade de Ciências do Porto, dado o grande número de pessoas que acorreram à Faculdade, mobilizadas pelo interesse do tema e pela personalidade do conferencista.

No Relatório de fim de ano de 1942, enviado por Ruy Luís Gomes ao Instituto para a Alta Cultura, diz-se que:

"estas conferências despertaram um interesse excepcional chamando a atenção dos estudiosos para as Antinomias da Teoria dos Conjuntos, a Axiomática de Zermelo, e, em última análise, o problema dos Fundamentos da Matemática."

Num artigo intitulado Duas Lições na Universidade do Porto, da autoria de Alfredo Pereira Gomes e Luís Neves Real, publicado no quinzenário cultural Horizonte, relata-se o que foram as conferências de Bento Caraça e o aplauso que mereceram ao invulgarmente grande número de pessoas que a elas assistiram - universitários e não universitários.

Estas conferências documentam brilhantemente a efervescência da actividade matemática, a que, com tanta propriedade, se referiu António Monteiro.


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