Centro de Estudos Matemáticos do Porto

Como acima dissemos, as conferências de Bento Caraça, no Porto, tiveram já o apoio do Centro de Estudos Matemáticos do Porto.

Como nasceu este Centro?

Em 11 de Outubro de 1941, Ruy Luís Gomes dirigiu ao Dr. Celestino da Costa, então Presidente do Instituto para a Alta Cultura, uma carta em que, pelo facto de o Conselho Escolar da Faculdade de Ciências do Porto ir, dentro em pouco, ocupar-se da distribuição de serviço aos Assistentes, entendia ser chegado o momento de retomar um problema que já em tempos lhe havia posto directamente em Lisboa.

O problema dizia respeito ao Assistente Manuel Pereira de Barros, a quem o Instituto para a Alta Cultura (I.P.A.C.) havia, em 1939, concedido uma bolsa de estudos a fim de ir trabalhar para um Observatório Astronómico da Bélgica, mas tal bolsa não foi utilizada, em consequência do deflagrar da 2(a) Grande Guerra Mundial. Ora, o Assistente Manuel Barros teve, em anos anteriores, o encargo de dar mais de trinta horas de aulas práticas por semana, nas disciplinas de Astronomia, Aperfeiçoamento de Astronomia, Topografia, Geodesia, Geometria Descritiva e Desenho de Máquinas.

Ruy Luís Gomes, sempre atento às condições de trabalho dos Assistentes, dizia nessa carta, a respeito de Manuel Barros:

"Além de todo este serviço, já de si esgotante, tem dedicado uma atenção invulgar à instalação do Gabinete de Astronomia, projectou e desenhou um Zigómetro (construído aqui no Porto e já instalado no Observatório da Serra do Pilar), um aparelho para medir a equação pessoal (em construção), um Micrómetro Impessoal e o comando mecânico para esse Micrómetro; e até tem feito de mecânico-conservador, pois o Gabinete de Astronomia não possui sequer um.

Dadas estas circunstâncias, é evidente que não lhe fica tempo algum para a sua formação de Astrónomo, como é seu desejo, como é do interesse imediato da Faculdade e para o que não lhe faltam a vocação nem o entusiasmo.

Mas, por outro lado, não pode a Faculdade deixar de lhe distribuir todas aquelas horas de serviço, criando-lhe melhores condições de trabalho, sem afectar gravemente a base em que assenta a sua economia particular de Chefe de Família, com Mulher e Filhos.

E neste círculo vicioso se perde um dos Assistentes em que a Secção de Matemática mais esperanças podia vir a ter para a valorização dos seus quadros futuros.

Há, portanto, que quebrar este círculo e é precisamente no sentido de o conseguir que me dirijo a V. Ex(a).

Uma solução que ocorre imediatamente é a de o I.P.A.C. conceder um subsídio que nos permita libertar aquele Assistente, já este ano, de uma parte do serviço de aulas práticas de que tem estado encarregado.

Uma outra seria a de criar aqui, na Faculdade, um Centro de Estudos de Matemática, com uma dotação que nos permita enfrentar problemas como aquele que acabamos de expor a V. Ex(a).

Esta segunda solução, de um alcance prático muito maior, teria ainda a vantagem de ficar localizada nesse Centro a responsabilidade moral pelo rendimento de trabalho de todos os que viessem a beneficiar dos respectivos subsídios".

E a terminar, Ruy Luís Gomes insiste ainda:

"V. Ex(a), pela alta função que ocupa, tem vivido dezenas de problemas idênticos e está, portanto, em condições de compreender melhor que ninguém, o que tem de doloroso para todos nós, professores, o saber que, de outro modo, se perdem os nossos melhores valores e se compromete, gradual mas fatalmente, a nossa maior e mais legítima aspiração - a de elevar a Faculdade à categoria de verdadeira Escola."

O Instituto para a Alta Cultura (honra lhe seja!) optou efectivamente pela melhor das sugestões apresentadas e, em 18 de Fevereiro de 1942, o Secretário do Instituto enviou ao Director do Centro de Estudos Matemáticos do Porto, Ruy Luís Gomes, um ofício solicitando-lhe o envio, com a possível urgência, de

"um plano de trabalhos a realizar no Centro da mui digna direcção de V. Ex(a), com indicação das tarefas que V. Ex(a) tenciona distribuir a cada um dos seus bolseiros."

Conforme Ruy Luis Gomes declara no seu artigo intitulado Tentativas feitas nos anos 40 para criar no Porto uma Escola de Matemática (Boletim da S.P.M., n(o) 6 (1983), pp. 31-32),

"Esse plano (que fez parte de um volumoso arquivo carinhosamente conservado durante quarenta anos pelo nosso mais antigo colaborador e querido amigo, Luís Neves Real), contém os projectos de trabalho de sete pessoas ligadas ao Centro - António Monteiro, António de Almeida Costa, Ruy Luis Gomes, Luis Neves Real, Manuel Gonçalves Miranda, Manuel Pereira de Barros e Alfredo Pereira Gomes.

Foi a partir deste grupo de colaboradores que o Centro de Estudos Matemáticos do Porto iniciou a sua aventura e julgo não exagerar dizendo que os temas em que trabalhávamos eram temas de grande actualidade."

Com efeito, o plano elaborado compreendia os seguintes projectos de trabalho:

a) Luís Neves Real: Teoria geral dos sistemas dinâmicos. O princípio ergódico. Sistemas ergódicos. Problema a investigar: Aplicação da Teoria da Medida ao estudo dos teoremas ergódicos.

b) Manuel Pereira de Barros: Estudo do movimento do Polo sobre a superfície da Terra. Determinação da latitude do Observatório da Serra do Pilar (as observações serão feitas em Junho e Julho do ano corrente). Ensaio do aparelho para medir a equação pessoal, que deve ser entregue brevemente ao Gabinete de Astronomia.

c) Manuel Gonçalves Miranda: Realização do curso de Elementos de Cálculo Tensorial. I) Coordenadas Cartesianas Ortogonais. Definição de tensor, operações. Tensores gerados por formas invariantes. Simetria e hemi-simetria. Tensores de 2(a) ordem. II) Variáveis quaisquer. Definição geral de tensor. Operações algébricas. Derivação segundo uma ou mais formas quadráticas; casos particulares. Propriedades. Extensão a sistemas não tensoriais. Definição geral de derivada tensorial. Símbolos de Riemann. Aplicações. Problemas a investigar: Tensores hemi-simétricos. Operações. Caso particular: espaço de Minkowski. Representações matriciais desses tensores; comparações dessas representações. Spinores. Aplicações à Física.

d) António de Almeida Costa: Realização do Curso de Elementos da Teoria dos grupos. I) Postulados. Subgrupos. Grupos cíclicos. Divisores normais. Homomorfias. Grupo factor. Grupo comutador. Teoremas da Homomorfia e da Isomorfia. Produtos directos. Grupos completamente redutíveis. Grupos abelianos finitos. Séries normais e de composição. Grupos com a condição dupla de cadeia. Grupos resolúveis. Grupos transitivos e imprimitivos. Grupos com operadores. Grupos abelianos com uma base finita. II) Elementos da Teoria das Matrizes e da Representação dos Grupos. Construção do espaço linear. Espaço de Hermite. Representação de um grupo por matrizes. Representações unitárias. Matrizes comutáveis com as matrizes de uma representação. III) Problemas a investigar: Grupos abelianos com um número finito de elementos geradores e com domínios operatórios similares de diferentes tipos. A dimensionalidade do grupo nos diferentes casos.

e) Ruy Luis Gomes: Aplicações de resultados que anteriormente obteve, à decomposição de uma função aditiva de intervalo ou de uma função aditiva de conjunto na soma integral da sua derivada com uma função singular aditiva. Teoria dos Operadors Lineares e a sua aplicação à Mecânica Quântica.

f) António Aniceto Monteiro: Realização de um curso sobre Funções de conjunto e seus invariantes.

- Espaços (V). Caracterizações axiomáticas. Condição necessária e suficiente para que um espaço (V) seja determinado pela família F dos seus conjuntos fechados.

- Anéis de conjuntos e corpos de conjuntos. Quase-ordem. Sistemas parcialmente ordenados. Caracterizações Topológicas de Birkhoff e Tucker. Estruturas. Algebras de Boole.

- Sistemas parcialmente ordenados topológicos e propriedades da família dos seus conjuntos fechados.

- Noção de função contínua e de homeomorfia no espaço (V). Espaços de Sierpinski. Sistemas parcialmente ordenados topológicos e estruturas topológicas.


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