Um curso de António Monteiro no Porto

A inclusão de um projecto de trabalho de António Monteiro no plano do Centro de Estudos Matemáticos do Porto é justificada por Ruy Luis Gomes na carta que enviou ao Secretário do Instituto para a Alta Cultura acompanhando o plano do Centro, em 24 de Março de 1942. A carta começa por dizer que:

"A natureza dos trabalhos da maioria daqueles que vão agrupar-se, desde já, neste Centro de Estudos, e as próprias características da Universidade a que pertencemos orientam a nossa actividade, de preferência para as Matemáticas Aplicadas, nomeadamente a Mecânica, a Física Matemática e a Astronomia".

Esclarece, no entanto, que

"não é possível abordar as questões de maior interesse que aí se apresentam, sem uma formação especializada, que tem de abranger algumas das mais recentes aquisições da Algebra e da Análise"

e por isso,

"torna-se indispensável dedicar uma parte importante da actividade do Centro a um trabalho de preparação, quero dizer, de Introdução às Matemáticas Aplicadas, por maneira a dar, aos nossos bolseiros, o domínio de certas técnicas e, consequentemente, a possibilidade de aprenderem o sentido dos problemas de Mecânica e Física Matemática de que se ocupam actualmente os investigadores.

O trabalho a empreender este ano aparece assim subordinado a um duplo objectivo.

a) Integrar num plano de conjunto a actividade daqueles elementos que possuam certo grau de especialização;

b) Facilitar a todos os nossos bolseiros a formação especializada que lhes é necessária para depois se poderem dedicar com probabilidades de êxito à investigação científica no domínio das Matemáticas Aplicadas."

E Ruy Luis Gomes acrescenta, na sua carta:

"No plano de trabalho assim orientado está incluído um curso de Topologia, pelo Doutor António Aniceto Monteiro. Na verdade, só ele se encontra em condições de poder dirigir os nossos bolseiros no domínio da Topologia; e a sua presença aqui, não para uma simples conferência, mas sim para um curso, será de um alcance extraordinário para toda a actividade futura do Centro."

A carta terminava por pedir meios materiais para a realização do plano enviado, o que, de facto, veio a ser concedido.

Do plano de trabalho enviado ao Instituto para a Alta Cultura não consta o projecto de Alfredo Pereira Gomes, contrariamente ao afirmado por Ruy Luis Gomes no trecho que atrás citámos, de Tentativas feitas nos anos 40 para criar no Porto uma Escola de Matemática. Tal projecto não o encontrámos no arquivo de Neves Real. Mas consta desse arquivo o projecto de trabalho de Alfredo Pereira Gomes para 1943, que contém os pontos seguintes:

- Redigir o curso Introdução ao Estudo da Noção de Função Contínua, ministrado por António Monteiro, a ser publicado pelo Centro de Estudos Matemáticos do Porto.

- Estudar as relações entre as propriedades da classe C, de todas as funções contínuas num espaço topológico, e as propriedades deste espaço.

- Generalizar para operadores dilatadores, definidos em sistemas quase ordenados, certos resultados obtidos por António Monteiro e Hugo Ribeiro para operadores de fecho definidos em sistemas parcialmente ordenados.

Não sei se Ruy Luís Gomes se não teria enganado ao dizer ([27], p. 32) que o plano enviado ao Instituto para a Alta Cultura, dos trabalhos a realizar ainda em 1942, continha um plano de Alfredo Pereira Gomes. Mas o certo é que não se enganou ao dizer que foi a partir de um grupo de colaboradores a que pertencia Alfredo Pereira Gomes, que o Centro de Estudos Matemáticos do Porto iniciou aquilo a que Ruy Luís Gomes chamou "a sua aventura".

O convite a António Monteiro para ministrar o curso Introdução ao Estudo da Noção de Função Contínua foi feito em Julho de 1942 e o curso foi realizado no curto período de 23 de Outubro a 7 de Novembro do mesmo ano. É natural que todo o tempo disponível de Alfredo Pereira Gomes fosse absorvido, primeiramente pelos preparativos para que o curso pudesse vir a ser realizado, e depois, pela reunião e organização dos elementos necessários à sua realização, tanto mais que, conforme Monteiro declara no prefácio do livro Introdução ao Estudo da Noção de Função Contínua,

"A possibilidade de publicar essas lições deve-se quase exclusivamente à iniciativa e dedicação do Dr. Pereira Gomes, que as sistematizou e refundiu em novos moldes - sem lhes alterar o programa, mas introduzindo notáveis aperfeiçoamentos na exposição."

O livro foi publicado em 1944.

A sistematização e refundição em novos moldes, os notáveis aperfeiçoamentos levados a cabo por Pereira Gomes contribuíram decididamente para que E.R. Lorch, que fez a recensão do trabalho para Mathematical Reviews, vol. 6 (1945), pp. 94-95, pudesse afirmar que este texto devia servir, para estudantes graduados avançados, como uma útil introdução a certos tipos de abstracção e a métodos de generalização matemática.

E, em seguida, E.R. Lorch acrescenta:

"Deste ponto de vista, o desenvolvimento do assunto é feito com grande cuidado e os resultados parecem ser muito satisfatórios."

Não há dúvida de que, pelo menos no Porto, alguns estudantes e licenciados na década de 40, interessados em melhorar a sua formação matemática, recorreram, com frequência e com proveito, ao livro de António Monteiro e Alfredo Pereira Gomes.


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