Os Clubes de Matemática

Desde muito cedo, a Sociedade Portuguesa de Matemática se preocupou com a formação de Clubes de Matemática. Tais Clubes podem ser um auxiliar poderoso na propaganda da Matemática, no fortalecimento do convívio (tão necessário!) entre os interessados em Matemática. Os Clubes podem, inclusivamente, ajudar a resolver algumas dificuldades na aprendizagem da Matemática.

Assim, logo na primeira reunião de estudo, realizada, como dissemos, em Junho de 1941, a Comissão Pedagógica chamou a atenção para a criação de Clubes de Matemática, defendendo

"a difusão do gosto pelo estudo da Matemática por meios extra-escolares, tais como a criação de Clubes de Matemática."

O primeiro Secretário-geral da S.P.M., António Monteiro, empenhou-se entusiasticamente na criação de Clubes de Matemática.

No artigo intitulado Clubes de Matemática (Gaz.Mat., n(o) 11 (1942), pp. 8-12), depois de se referir à importância do papel desempenhado pelos Clubes de Matemática, nos Estados Unidos, no desenvolvimento do gosto pela Matemática, António Monteiro diz o seguinte:

"À luz desta experiência, estamos no direito de pensar que a criação de Clubes de Matemática, na maioria das nossas escolas secundárias e superiores, é susceptível de determinar uma corrente vital de interesse pela matemática, entre os jovens estudantes, que contribuirá de uma maneira eficaz para o ressurgimento das matemáticas portuguesas.

É claro que a criação desses Clubes dependerá em grande parte do interesse e espírito de iniciativa de professores e estudantes.

Nas escolas em que houver um grupo, muito embora pequeno, de pessoas capazes de fundar um Clube de Matemática, estou certo que elas arrastarão atrás de si a grande maioria dos estudantes interessados pela matemática, na medida em que a actividade do Clube corresponder às aspirações culturais actualmente existentes entre essas camadas."

E António Monteiro acrescenta:

"Todas as informações que tenho do nosso meio, mostram que existe uma ânsia de cultura entre os estudantes das nossas escolas superiores."

Depois de dar uma ideia geral sobre a organisação dos Clubes Americanos de Matemática, António Monteiro manifesta a sua admiração, nestes termos:

"Que belo exemplo nos dá a juventude americana, quando toma iniciativas no sentido de alargar e completar a sua cultura e que magnífico exemplo o dos professsores americanos que auxiliam com a sua experiência a actividade dos Clubes e que vêem nos estudantes, companheiros de trabalho e amigos, obreiros conscientes e dedicados pela causa da cultura matemática!"

Preocupado com a situação da Matemática em Portugal, preveniu:

"O ressurgimento dos estudos matemáticos em Portugal só é possível na medida em que a imensa energia intelectual da juventude fôr completamente mobilizada. É certo que nos faltam muitas condições preliminares para atingir um tal objectivo, mas também é verdade que muita coisa se pode ir fazendo desde já. Preparar o futuro ainda é a melhor forma de vivermos as horas que passam e é a juventude que tem maiores responsabilidades nessa tarefa, porque é ela que tem o futuro nas suas próprias mãos, porque é nela que residem as grandes reservas de energia intelectual duma nação."

E, em apoio desta sentença, aduziu:

"Quando Maurice Fréchet nos dizia recentemente que "só o professor que faz investigação científica demonstra a sua superioridade intelectual em relação à média dos seus alunos", implicitamente reconhecia a superioridade intelectual dos estudantes mais qualificados em relação à média dos seus professores.

E António Monteiro insistiu:

"Num país como a França, em que, no campo das ciências matemáticas, os trabalhos decisivos na carreira de um investigador são realizados entre 20 e 25 anos, um professor como Maurice Fréchet, que fundou a Análise Geral por essa idade, não pode pensar de outra maneira.

Da atitude da juventude estudiosa, principalmente, nas escolas superiores, depende em grande parte a probabilidade de se criarem Clubes de Matemática. No ensino secundário parece-me que é da parte dos professores que deve partir a iniciativa.

Em qualquer hipótese, é preciso não esquecer que os estudantes é que devem ter o papel mais activo dentro do Clube. O professor deve desempenhar o papel de um orientador, com um largo espírito de compreensão perante o espírito de iniciativa da juventude."

Depois de apontar várias formas de actuação dos Clubes Americanos para despertar o entusiasmo pelo estudo da Matemática, aludiu ao hábito de os clubes realizarem festas de fim de ano (consistindo de uma representação de uma peça de carácter matemático, um pic-nic ou um jantar) em que se faz um balanço do clube, projectos de actividade para o ano seguinte, se procede a uma distribuição de prémios aos estudantes que mais se distinguiram e em que todos cantam a canção do clube, Monteiro escreveu:

"Isto é possível com aqueles professores que, quando se encontram diante de uma classe liceal que boceja perante as suas lições sobre a simetria das figuras, levam os alunos para o campo ou para o jardim para observarem, nas árvores ou nas flores, exemplos de simetria, que os levam a visitar monumentos para observarem novos exemplos de simetria e que voltam à aula com uma classe galvanizada e que pensam com razão em face dos resultados obtidos que o tempo gasto nos passeios não foi tempo perdido, porque uma classe não é um vasadouro para despejar um programa! Se o novo ensino da matemática precisa de uma grande remodelação, há uma coisa que é certa, precisamos de um ensino liceal menos catedrático e de um ensino universitário menos elementar."

E Monteiro conclui:

"A criação de Clubes de Matemática é susceptível de corrigir estas duas deficiências. Os estudantes e professores interessados têm o futuro nas suas próprias mãos."

Manda a verdade que se diga que não era tão fácil como se poderia inferir do artigo de António Monteiro, para um professor do ensino secundário ou primário, a meio de uma aula, sair com os seus alunos para o campo, observar as árvores e as flores e regressar, em seguida, à aula, para sistematizar ou reflectir com os seus alunos sobre as observações feitas. Para que isso, tão natural, fosse fácil de fazer, era necessário que o exercício de algumas liberdades cívicas fosse garantido, o que, como se sabe, não acontecia nessa altura. Vivia-se um tempo em que o chamado Ministério da Educação se sentia à vontade para expedir circulares proibindo os professores de terem iniciativas, se sentia à vontade para fechar escolas de formação de professores, se sentia à vontade para perseguir, mandar prender e demitir professores que defendiam as liberdades democráticas.

E, num tal clima, não era fácil ...


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