Quando o rei D. Dinis, em 1290, fundou a Universidade, as Ciências Matemáticas não foram incluídas no conjunto das Ciências a serem leccionadas na Universidade ([66], pp. 11-12).
Garção Stockler, autor do célebre "Ensaio Histórico sobre a origem e progressos das Matemáticas em Portugal", conta que
"A atenção deste grande Rei, não sendo como a de seus predecessores distraída pelos cuidados da guerra, se fixou sobre a administração interna dos seus domínios. Ele começou a proteger as artes e as ciências, e, ajudado generosamente dos prelados do reino, os quais com zelo nunca assaz louvado ofereceram as rendas de algumas de suas igrejas, para se converterem em ordenados de mestres, que pública e regularmente ensinassem as ciências aos Portugueses, estabeleceu em o ano de 1290 a Universidade de Lisboa, que dezoito anos depois transferiu para Coimbra.
Mas como as utilidades de cada uma das ciências não fossem então igualmente notórias, nesta primeira fundação se não estabeleceram também cadeiras para o ensino de todas. As matemáticas do número das excluídas foram, apesar de já naquele século começarem a reverdecer na Europa, e principalmente na corte de Afonso X, Rei de Castela, denominado o Sábio, que eficazmente as protegeu e animou nos seus Estados, sem se poupar a despesas nem desvelos, do que serão perpétuo testemunho as taboadas astronómicas compostas por seu mandado, e que do seu nome se ficaram chamando Afonsinas."
Após as investigações que fez, Garção Stockler chegou à convicção de que, ainda no ano de 1503 não havia na Universidade uma única cadeira de Matemática. Só em 1518, é que D. Manuel I criou uma cadeira, não propriamente de Matemática, mas de Astronomia.
Antes de Pedro Nunes, a Matemática que se estudava, visava quase exclusivamente aplicações à Astronomia e a Astronomia que se estudava visava quase exclusivamente aplicações à Navegação.
Com a decadência da Navegação, decaíram também os estudos matemáticos.
Depois de Pedro Nunes, largos períodos houve em que a Matemática não foi ensinada na Universidade. Por exemplo, após a jubilação de Pedro Nunes, passaram-se cerca de 30 anos sem que fosse nomeado novo lente de Matemática. Foi depois nomeado André de Avelar, que era naturalmente o mais indicado para o lugar, mas era de nível muito inferior ao de Pedro Nunes.
Os estudos matemáticos ressentiram-se do facto de, durante tanto tempo, apenas se ter em vista uma ou outra aplicação.
Ora, uma visão meramente utilitarista da Matemática prejudica o seu desenvolvimento. Sem perder de vista as suas aplicações, a Matemática precisa de ser estudada pelos seus próprios méritos.
Como se sabe, André de Avelar foi duramente perseguido pela Inquisição, que o condenou a cárcere perpétuo quando ele já tinha 76 anos. Os seus dois filhos e as suas quatro filhas foram também perseguidos e encarcerados pela Inquisição ([1], pp. 121-136).
Pedro Nunes não foi perseguido pela Inquisição, mas seus netos Matias Pereira e Pedro Nunes Pereira foram presos, torturados e condenados, o primeiro em oito anos de cárcere e o segundo em mais de oito anos ([19], pp. 137-139).
A Inquisição em Portugal foi especialmente violenta, e tanto, que Gomes Teixeira, católico fervoroso, chegou a afirmar que, se Galileu tivesse sido julgado pela Inquisição portuguesa, então o seu castigo "seria talvez mais duro" ([70], p. 201).
E Gomes Teixeira explica porquê:
" Os Pontífices Romanos reprovavam os excessos das Inquisições e, em Itália, eram ouvidos; mas na Ibéria, longe de Roma, não eram escutados e as Inquisições continuavam sempre na sua carreira lúgubre de perseguições e crimes."
Também Raul Rêgo, no seu livro "Os índices expurgatórios e a cultura portuguesa", por várias vezes sublinha e documenta o facto de que a censura inquisitorial era nitidamente mais severa em Portugal do que noutros países, inclusivamente em Espanha.
O surto de actualização decorrente da reforma pombalina da Universidade de Coimbra contribuiu muito para diminuir o nosso isolamento científico. Como conta Gomes Teixeira ([70], p. 234),
"Pouco tempo depois, já em Portugal se ensinavam doutrinas de Newton, MacLaurin, d'Alembert, Euler, Lagrange, Laplace, etc., e sobre elas se escreviam memórias. Ia-se nas Matemáticas atrás dos outros países, porque se chegara mais tarde, mas não se ia tão atrasado como era de esperar em quem chegava tão tarde."
Gomes Teixeira não deixa, no entanto, de apontar que ([70], p. 234)
"Em um facto, porém, se sentiu na Universidade a falta do Marquês de Pombal. À sua Faculdade de Matemática foi roubado, pela Inquisição, Anastácio da Cunha que, iniquamente condenado, nunca mais lhe foi restituído."
E no "Elogio Histórico do Doutor José Anastácio da Cunha" ([69], p. 124), Gomes Teixeira declara:
"Esta condenação é mais um exemplo a ajuntar às manifestações de um estreito espírito sectarista, religioso ou político, reaccionário ou radical, que em todos os tempos e sob as formas mais variadas, tem afligido e desonrado a Humanidade."
Os efeitos da reforma pombalina da Universidade reflectiram-se positivamente na actividade científica portuguesa, mesmo depois da morte de D. José I e do afastamento do Marquês de Pombal das funções governativas.
Como escreveu Gomes Texeira ([70], p. 267-268),
"O impulso dado pelo Marquês de Pombal no século XVIII à instrução pública portuguesa com a reforma dos estudos fôra, porém, tão enérgico, que continuou a exercer a sua acção benéfica nos primeiros anos do século XIX, enquanto viveram os sábios educados naquele século; mas, depois veio a decadência científica, que só terminou quando terminaram as agitações que a causaram."
E Gomes Teixeira prossegue:
"As Memórias da Academia das Ciências de Lisboa revelam bem esta decadência, pois que, percorrendo-as, vê-se nos primeiros volumes riqueza de trabalhos que satisfaz, e depois, a aumentar, de volume a volume, uma pobreza que desconsola. Além disso, a publicação destas Memórias esteve interrompida de 1800 até 1814."
Certamente por isso, pela decadência assinalada no nível dos trabalhos da Academia, Vitorino Magalhães Godinho, no seu livro intitulado "Do Ofício e da Cidadania", recentemente publicado, declara que ainda hoje pensa, ([15], p. 39),
"que no nosso país as academias são instituições obsoletas e que não contribuem em nada ou muito pouco para o desenvolvimento da cultura portuguesa. A Academia das Ciências contribuiu no século XVIII e mesmo parte do século XIX. Mas, depois, afastou-se do cerne das aspirações do povo português e, portanto, eu não podia deixar, desde os começos das minhas actividades, de estar fora das culturas oficiais."
Alexandre Herculano, no seu trabalho Da Escola Politécnica e do Colégio dos Nobres, em 1841, faz uma análise do que tinha sido a instrução nacional nas épocas Joanina e Manuelina e conclui que ([33], p. 57)
"Não era, pois, entre nós a matemática mais que uma enxertia, uma excepção ou, antes, uma aberração das tendências literárias do país".
E mais adiante, referindo-se à criação do Instituto de Ciências Físicas e Matemáticas, em 1835, por Rodrigo da Fonseca Magalhães e aos ataques de que este estadista foi alvo por parte daqueles que se opunham à criação do Instituto, Herculano escreveu ([33], pp. 60-61):
"Quanta ignorância, quanto pedantismo, quanto medo de civilização havia por almas curtas e rasteiras; quanta preguiça, quanta incapacidade havia por nossa terra, tudo gemeu, gritou e grasnou insultos, ponderações, reflexões eruditas, argumentadas, soporíferas.
(...) Não houve remédio, a campa caiu sobre a física, a química, a botânica, a matemática, a astronomia (...)."
Rómulo de Carvalho, no seu livro História do Ensino em Portugal, diz mesmo que ([5], p. 554)
"Parece ter sido a criação deste Instituto de Ciências Físicas e Matemáticas a causa da queda ministerial de Rodrigo da Fonseca, que teria com isso desagradado aos mestres universitários de Coimbra, ciosos da perda de monopolização de tudo quanto respeitasse ao ensino superior."
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