Não se perdeu a lição de Monteiro

As palavras oportunas e, sem dúvida, apaixonadas de António Monteiro, as suas iniciativas em prol da investigação matemática e o seu exemplo como militante da Matemática não se perderam.

De facto, em 1945, foi atribuído, pela primeira vez, o Prémio Nacional Doutor Francisco Gomes Teixeira, sendo o premiado, como já referimos, o estudante do 4(o) ano de Licenciatura em Ciências Matemáticas, da Faculdade de Ciências do Porto, Fernando Soares David, que concorreu com o trabalho "Sobre a comutabilidade dos Operadores com Espectros Contínuos".

Em 1946, realizou Alfredo Pereira Gomes o seu doutoramento, com a tese "Introdução ao estudo duma noção de funcional em espaços sem pontos", uma tese integrada nas correntes vitais do pensamento matemático moderno, como dizia António Monteiro.

A tese foi publicada na Portugaliae Mathematica, vol. 5 (1946), pp. 1-120 e mereceu uma recensão de E.R. Lorch especialmente longa, em Mathematical Reviews, vol. 8 (1947), pp. 275-276.

Ruy Luís Gomes, que foi arguente da tese, escreveu uma recensão para a Gazeta de Matemática (n(o) 30 (1946), pp. 25-27), onde alude à afirmação de René Baire, em 1904, contida no Prefácio de Leçons sur les Fonctions Discontinues:

"il est alors légitime de rechercher s'il n'est pas possible, en remontant aux définitions premières, d'en tirer des conséquences intéressantes tout en leur conservant autant que possible leur généralité. On peut aussi se proposer de constituer, à côté de l'analyse courante, une autre branche de l'Analyse."

E Ruy Luís Gomes exprime a ideia de que Baire, ao fazer esta afirmação,

"mal podia imaginar o ponto em que hoje nos encontramos. Na verdade, a Algebra Moderna e a Análise Geral, demonstram pelos resultados que encerram a viabilidade do programa anunciado por Baire e a fecundidade, o alcance do processo de algebrização a que há pouco aludimos.

E o trabalho do Dr. A. Pereira Gomes, de que pretendemos dar uma notícia nesta revista, enquadra-se nessa linha geral e vem confirmar que os investigadores portugueses se encontram no bom caminho, como de resto foi acentuado recentemente pelo matemático francês A. Denjoy, a propósito do último fascículo da "Portugaliae Mathematica."

Referindo-se especialmente ao último capítulo da tese, dedicado às propriedades topológicas das funcionais (noção de limite superior e limite inferior, semi-continuidade, continuidade, descontinuidade, classes de Borel, classes de Baire), Ruy Luís Gomes declara:

"Este capítulo, só por si, honra o autor e demonstra que as largas possibilidades que se abrem à nossa juventude, no campo da matemática moderna, se não lhe faltarem os meios de acesso aos bons Centros de Estudo e o convívio com verdadeiros Mestres."

Em 1947, como já referimos, o Prémio Nacional Doutor Francisco Gomes Teixeira foi atribuído ao estudante do Curso de Matemática da Faculdade de Ciências de Lisboa, Fernando Roldão Dias Agudo, pelo seu trabalho "Sobre um Teorema de Kakeya".

O mesmo número da Gazeta de Matemática que noticiava o doutoramento de Alfredo Pereira Gomes, na Universidade do Porto, noticiava também o doutoramento, na Escola Politécnica Federal de Zurique, em 1946, de Hugo Ribeiro, o mais próximo colaborador de António Ribeiro no Seminário de Análise Geral e nas primeiras actividades desenvolvidas no Centro de Estudos Matemáticos de Lisboa.

A tese de Hugo Ribeiro, "Lattices" des groupes abéliens finis, teve como referentes os Professores Paul Bernays e Heinz Hopf e foi posteriormente publicada na revista Commentarii Mathematici Helvetici, vol. 23 (1949), pp. 1-17 (Mathematical Reviews, vol. 11 (1950), p. 7).

Quando, em 1942, foi para Zurique, como bolseiro do Instituto para a Alta Cultura, já Hugo Ribeiro tinha publicado ou entregue para publicação, nove artigos na Portugaliae Mathematica e alguns outros, de divulgação, na Gazeta de Matemática.

Enquanto esteve em Zurique, juntamente com sua esposa, Maria Pilar Ribeiro, tanto um como outro, sempre se sentiram comprometidos com o fortalecimento do movimento matemático português, enviando colaboração para a Gazeta de Matemática, especialmente, informações sobre o ensino da Matemática na Suiça, e conseguindo novos colaboradores para a Gazeta e para a Portugaliae.

Ainda o mesmo número da Gazeta de Matemática dava notícias do doutoramento, em 1946 e na mesma Escola de Zurique, do físico Armando Gibert, com a tese Effet de la température sur la diffusion neutron-proton. Armando Gibert também participou no Seminário de Análise Geral, colaborou com Hugo Ribeiro num Trabalho de Topologia, Quelques propriétés des espaces (Cf), publicado na Portugaliae Mathematica (vol. 2 (1941), pp. 110-120, Mathematical Reviews, vol. 3 (1942), p. 56) e colaborou com António Monteiro num outro trabalho "Os conjuntos mutuamente conexos e os fundamentos da topologia integral", (Las Ciencias, ano 7, n(o) 2 (1940)).

A sua tese foi publicada na revista Helvetica Physica Acta.

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Os exemplos que acabámos de apontar são, em nosso entender, suficientes para podermos concluir que a lição de António Monteiro não foi esquecida.

Mas falta ainda mencionar um caso, um caso muito importante, o caso de Sebastião e Silva, que, como anteriormente referimos, foi dos mais activos colaboradores do Centro de Estudos Matemáticos de Lisboa e realizou uma obra de investigação, de divulgação e de preparação de professores para o ensino superior e para o ensino secundário, de tal grandeza, que António Monteiro veio a considerá-lo como o maior matemático português.

No penúltimo artigo que Hugo Ribeiro publicou na Portugaliae, Actuação de António Aniceto Monteiro em Lisboa, entre 1939 e 1942, dedicado à sua memória, caracteriza-se a situação das Matemáticas antes da actuação de Monteiro, pelas seguintes palavras:

"Com uma ou outra excepção, a Matemática (pura) não era cultivada em Portugal e, assim, as escolas superiores limitavam-se a preparar professores das escolas secundárias, ou técnicos e cientistas que porventura a utilizariam. Foi nesta atmosfera, enormemente agravada pela opressão da ditadura e as guerras, civil de Espanha e na Europa, que Monteiro, não participante do ensino oficial, fez entrar uma lufada de ar fresco impulsionando decididamente a Matemática neste país."

E o artigo termina, dizendo que

"Em 1942, um de nós foi para Zurique e, pouco depois, três outros para Roma. De fora das escolas, as portas para o futuro da Matemática em Portugal tinham sido, decidida e largamente, abertas pelos esforços, dedicação e coragem de António Monteiro. Mais tarde, decerto com melhores oportunidades, um de nós, José Sebastião e Silva, pôde manter aqui uma brisa desse ar fresco que 40 anos depois, ainda podemos respirar."

(Port. Math., vol. 39 (1980), pp. V-VII).

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No artigo que publicou na Portugaliae Mathematica, à memória de António Monteiro, intitulado O regresso de António Monteiro a Portugal, de 1977 a 1979, Alfredo Pereira Gomes recorda momentos de convívio que com ele manteve, no período de dois anos que Monteiro passou em Portugal, após 32 anos de ausência! Recorda também passagens de algumas das cartas que Monteiro lhe enviou, por exemplo:

"Em carta que nos dirigiu em 31 de Maiio de 1979, encara a perspectiva de voltar a Portugal, embora com hesitações. Menciona um período de doença aguda ultrapassada, para acrescentar: "Comecei de novo a levantar-me às 4 ou 5 da manhã para trabalhar. São tão lindos os temas sobre os quais estou trabalhando, que não quero perder tempo."

E descreve-os pormenorizadamente em 4 páginas de letra cerrada.

Recorda ainda outras cartas, nomeadamente a carta de 17 de Setembro de 1980, mês e meio antes de falecer.

E no final do seu artigo, Alfredo Pereira Gomes conclui:

"Comovidamente pensamos que, não fôra a sua saúde muito precária, ele teria regressado à terra da sua juventude, onde as suas iniciativas constituiram, e permanecem, as linhas mestras do desenvolvimento matemático deste país."

Isto significa naturalmente que, também na opinião de Pereira Gomes, não se perdeu a lição de Monteiro.


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