Sobre o Movimento e o paradoxo de zenÃo

 

                        Eudes Antonio da Costa

UFT/Arraias. eudes@uft.edu.br

 

 “Um arqueiro está distante 2 metros do alvo. Admita que a flecha ao ser lançada percorra sempre a metade do caminho restante. A flecha alcançara o alvo?”

 

 

                        Quantos pontos existem entre o A(0) e o B(2)?  Há infinitos pontos?

 

            Usando do “conceito” de soma dos infinitos termos da PG podemos “somar” estas parcelas infinitas, sem a necessidade de um tempo infinito.

            A soma dos infinitos termos da PG (1, 1/2, 1/4, 1/8, 1/16,... ) é .

Zenão estava errado em pensar que o movimento era irracional?

 

 

1-INTRODUÇÃO

 

“O que se move deve sempre alcançar o ponto médio antes do ponto final” (Zenão de Eléia – Os Pensadores)

 

            Alguns Paradoxos têm desafiado e estimulado a razão humana ao logo dos tempos, entre eles, o Paradoxo de Zenão, filósofo grego de Eléia. Esse paradoxo é um problema às próprias bases do conhecimento, com implicações na física e na matemática; é um convite eterno à reflexão; pois a sua formulação permite-nos pensar sobre o infinito, o tempo, o movimento, o conhecimento, o número, o contínuo, a reta etc.

 

2- CONTEXTUALIZAÇÃO

 

                        Nossa tentativa será formular/interpretar este paradoxo matematicamente: geometria euclidiana e por progressões geométricas (PG), conteúdos do ensino fundamental e médio.

Pretendemos com isso mostrar que a matemática é, também, uma tentativa de resolução aos problemas humanos. E ainda, situar o argumento (paradoxo) de Zenão a uma linguagem matemática do professor/aluno do ensino fundamental e médio.

 

“Um arqueiro está distante 2 metros do alvo. Admita que a flecha ao ser lançada percorra sempre a metade do caminho restante. A flecha alcançara o alvo?”[1]

 

 

Faz-se necessário uma discussão da aporia[2] em sala de aula, para que todos entendam a formulação do aporia e o surgimento do paradoxo.                                    

           

 

3-O que é um Paradoxo?

 

            Normalmente associamos a paradoxo:  aquilo que não tem solução, algo confuso, algo contrário ao nosso bom-senso,  contrário aos nossos conhecimentos anteriores.

 

 Paradoxo: “Conceito que é ou parece contrário a comum, contra-senso, disparate, absurdo. Contradição, pelo menos na aparência” (Dicionário Aurélio, 1988).

 

Paradoxo: “Afirmação que vai de encontro a sistemas ou pressupostos que se impuseram, como incontestáveis ao pensamento” (Abbagnano, 1963)

           

Paradoxo é uma formulação reflexiva, da razão, contrária a um sistema ou a um conhecimento tido como verdadeiro (estabelecido). Logo, um paradoxo parece um absurdo, ou leva-nos a um absurdo. O paradoxo está na formulação do mesmo, de acordo com uma tese aceita ou estabelecida e contrária a ela, ou que, aceitando a tese (ou sistema) chegamos a um absurdo. Surgindo de uma reflexão, o paradoxo origina-se na sua formulação, na maneira com que foi enunciada; se mudássemos a formulação, já não se apresentaria como um paradoxo.

No nosso casso, basta que, afirmássemos que um corpo saindo de A em direção a B deva sempre percorrer espaços contínuos, por exemplo, avançar sempre dois centímetros. Isto não nos levaria a uma contradição, bem como não nos levaria a pensar sobre o infinito, o tempo, o movimento, o conhecimento; outra maneira de resolver um paradoxo é recorrer a um outro sistema, resolvendo-o tal como foi enunciado.

Faremos uma análise desse paradoxo (filosoficamente e matematicamente), procurando desvanecê-lo, torná-lo claro, apontar soluções (matematicamente), mas não resolvê-lo em definitivo.

 

 

4- Os Pitagóricos, Parmênides e Heráclito

 

Como vimos o paradoxo nasce na sua formulação. Analisemos o contexto em que Zenão formulou suas aporias, quais eram os sistemas aceitos, pois o paradoxo é contrário a estes sistemas, ou o paradoxo se apresentará contrário a estes sistemas.

Pitágoras de Samos (580/78-497/6 a.C.) é fundador de uma escola “mística”. As idéias pitagóricas apoiavam-se na multiplicidade e na mudança, e ainda, acreditavam que o sagrado mistério da ciência tem o seu centro nas matemáticas. Os números são entes (elementos imutáveis da natureza) e ocupam um lugar. Apregoavam que as coisas[3] são compostas de números, isto é, feitas de unidades discretas como os pontos; o número é a essência de todas as coisas. Na Teoria dos números ou teoria da medida de grandezas eles atribuíam uma dimensão e uma unidade de medida chamada mônada, para o que eles consideravam ser o menor segmento. Daí um segmento (finito) pode ser subdividido num número infinito de pequenos segmentos, cada um deles com um comprimento finito (uma mônada). Para os Pitagóricos o espaço era composto por pontos e o tempo por instantes, sendo possível dividir infinitamente, pela teoria das mônadas, com a propriedade de “continuidade”. 

Parmênides (cerca de 530-460 a.C.), acreditava que a razão só reconhece o ser absoluto, sendo toda mudança aparente; então apresenta dois caminhos para a apreciação da realidade: o caminho  da ciência, do pensamento, da verdade; e o caminho da opinião, das aparências. O caminho da verdade nos mostra que há uma identidade entre o ser e o pensamento.  Já o não ser é impensável. Portanto o ser é imóvel, o movimento é a negação do ser.

            Heráclito (cerca de 450-380 a.C.), assim como os pitagóricos, apoiava-se na mudança e afirmava: o que existe é o movimento, a negação do ser, o nada.  O ser é inseparável do movimento contínuo; não há repouso senão com a mudança.

 

5- ZENÃO DE ELÉIA

 

Zenão de Eléia (aproximadamente 464 a.C), que fora discípulo de Parmênides, tentando corroborar a tese de que o movimento é um absurdo (racionalmente). Tenta mostrar que aceitando a tese da escola pitagórica que admitia a existência das mônadas, e de Heráclito que afirmava que só existe o movimento era possível provar que o movimento é impensável, formulando o seguinte raciocínio:

 

“Se existe o menor segmento que mede uma mônada, então podemos tomar dois desses segmentos, apoiados numa mesma reta e muito próximos um do outro; tão próximo quanto se queira, porém que não se toquem e deixe entre si um pequeno intervalo. Ora, como o segmento que mede uma mônada é o menor que existe, então nesse intervalo cabe um deles (pelo menos) e não esgota o intervalo todo, porque ele é o menor; e deixa então dois outros intervalos bem pequeninos, nos quais certamente caberão dois segmentos que medem uma mônada cada (pois a mônada é o menor segmento); neste caso, essas duas mônadas intercaladas vão deixar quatro intervalos, nos quais caberão quatro mônadas, que pelo fato não esgotarem cada intervalo deixarão a seguir oito intervalos... e assim por diante... “ (PIERRO NETO, 1995)

           

            a impossibilidade do movimento é deduzida do fato de que o móvel transportado deve chegar                                    primeiro à metade antes de alcançar o termo.”

            o mais lento na corrida jamais será alcançado pelo mais rápido; pois o que persegue deve                                  sempre começar por atingir o ponto donde partiu o que foge.” (Os Pré-Socráticos, 1985)

           

As aporias de Zenão entravam em conflito com algumas concepções intuitivas sobre o infinitamente pequeno, bem como, apontava contradições existentes nos conceitos de movimento, espaço e tempo. Assim nasce o paradoxo.

A problemática em questão procura invalidar a experiência sensível, embora se apoiando nessa mesma experiência. Afirma-se a impossibilidade do movimento - da mudança- pois, por mais próximo que seja o móvel, em um ponto qualquer, sempre terá que atravessar a metade, depois a metade dessa metade e assim por diante, sem parar, até que se possa chegar ao ponto desejado que por este caminho seja impossível.

Apesar da discordância entre a experiência sensível e a aparente força do argumento, o pensamento de Zenão teve um resultado positivo, pois obrigou a uma nova revisão crítica de conceitos fundamentais, tais como: o infinito, contínuo, número, reta, tempo e movimento.

 

6- A MATEMÁTICA

           

            Euclides de Alexandria (aproximadamente 300 a.C.), teria estudado na academia de Platão e foi fundador, diretor e professor da Escola de Matemática de Alexandria. Sua fama repousa principalmente sobre a obra os Elementos pelo fato que nenhum vestígio restou de esforços anteriores. Os Elementos aparentam ser um tratado de Geometria. Euclides reuniu nesta obra todo conhecimento pré-existente sobre geometria plana elementar, teoria dos números, grandezas incomensuráveis e geometria espacial.

Euclides (1944) diz que “ponto é o que não tem partes, ou o que não tem grandeza alguma” assim admite que ponto seja um ente geométrico primitivo, e não um segmento (o menor segmento), como admitiam os pitagóricos. No entanto a “sua geometria” não foi capaz de resolver tal problema, devido a dificuldade em explicar “que uma reta é composta por infinitos pontos”.

            Imaginemos quantos pontos existem entre o A e B. Euclideanamente entendemos que há infinitos pontos.  Dados dois pontos, partindo do ponto A(0) para atingir o ponto B(2), antes temos que atingir C, ponto médio de AB, e partindo de C para atingir B existe um ponto D, ponto médio de CB, e assim sucessivamente.

 

 

            Geometricamente, nunca chegaremos ao ponto B, veja: saindo do ponto 0 em direção ao ponto 2, temos que primeiro passar pelo ponto 1(metade do espaço 0-2), depois pelo ponto 1/2(metade do espaço 1-2), 1/4(metade...), 1/8 (metade...), 1/16(metade...).

            Veja que , , , , ,... , e assim temos, , , , . E assim, infinitamente, seja qual for o espaço a mais percorrido, sempre será menor que 2. Precisaríamos de um tempo infinito para realizar esta soma, o que é impossível, por este método. Este fato mostra a dificuldade em explicar na Geometria Euclidiana (e utilizar em eventos físicos, tais como o movimento e o tempo), que uma reta é ‘composta’ por infinitos pontos.

            Agora, usando do “conceito” de somas dos infinitos termos[4] de progressões geométricas podemos somar matematicamente estas parcelas infinitas, sem a necessidade de um tempo infinito.

            Calculemos a soma dos infinitos termos da PG (1, 1/2, 1/4, 1/8, 1/16,...), sendo ,  e sabendo que a soma dos infinitos termos dessa PG é  temos .

            Ou ainda, faça e multiplique ambos os membros da equação por 2, ou  e .    

            Mesmo que as distâncias fossem sendo diminuídas, haveria uma infinidade de pequenos trechos a serem cobertos e eles jamais chegaria ao objetivo. O paradoxo pressupunha que a soma de uma infinidade de pequenas distâncias deveria ser infinita (ou que o tempo de percurso seria infinito) e aí está o erro. Quando descobriram séries infinitas cujas somas convergem para valores finitos, o paradoxo perdeu a força, pois não é necessário um tempo infinito para realizar a soma de infinitas parcelas.

                       

                        o desenvolvimento de noções relacionadas com infinitésimos e infinitos e processos somatórios que só foram esclarecidos de vez com a invenção do cálculo nos tempos modernos. Os paradoxos de Zenão, (...) inserem-se nesta (...) linha de desenvolvimento”. ( Eves, 2004)

 

7- CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Hoje, usando da matemática temos condições de mostrar que Zenão estava errado em pensar que o movimento era irracional a partir das aporias. E estas aporias conduziram a absurdos que, por vários séculos, levaram a afirmar que aceitos os sistemas heracliteano e pitagórico as aporias conduziam a um paradoxo ( sem solução). No entanto, basta recorrer a outros sistemas, no caso o matemático, para se encontrar tal solução. Não queremos negar a importância que Zenão teve (e tem) em formular tais aporias; pretendemos apenas elucidar a importância que teve seus paradoxos; sem dúvida, Zenão é um personagem ímpar na história e na consolidação do pensamento ocidental, pois foram tais aporias que possibilitou pensar melhor o movimento, o infinito etc.

Como o paradoxo nega contradições intuitivas, comum ainda hoje na maioria dos nossos alunos, a leitura e a discussão do mesmo tem um aspecto positivo, fazem com que os alunos percebam algumas contradições em seus argumentos.

Trabalhando com alguns paradoxos nas aulas de matemática percebi que alunos deixaram de ver a matemática como algo mágico e sem utilidade (matemágica). Reforço sempre que a matemática é a uma forma histórica de resolver problemas humanos, isto é, a matemática é algo necessário e concreto e não desvinculado da realidade, como pensa a maioria dos alunos. Com isso tento tornar a matemática mais atrativa para os alunos.

 

                        “A matemática é uma grande aventura nas idéias; a sua história reflete alguns dos mais nobres                           pensamentos de inúmeras gerações.” (Struik, 1992).

 

8- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

1-                 ABBAGNANO, Nicola.  DICIONÁRIO DE FILOSOFIA.  Fundo de cultura econômica. México. 1963.

 

2-                 ÁVILA, Geraldo.  AS SÉRIES INFINITAS. In: REVISTA DO PROFESSOR DE MATEMÁTICA - 3O. SBM. São Paulo. 1996.

 

3-                 Boyer, Carl B. História da matemática. São Paulo. 1974.

 

4-                 Euclides. elementos de geometria. Série Científica. Edições Cultura. São Paulo. 1944.

 

5-                 EVES, Howard.  INTRODUÇÃO À HISTÓRIA DA MATEMÁTICA. Editora da Unicamp. Campinas-SP. 2004.

 

6-                 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. NOVO DICIONÁRIO DA LÍNGUA PORTUGUESA. (1º edição, 10º impressão) Editora Nova Fronteira. Rio de Janeiro. 1988.

 

7-                 OS PRÉ-SOCRÁTICOS. Coleção Os Pensadores. 2 ed. Abril Cultural. São Paulo. 1976.

 

8-                 Pierro Netto, Scipione di. Matemática Conceitos e Histórias. série. Editora Scipione. São Paulo. 1995.

 

9-                 Struik, Dirk J. A história concisa das matemáticas. Gradiva. Lisboa-  Portugal. 1992.



[1] “Antes que um objeto possa percorrer uma distância dada, deve percorrer a primeira metade dessa distância.” (Boyer, 1974).

[2] Aporia: “Dificuldade, de ordem racional, que parece decorrer exclusivamente de um raciocínio ou do conteúdo dele. Conflito entre opiniões, contrária e igualmente concludentes, em resposta a uma mesma questão.” (Dicionário Aurélio, 1988)

[3] Coisa: res em grego, realidade.

[4] Veja (Ávila, 1996).