NONIUS
nº10 ISSN 0870-7669 Março de 1988
Folha Informativa do Projecto "Computação no Ensino da Matemática"

as calculadoras são autorizadas nos exames do ensino secundário
(em França)

Neste momento está a vigorar em França a seguinte circular relativa à utilização de calculadoras em todos os exames organizados pelo Ministério da Educação francês (e portanto não apenas no "baccalauréat" ou "bac" - o equivalente ao exame do 12º ano):

"São autorizadas nos exames da educação nacional as calculadoras programáveis ou não, alfanuméricas ou não, desde que:

• a alimentação eléctrica seja autónoma,

• a superfície de base seja inferior a 15x 21 cm,

não se utilize impressora.

Contudo, o uso da calculadora poderá ser interdito para certas provas; acontecerá o mesmo então para todos os instrumentos de cálculo"

Esta circular está em vigor desde Julho de 1986, em substituição de um outra que vigorava desde 1979, e que teve de ser substituida por não ser suficientemente objectiva e levar portanto a inúmeras reclamações. Talvez os leitores do "nonius" fiquem um pouco supreendidos com esta circular; se nos enviarem as vossas reflexões teremos muito gosto em as publicar. Para tentar dar uma ideia de quais as razões que levaram os responsáveis pelo ensino em França a elaborar esta circular, apresentamos de seguida a tradução de uma entrevista com um desses responsáveis, Daniel Reisz, que foi publicada no nº1 da revista francesa "Tangente", de 1987.

"Pergunta: Com o texto actual, quase todas as calculadoras de bolso são autorizadas nos exames. Como é que se chegou aqui?

Resposta: Quando começámos a reflectir no problema, duas posições extremas eram possíveis. Proibese tudo: mas tal teria parecido um virar de costas ao mundo moderno e à tecnologia. Autoriza-se tudo: é quase isso, evitando apesar de tudo máquinas demasiado sofisticadas.

Pergunta: Não se poderia ter tentado traçar um fronteira entre as capacidades autorizadas e as outras?

Resposta: É evidente que nunca se conseguirá definir uma fronteira simples com este tipo de tecnologia: poderá funcionar num dado momento, mas de seguida os construtores vão jogar com esta fronteira. Por um lado seria um quebra-cabeças para os vigilantes de cada sala: é preciso que eles possam determinar fácil e rapidamente se uma máquina está conforme à regulamentação. No que diz respeito aos periféricos (módulos, "cassettes" e cartões) o pequeno tamanho destes objectos torna ilusório qualquer controlo numa sala de exame.

Pergunta: Portanto no decurso de uma prova aonde as calculadoras são utilizadas, o candidato pode, antes da prova, pôr em memória tudo o que quiser e não se pode obrigá-lo a apagar as suas memórias?

Resposta: É isso. Talvez não seja em matemática que tal põe mais problemas, nem mesmo em física, mas em química, aonde a memória joga um papel maior!

Pergunta: Tomemos como exemplo uma máquina que traça curvas num pequeno ecran: o traçado de uma curva é inevitável no "bac"...

Resposta: Pode resolver-se esse problema adaptando as provas, dando por exemplo a curva no enunciado.

Pergunta: Bom, mas as possibilidades das calculadoras não terminam aí: vêem-se agora algumas que desenvolvem expressões simbólicas, calculam derivadas, primitivas...

Resposta: Sim, mas chega-se a uma situação um pouco paradoxal: o aluno deverá apesar de tudo aprender a utilização dessas noções, e se utiliza tais calculadoras, deverá cada vez mais aprender o seu funcionamento, o que exige uma real competência técnica para essas máquinas. Trabalho suplementar sem contar, no dia do exame, com o tempo de elaboração de um programa! Enquanto que finalmente, o que é pedido ao candidato no dia do exame é bem modesto. De facto, não é necessariamente a máquina mais cara que será a mais útil. Uma calculadora programável das mais simples, ou digamos, média, apresentará, sem dúvida, a melhor relação qualidade/preço!

Pergunta: Apesar de tudo existirão sempre máquinas mais caras que conseguirão fazer mais coisas. Não existirá aqui uma desigualdade entre os candidatos causada pelo dinheiro?

Resposta: Sim, isso poderá constituir um problema, no caso em que tais máquinas favoreçam verdadeiramente os seus detentores. Volto ao mesmo: os enunciados deverão ser concebidos pensando nisso. São os enunciados que devem fazer com que a máquina mais útil não seja a mais cara. Haverá outras alterações a fazer. Por exemplo, analisando o problema das memórias, autorisámos este ano, para assegurar a igualdade dos candidatos, os formulários escritos em certos exames. Não nos opomos a que o mesmo aconteça no "bac". Aí ainda, o mais importante não é a fórmula mas o saber servir-se dela. No fundo, tudo isso não é mau, isso aproxima uma prova de exame de um trabalho profissional. A calculadora deverá servir pelo menos para calcular, verificar, testar, tudo excelentes reflexos que todos desejam desenvolver. Há ainda o factor psicológico: o simples facto de se aperceber que não se cometeu nenhum erro num dia de exame é considerável.

Pergunta: A existência e o fantástico desenvolvimento destes materiais produz uma transformação em profundidade na prática da matemática, e mesmo ao nível da investigação. Neste contexto, o ensino da matemática evoluirá?

Resposta: Evolui e deve evoluir bastante. É um problema muito mais vasto do que a regulamentação dos exames!

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