nº8
ISSN 0870-7669 Janeiro
de 1988
Folha Informativa
do Projecto "Computação no Ensino da Matemática"
NOTAS DE LEITURA
(por Jaime de Carvalho e Silva)
A Comissão Internacional para o Ensino da matemática (ICMI) publicou já as Actas do Simpósio realizado em Março de 1985 em Estrasburgo como resultado do documento de reflexão produzido por uma subcomissão nomeada pelo ICMI, e traduzido no "nonius" nº 2. Estas Actas, editadas por A.G. Howson e J.-P. Kahane, começam com um relatório geral que inclui as conclusões do Simpósio, relatório esse que tenta responder a três questões diferentes:
2. Como é que novos curricula podem ser elaborados para reflectir a mudança das necessidades e das possibilidades?
"Matemática simbólica baseada no computador, para a descoberta" - K. Lane et al
"Curricula integrando o computador: ideias e realizações" - H. Burkhardt
A primeira ideia que ressalta destas Actas é de que, apesar de se poderem atingir alguns consensos nos temas deste Simpósio, ainda estamos longe de saber o que fazer ou o que se irá passar no futuro, como aliás se pode também depreender da necessidade que sentiram os editores em transcrever mais onze textos para além das conclusões. Aliás, os próprios editores, assinalam que esta iniciativa não põe fim à discussão, pelo contrário, "pretende fornecer uma base sólida para futuras discussões e actuações".
Atendendo aos objectivos do "nonius", irei focar aqui aquilo que nas Actas se relaciona com a 2ª e 3ª questões proposta.
Não há dúvida que nos próximos anos iremos assistir a uma transformação radical do ensino da matemática sobretudo a nível pré-universitário. Mas essa transformação só em parte será devida ao aparecimento dos computadores. Há com efeito muitos outros factores que influenciarão tal mudança tais como, por exemplo, as repercussões do debate matemática clássica/matemática moderna, a questão do "problem solving" (resolução de problemas "com enunciado"), ou o problema do ensino das aplicações da matemática e da modelação matemática.
Espera-se que a revolução que se avizinha possa evitar os inúmeros erros da introdução da matemática moderna que, além do mais, no dizer de Laurent Schwartz, "desacreditaram a matemática e os matemáticos num mundo em que a matemática (a verdadeira!) é indispensável" (ver "CONTACTO" nº 6); nas Actas encontra-se nomeadamente a recomendação de que, a nível curricular, "não se deve tentar realizar demasiado ao mesmo tempo"; e em Portugal, aonde a formação contínua dos professores é um quase deserto, tudo correu pior no caso da matemática moderna (veja-se por exemplo o caso do ensino primário - cf. textos no "CONTACTO" nº 1, 2 e 4), pelo que os cuidados deverão ser redobrados; escusado será dizer que estes cuidados redobrados não podem servir de pretexto para manter (quase) tudo na mesma; (identificamos pois aqui dois pontos críticos fundamentalmente diversos: o que mudar? e como implementar essa mudança?).
No que diz respeito às alterações curriculares que as conclusões do Simpósio indica deverem (ou poderem) ser introduzidas, nos últimos anos do Ensino Secundário e nos primeiros anos da Universidade, tendo como pano de fundo o computador, vou destacar quatro:
-maior ênfase na matemática discreta (tópicos tais como lógica, teoria de conjuntos, análise combinatória, grafos e probabilidade discreta);
-na área da Análise, "a compreensão de funções, variáveis, parâmetros, derivadas, etc, e a capacidade de interpretar fórmulas e gráficos torna-se mais importante para o aluno do que efectuar cálculos (numéricos ou simbólicos)";
-"o crescimento de novas áreas da matemática aplicada tais como a análise de algoritmos ou a complexidade computacional";
-"o uso de computadores para permitir que os alunos explorem e descubram a matemática por eles próprios".
No que diz respeito à resposta à 3ª questão as Actas começam por assinalar que não basta "pôr computadores numa sala de aula para que se resolvam os problemas do ensino"; "o acto de utilizar um computador não conduz automaticamente a uma melhoria.. Não é uma varinha mágica! Tal como todas as ferramentas, pode servir-nos mal; temos de aprender como tirar o melhor partido dela" (ver "nonius" nº 7).
As conclusões do Simpósio insistem na contribuição positiva que o computador pode fornecer no que diz respeito à "aquisição pelo aluno das capacidades e experiência de observação, exploração, formação de intuições, realização de predições, teste de hipóteses, condução de experiências controle de variáveis, simulação, etc." Se é certo que não faltam exemplos de como tal poderá ser feito, "muito, contudo, resta por fazer". E citam como problema importante a resolver o de encontrar um mecanismo que permita "disseminar informação sobre experiências bem sucedidas e de como poderão ser reproduzidas".
Sobre o papel do professor numa sala de aula que utilize o computador, as Actas referem dois: um relativo a uma aula em que o computador seja utilizado simplesmente como um quadro electrónico, e o outro relativo à utilização directa pelo aluno do computador na sala de aula; é sublinhado (e aqui é muito importante ter presente o problema da formação dos professores) que esta segunda forma de utilização é mais "revolucionária" mas é também aquela que exige mais do professor.
São ainda referidas com um certo detalhe as utilizações relacionadas com as possibilidades gráficas do computador , a auto-avaliação dos alunos, a instrução individualizada, a avaliação e o registo de dados.
Há ainda três assuntos importantes abordados nas conclusões deste Simpósio e que merecem reflexão detalhada: a reacção dos alunos ao computador (há um entusiasmo bastante generalizado, mas, como canalisar correctamente esse entusiasmo?), o problema da elaboração e distribuição de software (questões como por exemplo: as boas "packages" - conjunto de software, instruções e recomendações de utilização - educacionais completamente testadas raramente são comercialmente rentáveis, pelo que se põe o problema da sujeição da escola aos interesses comerciais), e finalmente o problema dos factores sociais, culturais e económicos (como por exemplo: não irá o computador constituir mais um factor de desiguladade social na Escola?).
Como é afirmado nas Actas, e não é demais repetir, "é necessário efectuar muita investigação e experimentação de modo que possamos perceber e controlar o impacto do uso do computador na aprendizagem dos alunos e nas suas concepções e representações dos objectos matemáticos. Apenas depois de tais estudos seremos capazes de fornecer software de alta qualidade e, mais importante, um novo conjunto de actividades didacticas, tarefas e situações par melhorar o ensino" (ver "nonius" nº7).
Penso que seria extremamente importante traduzir para português este livro para que possa estar à disposição dos professores de matemática portugueses (sobretudo dos últimos anos do Ensino Secundário e dos primeiros anos do Ensino Superior), e assim contribuir para desenvolver o debate em Portugal sobre estas questões.
II. O computador na aula de matemática
É este o título de um interessante trabalho de Eduardo Veloso que constitui o trabalho final da disciplina "Metodologia da Matemática I" do Mestrado em Educação da Faculdade de Ciências de Lisboa, e que foi publicado em Julho de 1987 pela APM.
Este trabalho tem o mérito de ser o primeiro estudo de fôlego em português sobre a utilização do computador na aula de matemática a nível do Ensino Básico e Secundário, e como tal é de leitura útil a todos os professores destes graus de ensino. Foca a grande maioria das principais questões que se põem actualmente a propósito da introdução dos computadores como auxiliares do ensino da matemática a nível pré-universitário; nomeadamente, o facto de não haver respostas seguras (o título do segundo capítulo é significativo: "O computador na aula de matemática: mas como? Um grande debate ainda em aberto"), o grande potencial que apresenta o computador como catalisador da renovação do ensino da matemática, as grandes (intransponíveis) dificuldades que se apresentam sem uma cuidade formação de professores (insistindo na apresentação de exemplos concretos como dsesejáveis bases de trabalho para os professores e na insuficiência da apresentação de "teorias"), nos prós e contras dos diversos tipos de programas e abordagens (discutindo com algum detalhe o tão falado "EAC/CAI" - Ensino Assistido por Computador/"Computer Assisted Instruction"), citando as algo proféticas afirmações de Alfred Bork: "temos muito que aprender","devemos estar preparados para novos modos, novas estratégias, novas organizações no ensino".
Duas observações me ocorrem a propósito do tom geral deste trabalho: parece-me haver uma excessiva dependência no computador como catalisador da renovação do ensino da matemática, e talvez um demasiado optimismo que contrasta com a realidade patenteada em experiências recentes em Portugal e no estrangeiro. Em relação ao primeiro ponto, começo por repetir aquilo que já referi na nota anterior: a renovação do ensino da matemática far-se-á também (sobretudo?) devido a um certo número de outras questões como, por exemplo, as repercussões do debate matemática clássica/matemática moderna, a ênfase no "problem solving" (resolução de problemas "com enunciado"), ou o problema do ensino das aplicações da matemática e da modelação matemática. Pegando nesta última questão refiro, como exemplo mais significativo, o espectacular trabalho do COMAP (Consórcio para a Matemática e as suas Aplicações) que se reflecte nos artigos e "módulos" publicados na revista "The UMAP Journal", nos programas de video com documentação apropriada para o ensino e a prática das aplicações da matemática, e na competição anual sobre modelação matemática.
Em relação à segunda observação, não pretendo ser um Velho do Restelo (o facto de pertencer ao Projecto "Computação no Ensino da Matemática" atesta-o), mas entendo que as situações (e sobretudo as situações educativas), devem ser encaradas com muito realismo. Disse alguém que em educação as batalhas levam muitos anos a serem ganhas e os erros podem destruir todo o trabalho durante longos anos. Para não citar sempre a deprimente experiência portuguesa, olhemos para a experiência inglesa tal como se nos apresenta no relatório "The reality of the computer in the secondary mathematics classroom" publicada na revista "Mathematics in School" em Janeiro de 1987. Ë data existiam em média 16 computadores em cada escola secundária inglesa; existem excelentes trabalhos "pioneiros" mas "a vasta maioria das salas de aula do Ensino Secundário vê pouco, ou nada, o computador". Este relatório afirma que 33 por cento dos professores de matemática nunca usou um computador na sala de aula, 39 por cento raramente o usou, e apenas 28 por cento o utilizou um número razoável de vezes. É pois um cenário não muito optimista aquele que se apresenta. A estratégia que propõe o relatório para este nível de ensino é a da redacção de "módulos" que possam ser usados pelo professor na aula de matemática tendo por base a utilização de apenas um computador (ou um número muito limitado de computadores); preconiza ainda que os professores saibam fazer pequenos programas em BASIC (à semelhança do preconizado no livro "132 short programs for the mathematics classroom"). É nesta perspectiva que a nota (2) da pg 64 me parece um pouco exagerada: a aula de matemática pode também melhorar substancialmente se o computador puder ser usado como um "retroprojector electrónico" (e não será mais realista começar por aqui, tirando partido, por exemplo, dum projector tricómico ou do seu equivalente a preto e branco?); a questão principal é: como fazê-lo correctamente? Pois se actualmente ainda há muitos professores que são incapazes de utilizar um retroprojector!
Para terminar, uma questão de pormenor relativamente à utilização do MuMath. Trata-se efectivamente de um programa com potencialidades, "tipo iceberg": pouco se vê ainda mas muito se adivinha. É um programa que tem a ver com o Ensino Secundário mas também com o Ensino Superior pois além do mais é capaz de resolver problemas de cálculo integral, fórmula de Taylor, equações diferenciais, derivadas parciais, etc. E permite abordar questões inimagináveis há uma dúzia de anos, tais como traçar o gráfico de uma função definida pelo quociente de dois polinómios de grau tão elevado como 13, ou determinar os extremos de um polinómio de grau 11 (ver "Computer Algebra Systems in Undergraduate Instruction" - College Math. Journal -vol 17, nº5, 1986). Mas assinale-se que este facto não significa que o computador resolva automaticamente o problema, longe disso: exige mais conhecimentos matemáticos e, o que mais está ausente do nosso ensino actual, saber quando é que esses conhecimentos poderão vir a ser úteis. Todas estas questões se porão com mais acuidade quando passarem a estar disponíveis as Supercalculadoras (ver "nonius" nº6). Teremos assim uma espécie de "fechar do ciclo" com a junção dos computadores e das calculadoras numa forma extremamente sofisticada (de certo modo já iniciada com as calculadoras que "falam" BASIC e PASCAL)?
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