CUNHA (JOSEPH-ANASTASE DA) nascido em Lisboa em 1744, foi um desses homens raros, que, sem ter recebido uma educação cuidada, se elevaram a si próprios a um alto grau nas ciências, com a simples força do seu génio. O seu pai, arquitecto decorador de teatro, deu-lhe algumas lições de desenho e perspectiva, e enviou-o ao colégio dos oratorianos para aí aprender o latim. O acaso fez com que chegassem às mãos do jovem Cunha os Elementos de Geometria do padre Tosca, e desde então o estudo deste livro tornou-se o seu passatempo favorito. Em breve, o seu génio, como o de Pascal, fê-lo preencher os vazios, e corrigir as imperfeições que o autor tinha deixado na sua obra. Um dos padres do Oratório deu-lhe os Éléments d'Euclide por Tacquet. Emprestaram-lhe uma gramática francesa, um dicionário, e alguns livros nos quais, quase sem ajuda, aprendeu o francês e extraiu os seus primeiros conhecimentos. Em 1762, o conde de la Lippe tendo sido chamado a Portugal para organizar e comandar o exército, Da Cunha, que acabava de perder o seu pai, quis seguir a carreira das armas, e foi nomeado subtenente no regimento de artilharia de Valença. O coronel, Ferrier, oficial instruído, soube distinguir o seu mérito, e colocou uma biblioteca escolhida à sua disposição. E foi na vida agitada dos campos e guarnições que, pela simples impulsão do seu talento e pelo amor do estudo, da Cunha adquiriu em pouco tempo conhecimentos profundos e variados nas línguas antigas e modernas, na filosofia, na história, nas belas letras, e sobretudo na matemática. Poder-se-á, com um simples facto, julgar a força do seu génio; sem ter outros elementos que os de Tosca ou do jesuíta Jacquet, ele começou a estudar a alta matemática pela Arithmetica universalis de Newton e pela Algebra de Simpson. Sem outra ajuda ele passou aos Principia mathematica philosophiae naturalis de Newton, comentados pelos padres Lesueur e Jacquier, e conseguiu, antes da idade de vinte e seis anos, entender bem este livro, que sempre exigiu aos mais sábios geómetras a mais profunda atenção. Foi-lhe em seguida fácil ler as obras dos Bernoulli, de Euler, de Clairaut e de D'Alembert. O estudo da matemática não o impedia de modo nenhum de cultivar ao mesmo tempo as letras. Já alguns trabalhos o tinham feito sobejamente conhecer, quando, sob recomendação do conde de la Lippe, o marquês de Pombal, o nomeou, em 1774, professor de uma das cadeiras de matemática da Universidade de Coimbra. Foi empregado, com distinção, em diversos trabalhos até 1778; mas, nessa época, foi preso por uma ordem secreta da inquisição, e riscado do número dos professores. Depois de dois anos de prisão, recuperou a liberdade, e a sua saúde, já enfraquecida, não lhe deixou mais que uma existência dolorosa. Recusou diversos empregos que o governo lhe ofereceu: o lugar de director do colégio real de S.Jorge foi o único que aceitou. Foi para esta escola que ele compôs os seus Principios Mathematicos, obra em que desenvolve um novo método que ele tinha julgado necessário introduzir no ensino, e que formou em breve alunos distintos. A sua obra foi impressa em Lisboa em 1782. Um dos seus amigos, professor no colégio de S.Jorge, traduziu-a em francês, e foi impressa em Bordéus em 1811. Um dos seus alunos fez o seguinte relatório no Moniteur de 8 de Agosto do mesmo ano: <<Esta obra, profunda e baseada num plano uniforme, distingue-se por uma grande concisão, pelo vigor das demonstrações, e por muita originalidade. Com a ajuda do seu método, o autor conseguiu encerrar, num volume de 300 páginas, o que há de essencial na matemática, desde a noção de ponto até aos problemas dos isoperímetros, quer dizer, as verdades que compreendem o sistema de focos e pontos centrais, donde se podem deduzir todos os conhecimentos matemáticos.>> Uma morte prematura roubou da Cunha à ciência e à sua pátria, a 31 de Dezembro de 1787. Deixou em manuscrito diferentes opúsculos matemáticos que os seus amigos pretendem publicar. Eles conservam também uma pequena recolha de poesias que lhe subtariram, e onde brilha uma feliz mistura de sentimento e filosofia. Da Cunha tentou traduzir várias obras estrangeiras, entre outras a tragédia Mahomet de Voltaire, que foi representada em Portugal com um grande sucesso. V-ve.
Biographie Universelle, ancienne et moderne ... A Paris, chez
Michaud frères, libraires, Tome dixième, 1813, p. 356-357.