Coimbra, 1999
O desafio da matemática experimental
O matemático Jacques Hadamard (1865-1963) afirmou que "O objectivo do rigor matemático é sancionar e legitimar as conquistas da intuição, e ele nunca teve outro objectivo". Contudo muitas vezes o formalismo final esconde o raciocínio que levou à descoberta e apaga o papel desempenhado pela intuição. Pedro Nunes no seu "Libro de Algebra" (1567) comentava mesmo que: "Oh quão bom seria se os autores que escreveram nas ciências matemáticas nos tivessem deixado escritos os seus inventos pela mesma via e com os mesmos discursos que fizeram até que chegaram a eles. (...) É a invenção muito diferente da tradição em qualquer arte, não penseis que todas aquelas proposições de Euclides e Arquimedes foram achadas pela mesma via com que no-las trouxeram."
Arquimedes escreveu um livro intitulado "O Método" (embora o texto fosse desconhecido durante muitos séculos e só fosse redescoberto no século XX) para tentar mostrar como as experiências lhe permitiam intuir teoremas que posteriormente provava. Poucos matemáticos seguiram o exemplo de Arquimedes!
Com o advento de poderosas ferramentas computacionais a situação parece estar a mudar. Agora já não só se vê muita gente a discutir como as experiências computacionais lhe permitiram intuir certos factos que depois provaram (normalmente mas nem sempre) por outro meios, como há pessoas que partilham as suas intuições com outros matemáticos mesmo se apenas conjecturam algo (ou mesmo quando não chegam sequer a conseguir estabelecer uma conjectura). Ian Stewart no seu livro "Problemas da Matemática" (ed. Gradiva, 1996) explica como se está a desenvolver o que ele chama Matemática Experimental: "Tornou-se possível usar o computador como uma ferramenta experimental. Os matemáticos podem examinar rapidamente uma grande quantidade de exemplos de fenómenos que lhes interessam, e ver que respostas os computadores dão. Então - o passo crucial que transforma divertimento e jogos em matemática - eles podem pensar sobre os padrões e regularidades revelados por essas experiências, e ver se conseguem provar que tais padrões acontecem em geral." Acontece que os problemas tratados são muito complexos e nem sempre um padrão que se observa é algo cuja generalidade se consegue demonstrar em seguida. Foi criada há poucos anos uma revista de investigação de alto nível chamada "Experimental Mathematics" (que existe na nossa Biblioteca) que publica exactamente esses padrões e regularidades, mesmo quando não foi possível obter uma demonstração do que se conjectura. As intuições passaram a ser também objecto de publicação!
Um grupo de distintos matemáticos agrupados num Centro de Investigação Matemática no Canadá, o CECM-"Center for Experimental and Construtive Mathematics" (http://www.cecm.sfu.ca/ ), tem vindo a desenvolver trabalhos de matemática experimental e inclusive a promover a reflexão filosófica sobre as consequências da sua própria actuação. Vários desses investigadores avançam mesmo uma definição formal de Matemática Experimental como um ramo da Matemática no seu trabalho "Experimental Mathematics: A Discussion". Avançam J. Borwein, P. Borwein, R. Girgensohn e S. Parnes: "Experimental Mathematics is that branch of mathematics that concerns itself ultimately with the codification and transmission of insights within the mathematical community through the use of experimental (in either the Galilean, Baconian, Aristotelian or Kantian sense) exploration of conjectures and more informal beliefs and a careful analysis of the data acquired in this pursuit."
Neste contexto afirmam que a visualização e apresentação de materiais sob a forma de hipertexto (a forma actual de apresentar documentos na Internet) serão cada vez mais importantes no futuro. E avançam mesmo com a ideia de futuramente existirem cadeiras com títulos como "Experimental Methods in Mathematics I".
A Matemática é uma ciência muito estável na medida em que, por exemplo, o Teorema de Pitágoras, apesar de ter sido descoberto há muitas centenas de anos e de forma mais ou menos independente em várias civilizações, continua a ser perfeitamente válido hoje; o modo de chegar a esse teorema é que se modificou bastante e hoje já ninguém escreve como no tempo dos gregos ou dos chineses antigos. O modo como se faz matemática, se escreve matemática, se apresenta matemática tem mudado consideravelmente; os ramos da Matemática têm variado enormemente ao longo dos tempos. Será a matemática experimental uma parcela significativa da matemática do futuro? Que implicações poderão ter estes factos para a investigação, a aplicação e o ensino da matemática? É uma questão a acompanhar....
Jaime Carvalho e Silva