Pseudaria (4)

<<Um aluno da Universidade da Virginia declarou que os geómetras estavam errados ao declarar que uma linha recta não tinha espessura. Publicou um livro escolar de Geometria baseado nesta ideia, que recebeu o apoio de um director de uma escola de Nova Iorque e, baseado nisto, esteve muito próximo de ser recomendado como livro de texto oficial nas escolas de Nova Iorque.>> Simon Newcomb, 1903

Depois de ter enviado o texto anterior para publicação no " Jornal de Mathematica Elementar " recebi ainda mais duas soluções aos problemas do primeiro texto, de Eduardo Leal (aluno do curso de Matemática da Faculdade de Ciências do Porto) e de Nuno Cardoso (aluno do curso de Matemática da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra), o que muito agradeço. Este espaço é tanto para alunos como para professores, independentemente do seu grau de ensino, ou para pessoas simplesmente interessadas pela Matemática.

No presente número aparece a solução da falácia 3 e é proposta uma nova falácia, a 6. Continuaremos a aguardar que os leitores enviem soluções ou comentários às falácias que vão sendo apresentadas (incluindo sobre aquelas de que já foram apresentadas soluções).


Falácia 3

Enunciado:

Consideremos uma circunferência de centro O e diâmetro [AB]. O comprimento da circunferência é dado por

Tracemos duas circunferências de diâmetros [OA] e [OB] e de centros C e D respectivamente.

Claro que o comprimento de cada circunferência é . Assim, a soma dos comprimentos das duas circunferências é igual a . Obtivemos o mesmo comprimento que o da circunferência inicial.
Tracemos agora quatro circunferências de diâmetros [AC], [CO], [OD] e [DB]. Tal como anteriormente o comprimento de cada circunferência é metade do comprimento de cada circunferência anterior. Assim, a soma dos comprimentos das quatro circunferências é igual ao comprimento da circunferência inicial.
Podemos continuar este processo, aumentando indefinidamente o número de circunferências. No limite, a soma dos comprimentos das circunferências será igual ao comprimento do segmento [AB]. Mas a soma dos comprimentos das circunferências é sempre igual ao comprimento da circunferência inicial. Ou seja, o comprimento de uma circunferência é igual ao seu diâmetro .

Solução:
Esta falácia é muito semelhante à número 2, como bem observa Eduardo Leal: o raciocínio está certo, a conclusão final ("No limite, a soma dos comprimentos das circunferências será igual ao comprimento do segmento [AB]") não é legítima. Este leitor enviou um trabalho em que analisa um problema semelhante às duas falácias, em que um trajecto é feito de forma cada vez mais sinuosa aproximando-se de um trajecto limite. Como diz este leitor:
"Intuitivamente, eu seria levado a pensar que os trajectos, com inícios iguais e fins iguais, portanto deslocamentos iguais, ao convergirem para um trajecto em particular, fariam com que os espaços percorridos também convergissem para o espaço percorrido do trajecto limite. Tal não acontece necessariamente e sobre isso apenas posso concluir que é um facto interessante ."
Não é por "parecer" ser verdadeiro a partir de uma figura que um facto é necessariamente verdadeiro. E neste caso não é. A soma dos comprimentos das circunferências intermédias não converge para o comprimento da circunferência final (qualquer que seja a topologia aceitável que usemos para definir essa convergência). Logo, não é pelo facto de dois objectos se "aproximarem" que todas as suas propriedades se "aproximam" também.


Eis agora uma nova falácia para a qual solicito o envio de soluções:

Falácia 6

Consideremos um quadrilátero [ABCD] de que um ângulo, C, é recto, um ângulo, D, é obtuso e cujos lados opostos [BC] e [AD] são iguais. Tracemos perpendiculares aos lados [AB] e [CD] obtendo os pontos E e F.
Provemos que estas perpendiculares não podem ser paralelas, por redução ao absurdo. Se o fossem, [AB] e [CD] também seriam paralelas, o ângulo B seria recto e [AD], igual a [BC], deveria confundir-se com a perpendicular baixada de D sobre [AB]: o ângulo D seria então recto, contrariamente à hipótese.
Sendo assim, as perpendiculares que passam pelos pontos E e F encontram-se num certo ponto I. Apenas as duas hipóteses seguintes são aceitáveis: I está no interior do quadrilátero dado ou está no seu exterior.
1º Suponhamos primeiro que I está no interior de [ABCD].

Unamos o ponto I aos quatro vértices do quadrilátero como indica a figura. Os triângulos [AID] e [BIC] são iguais visto terem os três lados iguais (pois de I sai uma perpendicular ao ponto médio dos lados [AB] e [CD]). Logo, o ângulo ADI e o ângulo BCI são iguais. Se, a cada um destes dois ângulos juntamos um mesmo ângulo (FDI igual a FCI), concluímos que o ângulo C e o ângulo D são iguais, isto é, um ângulo agudo e um ângulo obtuso são iguais . 2º Suponhamos agora que I está no exterior de [ABCD].

Unamos de igual modo o ponto I aos quatro vértices do quadrilátero como indica a figura. Os triângulos [AID] e [BIC] continuam a ser iguais. Logo, o ângulo ADI e o ângulo BCI ainda são iguais. Se, de cada um destes dois ângulos retiramos um mesmo ângulo (FDI igual a FCI), concluímos que o ângulo C e o ângulo D são iguais, isto é, um ângulo agudo e um ângulo obtuso são iguais .


Endereços para o envio de soluções:
endereço postal:
Departamento de Matemática
Universidade de Coimbra
Apartado 3008
3000 Coimbra
endereço electrónico: jaimecs@mat.uc.pt
endereço na WEB: http://www.mat.uc.pt/~jaimecs/pseud/index.html


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