nº11
ISSN 0870-7669 Abril
de 1988
Folha Informativa
do Projecto "Computação no Ensino da Matemática"
Programas para o ensino da Matemática
Conferência
proferida numa sessão de Seminário do Projecto
"Computação no Ensino da Matemática"
pelo Dr. A. Aurélio Fernandes
(Prof. efectivo da Esc. Sec. José Estevão, AVEIRO)
no Departamento de Matemática da Universidade de Coimbra
O título desta conversa corre o risco de criar expectativas que não venham a ser concretizadas: haverá, porventura, quem espere uma teorização sobre a elaboração de programas destinados ao ensino da Matemática, ou quem queira ouvir um relato dos resultados obtidos com os programas existentes. A verdade é que não estou em condições de "teorizar", nem sequer de dizer grande coisa acerca de aplicações dos programas de que sou autor. Precisamente por isso tentei escusar-me ao convite que me foi feito; mas perante a alternativa apresentada - "fale da sua experiência pessoal" - acabei por aceder e aqui estou um pouco ao jeito de quem vai apresentar "as minhas memórias"...
Para começar de facto em termos de memórias e sobretudo para datar o início da minha actividade, fez ontem, 7 de Março, exactamente cinco anos que, pela primeira vez, pus um dedo numa tecla de computador. Nessa época "longínqua" (em "tempo informático", claro...), o único computador acessível como electrodoméstico era o Spectrum; de facto foi com ele que comecei, com ele fiz uma dúzia de programas, com ele "convivi" cerca de três anos e meio.
Claro que logo se me pôs a questão " que vou eu fazer com isto?". E, como é natural, comecei pelo aspecto que mais me interessava: tentar elaborar um programa que construisse gráficos de funções. Acabou por resultar um programa que excedeu largamente a minha meta inicial. Logo de seguida me lancei a um programa destinado a obter "tabelas de verdade" de expressões lógicas.
Em ambos os casos, tratava-se de programas destinados a dar resultados. E tudo quanto conheço, em "software" nacional e em "software" estrangeiro, é basicamente deste tipo: programas que, em resposta a dados fornecidos, dão resultados.
Entretanto ocorreu-me a possibilidade de me dedicar a um outro tipo de programas: "programas para ensinar"... De facto é sabido que a grande maioria dos alunos do ensino secundário não pega nos manuais adoptados para a disciplina de Matemática; talvez fosse então possível "contornar" a situação, apresentando programas que lhes ensinassem o essencial de cada capítulo. Com alguma perda relativamente ao maior aprofundamento teórico do manual, é certo, (embora tal perda seja apenas "teórica"...), mas com as diversas vantagens que oferece o computador: atracção dos jovens pelo computador "versus" repulsão pelos livros...; capacidade gráfica, sobretudo no referente a movimento; uma certa capacidade de "dialogo" com o utilizador. Daí ter decidido escrever um conjunto de quatro programas sob o título genérico "Transformações Geométricas", utilizável nos 7º e 8º anos: Translações, Rotações, Simetrias e Homotetias.
Ainda na fase mais incipiente da minha iniciação informática, aconteceu acidentalmente que o gerente de uma casa de informática teve conhecimento dos meus programas e manifestou interese em os editar. Devo reconhecer, por uma questão de justiça, que tal interese não era predominantemente comercial! de facto tratava-se de programas bastante pobres e de pouca venda; o objectivo era sobretudo diversificar o "software" disponível para o Spectrum (na altura apenas havia jogos...).
De qualquer modo, o negócio, proposto nos termos correntes na época (provavelmente manter-se-ão), era bastante curioso e elucidativo, pelo que vale a pena referi-lo: 40% da venda de cada cassete para o editor (note-se que o autor não tinha qualquer controlo sobre o número de cassetes editadas e vendidas...)_, 40% para o vendedor (que aliás podiam coincidir...) e os restantes míseros 20% para essa personagem secundária que era o autor...
Como o meu único objectivo era divertir-me a fazer programas e o negócio me dava a possibilidade de os divulgar e, eventualmente, os tornar úteis, só por issso já era bom negócio. Claro que aceitei! chegaram a estar à venda cerca de uma dúzia de programas. Passado cerca de um ano, recebi treze contos! Feitas as contas ao tempo dispendido, conclui que tinha sido pago a vinte e cinco tostões à hora... Sei que ainda continuam a vender-se (em versões que suponho estarem já ultrapassadas) e é tudo quanto sei...
É evidente que não refiro esta questão com ar de queixa! Apenas pretendi dar uma ideia do que é ser "autor de programas" quando se entra em circuitos comerciais. Considero, aliás, positivo o papel que as casas comerciais tiveram ao difundir os programas que, apesar do seu reduzido valor semore foram tendo alguma utilidade; caso contrário teriam ficado confinados a um círculo muito restrito de "amigos do autor". Foi precisamente o que aconteceu a dois programas que não chegaram a ser editados ( números relativos e equações do 1º grau , ambos para o 7º ano).
Como disse de início, foram em número muito reduzido as experiências feitas com os programas que elaborei ao longo de três anos (estes dois últimos anos foram dedicados a aplicações à gestão escolar e à formação de professores no Projecto Minerva). De qualquer modo, parece-me possível tirar algumas conclusões, embora com fundamento pouco seguro.
Experiências em salas de aulas. Neste aspecto houve, digamos, duas dúzias de aplicações, que permitiram concluir o seguinte:
- as reduzidas dimensões do écran são um enorme obstáculo à comunicação com a turma, em especial se for numerosa e de gente muito jovem;
- os programas com texto (caso das Transformações Geométricas) são um total fracasso, como era de prever, dada a reduzida legibilidade à distância;
- os programas que apresentam resultados (gráficos de funções, sinal do trinómio, termos de sucessões, resolução de equações) têm um nível de sucesso positivo.
Penso que, com o aparecimento de écrans grandes, o computador vai passar a ser utilizado como um eficiente audio-visual. A visão optimista que, do futuro, alguns entusiastas nos vão descrevendo, (cada aluno com um computador à sua frente e o professor pondo problemas ou esclarecendo dúvidas), parece-me ainda muito longínqua. Uma das faces do problema é, claro, de carácter técnico e financeiro; mas a face mais delicada do problema é certamente a da formação de professores - não se trata sequer de os formar como programadores, mas apenas fazer "perder o medo" (estes dois anos de Projecto Minerva deram-me uma perspectiva pouco animadora).
Creio que será um objectivo bastante realista, conseguir que, no ano 2000, haja uns 20% de professores a utilizar o computador como audio-visual.
- Experiências com a utilização individual de programas. E perfeitamente incontrolável o número de programas que andará em circulação. De facto, ignoro o número exacto de cassetes editadas (incluindo as edições "piratas"); além disso o "efeito multiplicador" de cada cassete, como é sabido, propaga-as rapidamente...
É assim muito difícil saber quais as reacções dos diversos utilizadores. Apenas em cerca de meia-dúzia de casos, aliás todos referentes às Transformações Geométricas, me foi possível recolher opiniões de alunos do 8º ano: consideraram que conseguiram uma melhor compreensão do assunto, passaram a achar mais interessante um tema que de início lhes parecera "chato", obtiveram melhores resultados em provas de avaliação.
Claro que um tão reduzido número de observações não permite um mínimo de segurança. Inclusivamente há que pôr a dúvida: as opiniões foram sinceras ou... simpáticas? Em contrapartida, quantos teriam desgravado as cassetes por as acharem mal aproveitadas?
A seguinte afirmação não passa, portanto de uma "profissão de fé": creio que vale a pena continuar a escrever "programas para ensinar"! Aliás, estou convencido que o futuro está em programas, não em manuais. A nível de formação básica de grandes massas de jovens, haverá tendência para utilizar sistematicamente o computador doméstico: o aluno estudará com menor esforço (pois haverá uma componente lúdica), durante o tempo que considerar necessário, à hora em que estiver mais disposto. Os professores, cujo número terá uma acentuada redução, ver-se-ão livres da inglória tarefa de repetir conceitos básicos quase à exaustão (aliás com baixa produtividade...), para poderem dedicar-se a tarefas bem mais nobres: orientar o estudo do aluno e levá-lo a explorar os temas em que o computador os iniciou.
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