nº11
ISSN 0870-7669 Abril
de 1988
Folha Informativa
do Projecto "Computação no Ensino da Matemática"
REFORMA NO SISTEMA EDUCATIVO
O Centro de Matemática da Universidade de Coimbra (INIC) através da sua linha nº6 (História e Metodologia da Matemática), onde se integra o Projecto "Computação no Ensino da Matemática, tem vindo a promover uma série de debates sobre o futuro do ensino da matemática nos diversos graus de ensino, tendo como pano de fundo a reforma do sistema educativo. O debate tem tomado como ponto de partida os diversos documentos que a Comissão de Reforma do Sistema Educativo tem divulgado publicamente. Cada um dos debates, moderado pelo responsável da linha nº6, Prof. Dr. Jaime Carvalho e Silva, é introduzido por um orador convidado, e o conteúdo desta intervenção, juntamente com um resumo dos debates, será enviado à referida Comissão e publicado no "nonius".
O segundo debate teve lugar no dia 15/3/1988, e teve como tema
Formação Profissional e Reforma Curricular
É relativo a esse debate que publicamos a intervenção inicial do Prof. Dr. Artur Soares Alves, assim como um resumo do que foi dito no debate. Este resumo não representa de modo nenhum uma conclusão do debate, pretende apenas divulgar as posições expressas pelos diversos participantes.
Intervenção inicial do Prof. Dr. Artur Soares Alves
Como apreciação geral sobre o que, dos documentos preparatórios toca ao ensino profissional, direi que não tenho discordâncias quanto à generalidade dos princípios enunciados. Estes princípios são de tal modo gerais, imprecisos e cheios de boas intenções que é impossível discordar.
No entanto, numa escola as questões fundamentais passam-se bem longe destes generosos enunciados. Como tenho dito algumas vezes, fechada a porta da sala, a única relação que subsiste é entre o professor e os alunos e não há tecnocrata capaz de alterar esta situação.
O fundamental na questão educativa são os professores na sua dimensão moral e científica. Para conseguir os bons resultados que se diz pretender, é preciso um corpo de professores preparados cientificamente e moralmente convictos de que lhes cabe uma missão essencial na vida social.
Esta capacidade científica adquire-se pelo estudo nas escolas e faculdades; e mantém-se através de um esforço pessoal de actualização estimulado por acções determinadas. A conviçcão moral provém do reconhecimento da missão do professor, reconhecimento traduzido no respeito social que lhe seja dispensado e no apoio que o Estado lhe reserva.
Ora, após leitura do documento em apreço, logo se põe o problema de saber onde e como recrutar os professores e monitores que darão corpo a este projecto educativo. Serão precisos milhares! O projecto fala-nos da formação de pedreiros e electricistas. Aliás, o projecto tende a dar maior relevo a profissões mais sofisticadas e esquece outras. Mas, a formação de um pedreiro não se faz totalmente numa sala de aula. Quem vão ser os mestres destes profissionais? São perguntas que ocorrem e para as quais o projecto não esboça uma resposta.
Estes profissionais irão trabalhar em empresas. Ter-se-á perguntado a estas o que se pretende de um sistema de ensino deste tipo? A mim, perece-me pouco crível.
A questão escolar, em particular a formação profissional é uma questão nacional . Ela interessa a todos porque está em causa a sobrevivência de Portugal, o bem-estar dos Portugueses, sua sobrevivência enquanto povo. Não é uma dessas questões de gosto e opinião que por vezes arrastam as paixões. O que está em causa é uma capacidade de resposta colectiva aos desafios do mundo de hoje, e não o saber se Futre vai para o Real Madrid. Ora, as questões nacionais são imperativas, exigem o sacrifício individual em nome do colectivo e ninguém pode alhear-se a elas. Como tal, ninguém nem nenhum grupo se pode também apropriar de uma questão desta natureza que pertence a todos.
Reciprocamente, estas questões exigem clareza de enunciado e objectivos. Não podem ser formuladas vagamente como boas intenções. Que a Nação necessita de bons profissionais que se ocupem com saber das missões que lhes confiem, isso parece claro para todos. Que esses profissionais terão que aprender em escolas porque a aprendizagem prática é insuficiente, de acordo. Mas, a via sinuosa começa daqui em diante, quando é preciso propor a concretização destes princípios. Por isso o documento se perde num hermetismo que a abundância de citações e a divisão em alíneas quer ocultar.
Por isso, essa referência obsessiva e permatente à CEE parece ser o manto que cobre o caruncho que mina a falta de ideias próprias e a capacidade de se assumir individualmente. Tenho muita pena em não acreditar que tenha chegado finalmente o momento de se ver uma escola integrada nos objectivos nacionais, concorrente com as forças produtivas para o bem estar colectivo.
Não sei quanto tempo vai perdurar o monopólio escolar do Ministério da Educação. Mas, todos sabemos que o Mundo não pára - e pur si muove. Se a Educação persistir em dar respostas eivadas de ideologia a problemas nacionais da mais fundamental importância, a Sociedade terá que procurar respostas fora do quadro tradicional. Esboçam-se novidades neste campo e decerto que o futuro nos vai trazer muito mais. Nesse sentido creio que haverá lugar para optimismo desde que a Sociedade encontre vontade de resolver as questões e não de discorrer sobre as soluções. .
Resumo das posições assumidas pelos participantes no
debate
1ª parte - Formação profissional
Os participantes manifestaram-se a favor da existência de uma forte formação profissional, no sentido de a escola formar os técnicos de que o País precisa e cuja falta se começa já a notar, não sendo a formação profissional do "Fundo Social Europeu" capaz de, como se tem visto, resolver o problema. Consideraram por isso, perigosas as afirmações constantes das páginas 195-198 do vol 1 dos Documentos Preparatórios da Comissão de Reforma do Sistema Educativo, que vão no sentido de atribuir às empresas a maior cota de responsabilidade na formação profissional. Um dos participantes afirmou não ser verdade que (em todos) os países desenvolvidos se esteja a seguir esta tendência como o demonstra o caso da França em que se estão a multiplicar os exames de "bac" (12º ano) técnicos e profissionais. Aliás, as previsões para as necessidades da França no ano 2000, apontam para um perfil caracterizado pela "enorme responsabilidade do ensino técnico e profissional no próximo decénio" ("Le Monde de l'Éducation", Jan. 1988, pg VII). Essas previsões, em necessidades globais de técnicos, indicadas no mesmo número do "Le Monde de l'Éducation" são reproduzidas na figura em baixo; apontam assim para uma cada vez maior necessidade de técnicos dos diversos níveis e de cada vez maior qualificação. .
Vários participantes elogiaram as antigas Escola Técnicas, assim como a qualidade dos técnicos daí saídos, e lamentaram não ver uma verdadeira vontade em montar um verdadeiro ensino técnico-profissional naturalmente modernizado.
Um dos participantes lamentou que a actual estrutura curricular, assim como as propostas, parecessem ter como principal objectivo retardar a entrada no mundo do trabalho fornecendo demasiados conhecimentos intelectuais sem um verdadeiro aprofundamento dos conhecimentos. Considerou ainda que uma melhor qualificação tem uma grande influên- cia sobre a qualidade do trabalho produzido.
Vários participantes consideraram a proposta relativa à formação profissional demasiado tímida e a definição das diversas profissões a necessitar uma revisão.
Um dos participantes considerou que a for- mação profissional nunca deveria ser deixada às empresas pois esta é sempre uma formação "curta" , por a empresa pretender sempre que se comece a produzir o mais cedo possível.
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2ª parte - Reforma curricular
Um dos assuntos mais criticado pelos participantes foi o da manutenção da Area de Ciências Exactas e da Natureza no Ciclo Preparatório (2º ciclo). Um participante sublinhou que nem os licenciados em Matemática dão Ciências da Natureza nem os licenciados em Ciências da Natureza dão Matemática; em particular, nenhum licenciado em Matemática ou Ciências da Natureza quer ir para o Ciclo Preparatório (em Coimbra, por exemplo, os alunos do ramo educacional só vão administrativamente obrigados por meio de "numerus clausus" de estágio); e acontecem situações caricatas de haver, por exemplo, licenciados em Farmácia a orientar estágio de Matemática e Ciências da Natureza no Ciclo Preparatório! Um participante observou a incongruência do esquema da pg 217 do 1º vol. dos Documentos Preparatórios que, ao associar Matemática e Ciências da Natureza (porquê a ausência das Ciências Físico-Químicas?) na área de Ciências Exactas e da Natureza lhes faz corresponder no 1º ciclo (ensino primário) duas áreas diferentes; e inclusivamente à área de Actividades de Descoberta do 1º ciclo correspondem novamente disciplinas de duas áreas diferentes. E observou que quando se justifica com "afinidades culturais científicas culturais e tecnológicas" a organização em áreas pluridisciplinares, não se percebe a associação referida! Referiu que não parece que uma Reforma Educativa justifique a não alteração dos grupos docentes pela simples razão de eles já estarem assim! (E referiu que,afinal, na pg 228 se defende a reconversão dos actuais grupos docentes ... do 3º ciclo!)
Foi detalhadamente discutida a questão de os licenciados em engenharia poderem ensinar no 3º ciclo (7º, 8º e 9º anos) e no ensino secundário (10º, 11º e 12º anos). Todos os participantes se manifestaram contra, continuam sem perceber porque tal aconteceu, e, sobretudo, a lamentar as consequências de tal erro que perdurarão durante muitos anos. Um dos participantes afirmou mesmo que tal representou fazer uma outra licenciatura, em matemática, em apenas dois anos! (um ano correspondente às disciplinas de matemática do curso de engenharia, e outro correspondente ao estágio). Outro participante admitiu que os licenciados em engenharia pudessem ensinar matemática desde que pertencessem a uma categoria inferior aos licenciados em matemática e tivessem as suas actividades coordenadas pelos licenciados em matemática.
Areas pluridisciplinares do 2º ciclo | Disciplinas |
Línguas e Estudos Sociais |
Língua Portuguesa História e Geografia de Portugal Língua Estrangeira I |
Ciências Exactas e da Natureza | Matemática Ciências da Natureza |
Articulação entre ciclos:
1º ciclo |
2º ciclo |
Aprendizagem do cálculo |
Matemática |
Actividades de Descoberta |
Ciências da Natureza História e Geografia de Portugal |
Os actuais programas e orientações da disciplina de matemática foram bastante criticados, sobretudo por as referências de alteração nos diversos documentos serem escassas para o julgado minimamente necessário. Várias pessoas referiram casos chocantes da inadequação dos programas, como por exemplo o facto de, apesar de aparentemente se insistir nas "técnicas" de cálculo, os alunos chegaram ao 1º ano de engenharia sem saberem determinar as raízes de uma equação do 2º grau (numa prova de frequência recente atingiu-se a escandalosa percentagem de 50% de alunos que não sabiam resolver uma equação do 2º grau); outro professor referiu que demonstrações, traçado e interpretação de gráficos estão, e não deviam estar, cada vez mais ausentes do 7º ao 9º ano.
Além disso foram levantadas dúvidas quanto ao alcance das escassas recomendações gerais sobre os programas de matemática, nomeadamente a recomendada "maior ênfase no cálculo" e a "valorização da operacionalização" - pg 254 (ou "privilegiar a operacionalização"- pg 229, que não é bem a mesma coisa!), que nem parecem muito adequadas nem por si só significam grande coisa. As pessoas ficaram também perplexas com as recomendações da inclusão de "Métodos Quantitativos (...) e Métodos Gráficos" - pg 229 - que não se percebe o que possam ser, quando, por exemplo, não é feita em nenhum lado qualquer referência à geometria! E os presentes interrogaram-se também sobre se o facto de apenas se recomendarem tais matérias para o 3º ciclo significa que não são para introduzir noutros ciclos?
Um dos participantes estranhou a referência, na pg. 229 de que:
"O conhecimento dos métodos informáticos, nesta como em outras disciplinas, deve restringir-se à sua utilização e exploração."
E questionou: será que os alunos vão utilizar os métodos informáticos que não aprenderam? Ou que aprenderam em casa? Como recomendações quanto à utilização da informática como auxiliar do ensino nas escolas parece excessivamente pouco! Será que o avanço da técnica e das necessidades do homem moderno não justificam inclusivamente a inclusão de uma disciplina de introdução à informática e aos métodos informáticos no curriculo do 3º ciclo, por exemplo?
No que diz respeito à estrutura curricular proposta para o ensino secundário (10º, 11º e 12º anos), foram comparadas as duas estruturas propostas e que são resumidas nos quadros que se juntam.
Os participantes estranharam uma tão grande divergência entre as duas propostas quando a Comissão de Reforma do Sistema Educativo é só uma; além de que nem são apresentadas como alternativa, nem são publicamente discutidas como tal (aliás é só referida publicamente a segunda!).
Em concordância com o que afirmaram sobre a formação profissional, os participantes manifestaram a sua preferência pela orientação global da primeira das duas estruturas curriculares propostas, tendo referido as seguintes vantagens:
reforço da formação profissional,
atenuação das escolhas prematuras,
maiores possibilidades de mudança entre as vertentes de forte e fraca componente profissional,
igualdade de possibilidades de acesso ao ensino superior,
existência de apenas duas grandes divisões quando na 2ª proposta existem 4 (ou mais exactamente 6).
Há naturalmente vários pontos que não são suficientemente desenvolvidos na primeira proposta e com que diversos participantes não concordaram na segunda proposta. Nomeadamente, referiram ser um contrasenso dizer que o ensino secundário é considerado terminal (pg 255) quando não sendo profissionalizante apenas habilita a candidatar-se ao ensino superior; consideraram tal posição perigosa, pois contribui para aumentar o fosso entre o ensino secundário e o ensino superior.
Os participantes concluiram assim que as diversas propostas se apresentam demasiado insuficientes para um problema desta envergadura e de importância capital para o futuro do País; que os documentos nunca deveriam ter sido redigidos apressadamente, evitando-se pelo menos as inúmeras contradições detectadas.
1ª estrutura curricular proposta para o Ensino Secundário
nos Documentos Preparatórios
- 1º volume - pg 49-54.
vertente de fraca formação profissional
tronco comum |
Português |
|
via A (ex A,B,E) |
via B (ex C,D) | |
formação específica | Matemática Física + 2 opções |
História Língua Estrangeira II + 2 opções |
formação profissional | + 1 opção | + 1 opção |
vertente de forte formação profissional
tronco comum |
Português |
|
via C |
via D |
|
formação específica | Matemática Física + 1 opções |
História Língua Estrangeira II + 1 opções |
formação profissional | + 3 opção | + 3 opção |
2ª estrutura curricular proposta para o Ensino Secundário
nos Documentos Preparatórios
- 1º volume - pg 233-250.
Formação Geral |
|
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Formação Específica |
Área de Est. tecn. Naturais |
Área de Est. tecn. Sociais |
Área de Estudos Humanísticos |
Área de Est. Artísticos |
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var A | var B | var C | ||||
Matemática Ciênc. Fis. Quim. Ciên. Terra Vida Des. Geom. Desc. |
Matemática Geografia Int. Económ. Sociologia |
Filosofia |
Matemática Des. Geom. Desc. Hist. Arte Int. Est. Mater |
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História Opção |
Latim Grego |
Ling. Estr. II Lit. Moderna |
||||
Formação técnica | 6+6+6 h | 8+6+6 h | 8+6+6 h | 8+6+6 h | 7+6+6 h | 6+8+7 h |
Área Escola | M/T | M/T | M/T | M/T | M/T | M/T |
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