nº13
ISSN 0870-7669 Junho
de 1988
Folha Informativa
do Projecto "Computação no Ensino da Matemática"
REFORMA DO SISTEMA EDUCATIVO
O Centro de Matemática da Universidade de Coimbra (INIC) através da sua linha nº6 (História e Metodologia da Matemática), onde se integra o Projecto "Computação no Ensino da Matemática, tem vindo a promover uma série de debates sobre o futuro do ensino da matemática nos diversos graus de ensino, tendo como pano de fundo a reforma do sistema educativo. O debate tem tomado como ponto de partida os diversos documentos que a Comissão de Reforma do Sistema Educativo tem divulgado publicamente. Cada um dos debates, moderado pelo responsável da linha nº6, Prof. Dr. Jaime Carvalho e Silva, é introduzido por um orador convidado, e o conteúdo desta intervenção juntamente com um resumo dos debates será enviado à referida Comissão e publicado no "nonius".
O quarto debate teve lugar no dia 24/3/1988, e teve como tema
Formação de Professores e "efectivos-provisórios"
Não há nenhum texto dos "Documentos Preparatórios" da Comissão de Reforma do Sistema Educativo que se refira explicitamente à formação de professores (quer inicial quer contínua); apenas o texto sobre a "Organização e Administração das Escolas do Ensino Básico e Secundário" se refere de raspão à formação contínua no artº 51º pg 206, e no artº 84º pg 226. Pensamos, no entanto que é um dos assuntos mais importantes de toda a Reforma Educativa e esperamos que este debate possa sensibilizar a Comissão de Reforma do Sistema Educativo e o Ministério da Educação para que lhe consagrem também um ou mais Documentos para submissão a debate público. Aliás a "Lei de Bases do Sistema Educativo" refere mesmo que deverá (deveria) ser publicada no prazo de um ano legislação sobre formação de pessoal docente (aliás os actuais curricula de formação de professores do Ciclo Preparatório das Escolas Superiores de Educação não estão de acordo com o estipulado na Lei de Bases!...) e sobre carreiras de pessoal docente (onde um dos elementos mais importantes é a formação contínua). É pois esta a justificação deste debate.
É relativo a esse debate que publicamos a intervenção inicial do Prof. Dr. A. Ribeiro Gomes (presidente do Conselho Científico da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra), assim como um resumo do que foi dito no debate. Este resumo não representa de modo nenhum uma conclusão do debate, pretende apenas divulgar as posições expressas pelos diversos participantes.
Intervenção inicial do Prof. Dr. A. Ribeiro Gomes
(transcrição da gravação da intervenção)
Desculpem não ter o texto escrito, mas neste momento vejo-me avassalado por um certo número de problemas; aliás estava numa reunião bastante importante para a Faculdade, a discussão do Orçamento, que é um problema grave; e ausentei-me por algum tempo para vir aqui falar convosco sobre a formação de professores e os "efectivos-provisórios". Para começar iria chamar a vossa atenção para duas ordens de razões. Em primeiro lugar, lembrar-vos algumas coisas da Lei de Bases do Sistema Educativo; e chamaria em especial a vossa atenção para 6 artigos: o 13º, 30º, 31º, 35º, 36º e 59º. Não discuto a lei, ela foi aprovada na Assembleia da República no local próprio, posso não estar de acordo com ela, o que não acontece neste momento, mas apenas lembraria que o artigo 13º começa por dizer:
"No Ensino Superior são conferidos os seguintes graus: a) bacharel; b)licenciado; c)mestre; d) doutor."
Depois noutros números do artigo diz ainda que:
"No Ensino Universitário são conferidos os graus de licenciado, mestre e doutor e são atribuídos outros certificados (...). No Ensino Politécnico é conferido o grau de bacharel e são atribuídos diplomas de estudos superiores especializados bem como outros certificados e diplomas para cursos de pequena duração."
E diz ainda no nº 7 que:
"Os cursos de estudos superiores especializados do Ensino Politécnico que formem um conjunto coerente com um curso de bacharelato precedente podem conduzir à obtenção do grau de licenciado."
Isto quanto a mim cria-me alguma perplexidade porque diz que quem dá licenciatura são as universidades e depois diz que o politécnico com o grau de bacharel e com o curso de estudos superiores especializados coerente pode dar logo licenciado. Isto terá alguma razão, mas por agora era isto que eu queria abordar.
Nos artigos 30º e seguintes começam os Princípios sobre a formação de educadores e professores. Eu estou a falar nisto porque uma coisa é o que está na Lei, é dizer-se como se deve fazer e outra coisa é o que se vai fazer. Diz nesse artigo 30º que:
"A formação de professores e educadores assenta nos seguintes princípios:
a) Formação inicial de nível superior, proporcionando aos educadores e professores de todos os níveis de educação e ensino a informação, os métodos e as técnicas científicos e pedagógicos de base, bem como a formação pessoal e social adequadas ao exercício da função;
b) (isto é importante!) Formação contínua que complemente e actualize a formação inicial numa perspectiva de educação permanente;"
Portanto a Lei de Bases realmente aponta bem para este vector.
"c) Formação flexível que permita a reconversão e mobilidade dos educadores e professores dos diferentes níveis de educação e ensino, nomeadamente o necessário complemento de educação profissional;
d) Formação integrada quer no plano da preparação científico-pedagógica quer no da articulação teórico-prática;"
Para este último é que eu chamo particularmente a atenção. Depois destacarei ainda no mesmo artigo:
"A orientação e as actividades pedagógicas na educação pré-escolar são asseguradas por educadores de infância, sendo a docência em todos os níveis e ciclos de ensino assegurada por professores detentores de diploma que certifique a formação profissional específica com que se encontram devidamente habilitados para o efeito."
Eu, para os presentes que não têm a Lei de Bases presente, ou que não a leram ainda, lembro que ela define a escolaridade obrigatória até ao 9º ano, designada por Ensino Básico, que compreende três ciclos (o 1º de 4 anos, o 2º de 2 anos e o 3º de três anos), e depois há o Ensino Secundário com três anos.
No artigo 31º diz que:
"Os cursos de formação de professores do 2º e 3º ciclos do Ensino Básico e de professores do Ensino Secundário serão cursos de licenciatura."
Portanto, no 2º e 3º ciclos do Ensino Básico (o actual Ciclo Preparatório (5º e 6º anos) e os 7º, 8º e 9º anos), aí são professores com cursos de licenciatura. Mas diz mais. No nº 5 diz que:
"Os cursos de licenciatura para formação de professores do 2º ciclo do Ensino Básico (portanto 5º e 6º anos de escolaridade) realizados nas Esolas Superiores de Educação organizam-se nos termos do nº7 do artigo 13º"(que eu disse há pouco).
Quer dizer, as Escolas Superiores de Educação vão dar o bacharelato, vão fazer cursos de estudos superiores especializados, e com isso formam licenciados que são professores do 2º ciclo do Ensino Básico.
Depois o artigo 35º é, na Lei de Bases, específico para a formação contínua. Diz no nº 1:
"A todos os educadores, professores e outros profissionais da educação é reconhecido o direito à formação contínua."
Isto é uma frase bonita que convem reter. E os números seguintes:
"2-A formação contínua deve ser suficientemente diversificada, de modo a assegurar o complemento, aprofundamento e actualização de conhecimentos e de competências profissionais, bem como possibilitar a mobilidade e a progressão na carreira.
3- A formação contínua é assegurada predominantemente pelas respectivas instituições de formação inicial, em estreita cooperação com os estabelecimentos onde os educadores e professores trabalham.
4- Serão atribuídos aos docentes períodos especialmente destinados à formação contínua, os quais poderão revestir a forma de anos sabáticos."
Para os menos avisados nesta terminologia, os anos sabáticos já existem há muito tempo no Ensino Superior, é um direito de que o professor se serve de em em dada altura suspender as suas actividades lectivas para aprofundamento dos seus conhecimentos; neste momento, no Ensino Universitário, é de seis em seis anos que os professores têm direito a um ano de licença sabática para actualização dos seus conhecimentos.
O artigo 36º diz que:
"1- Os educadores, professores e outros profissionais da educação têm direito a retribuição e carreira compatíveis com as suas habilitações e responsabilidades profissionais, sociais e culturais.
2- A progressão na carreira deve estar ligada à avaliação de toda a actividade desenvolvida, individualmente ou em grupo, na instituição educativa, no plano da educação e do ensino e da prestação de outros serviços à comunidade, bem como às qualificações profissionais pedagógicas e científicas."
Isto significa, segundo o referido na Lei de Bases, que de futuro, na carreira docente, a progressão na carreira estaria condicionada à avaliação da actividade desenvolvida e deixaria de ser como é no momento presente uma progressão (se é que se pode chamar progressão o chamado sistema das fases) baseada apenas no tempo de prestação de serviço.
Finalmente, no artigo 59º começam as disposições finais e transitórias com o desenvovimento da Lei de Bases:
"O Governo fará publicar no prazo de um ano, sob a forma de decreto-lei, a legislação complementar necessária para o desenvolvimento da presente lei que contemple, designadamente os seguintes domínios:
(...) b) Formação de pessoal docente;
c) Carreiras de pessoal docente (...)
(...) f) Formação profissional;"
Bem, isto eram algumas observações que eu vos queria fazer, para ver como a Lei de Bases do Sistema Educativo pode garantir algumas condições, mas são condições que se referem às pessoas que no futuro façam a sua formação em Escolas de Ensino Superior para serem professores seja do Ensino Básico seja do Ensino Secundário.
Relativamente à questão dos professores "efectivos-provisórios" devo dizer que tenho na minha mão o projecto de Decreto-Lei sobre a formação dos professores "efectivos-provisórios" que o Ministério mandou para apreciação. E nós iremos fazer a nossa apreciação, como instituição, como orgão; apesar de tudo, isto não é secreto, eu queria dizer-vos algumas coisas que estão expressas neste projecto de Decreto-Lei que é uma coisa relativamente grande com 52 artigos. É um projecto de Decreto-Lei, que eu não vou ler todo é evidente, que se refere, repito, à profissionalização dos chamados "efectivos-provisórios". Eu estou aqui a ver gente que quer ser professor, e há aqui alguns pontos que vos molestam de maneira particularmente sensível, que eu referirei.
Um outro problema é o da formação contínua para o qual há as boas intenções da Lei de Bases, mas, por enquanto, nada mais temos.
Ora bem, sobre a profissionalização dos "efectivos-provisórios"; a introdução, como todos os decretos, tem uma justificação dessa lei e diz que:
"(...) aparece na sequência do Decreto-Lei 18/88 de 21 de Janeiro que definiu os quadros docentes das Escolas do Ensino Preparatório e Secundário e a reestruturação dos cursos para a docência, e criou as condições de estabilidade e a garantia do acesso à profissionalização. Na sequência lógica importa instituir o modelo de profissionalização em serviço que, obedecendo ao determinado na Lei 46/86 de 14 de Outubro (que é a Lei de Bases), permita responder com qualidade e em quantidade e tempo útil às necessidades do sistema. Nos últimos anos foram implementados sucessivos modelos de profissionalização em serviço nos Ensinos Preparatório e Secundário mas as condições conjunturais têm contrariado a sua exequibilidade e tornado desproporcionados os seus custos relativamente aos resultados obtidos. Em consequência, à prática pedagógica não têm existido verdadeiras garantias de acompanhamento, nos sistemas anteriores, dado que o numeroso corpo de orientadores é insuficiente para responder com regularidade e eficácia às necessidades do elevado número de professores em formação."
Ora bem, diz-se que:
"Os professores com direito à profissionalização em serviço apresentam perfis de experiência muito diversos, e em resultado da nova concepção e organização dos concursos, realizarão a sua formação profissional numa rede de escolas caracterizada pela dispersão geográfica e pela diferenciação. As suas legítimas expectativas tornam imperioso imprimir um ritmo rápido ao processo de profissionalização."
Continuando diz:
"A profissionalização em serviço é concebida como a fase inicial do processo de formação contínua. Mas, dado que a organização do ensino determinada na Lei 46/86, e a reformulação dos planos curriculares irão inevitavelmente criar necessidades imediatas de formação para a generalidade do corpo docente, integrará componentes que também visam abranger, numa perspectiva de formação contínua, os professores dos quadros com nomeação definitiva.
A profissionalização em serviço parte de dois princípios estruturais: o reconhecimento da responsabilidade das instituições de ensino superior na formação de professores, e a necessidade de constituição da escola como centro de formação e como comunidade educativa."
A isto junta a Universidade Aberta com "a possibilidade de fazer o desenho e produção de unidades de formação de moldes e materiais de apoio supletivo."
Isto é a introdução, entra depois no articulado e eu vou dizer-vos o que é que mais feriu a minha sensibilidade do que está neste projecto de diploma.
Assim, começa por dizer no artigo 1º, que:
"O presente diploma contem as normas orientadoras da profissionalização em serviço que se aplicam aos professores dos Ensinos Preparatório e Secundário pertencentes aos quadros com nomeação provisória previstos no decreto-lei 18/88 de 21 de Janeiro."
Depois diz que, no artigo 2º,
"1- Para efeitos do presente diploma os professores dos quadros com nomeação provisória dos Ensinos Preparatório e Secundário são ordenados em listas de âmbito distrital elaboradas por grupo, subgrupo, disciplina ou especialidade.
2- A elaboração das listas a que se refere o número anterior concretiza-se de acordo com normas definidas no decreto-lei 18/88 de 21 de Janeiro.
3- Os docentes são chamados para realizar esta profissionalização em serviço por ordem decrescente de graduação da respectiva lista.
4- A chamada de docentes para a realização da profissionalização em serviço, que é feita por ordem decrescente da graduação da respectiva lista, obedecerá aos princípios a seguir indicados:
a) necessidades do sistema em número e qualificação dos professores;
b) capacidade do sistema de formação."
No artigo 3º, actualização das listas (isto é importante para quem quer vir a ser professor sem se profissionalizar nos estabelecimentos de ensino superior):
"1- As listas por grupo, subgrupo, disciplina ou especialidade organizadas de acordo com o estabelecido no artigo anterior serão anualmente actualizadas em resultado das colocações de professores do quadro com nomeação provisória operadas pela primeira parte do concurso a que se refere o nº1 do artº 2º do decreto-lei 18/88.
2- Os docentes referidos no número anterior entrarão na lista imediatamente a seguir ao último dela constante, ordenados eles próprios nos termos do artº 8º do decreto-lei 18/88."
Por agora, é um ponto que eu refiro que a mim pessoalmente me fere particularmente a sensibilidade. Quer dizer o mais ilustre jovem saido actualmente duma instituição de ensino superior e que queira ensinar, instituição onde não adquiriu a profissionalização, vai colocar-se na lista a seguir ao pior dos professores "efectivos-provisórios" que ali figuram. Considero isto realmente um prejuízo enorme a frustrar (é claro que me vão dizer que ao outro também frustrava) mas este a frustrar situações de desejos de juventude que quer realmente progredir. Não compreendo pessoalmente uma situação deste género.
Depois fala-se sobre as componentes da formação. Nós sabemos o que é que se faz nas universidades, por exemplo, para profissionalizar professores; no caso do ramo educacional têm uma licenciatura com disciplinas de índole científica, disciplinas de índole psico-pedagógica, disciplinas de índole metológica e didactica, fazem uma monografia científica, fazem um estágio profissionalizante onde ainda têm um seminário de natureza científica. E, Deus sabe e nós todos, apesar de tudo, que no final quantas carências ainda muitas vezes existem. Pois bem, quem já é "efectivo-provisório" vai fazer a profissionalização em duas componentes:
"a) ciências de educação
b) projecto de formação e acção pedagógica."
Diz depois a seguir que a componente de formação em Ciências de Educação, (são dois anos, já passei aqui algures, a proposta de profissionalização em serviço),
"(...) integra-se no primeiro ano da profissionalização em serviço, e é da responsabilidade de qualquer das entidades abaixo referidas:
a) Escolas Superiores de Educação
b) Centros Integrados de Formação de professores
c) Faculdades de Letras
d) Faculdades de Ciências
e) Universidade Aberta."
Não sei se a ordem signifia alguma coisa, se há alguma hierarquia nesta ordem, é possível que haja, pelo menos com respeito à alínea a) --não especifica. Depois diz-se que, no número 2:
"A formação em Ciências de Educação desenvolve-se por módulos genericamente correspondentes às áreas da Psicologia da Educação, Sociologia da Educação e Organização Escolar, Desenvolvimento Curricular, e Tecnologia Educativa.
3- Os módulos de natureza teórico-prática, tomarão como referência situações concretas, como seja a experiência dos docentes em formação, numa perspectiva de análise do processo ensino-aprendizagem visando a obtenção de fundamentos, técnicas e conceitos que esclareçam e apoiem a prática docente.
A componente do segundo ano da profissionalização em serviço, projecto de formação e acção pedagógica,
"(...)decorre na escola a cujo quadro o docente pertence, e é da reponsabilidade do conselho pedagógico da escola e dos orgãos de apoio. O projecto realizado pelo professor em profissionalização carece de prévia aprovação conjunta do conselho pedagógico e da instituição de ensino superior (aqui não é muito claro, dá impressão que há sempre a instituição de ensino superior que está ligada à escola para este efeito). O conselho pedagógico designa um delegado de grupo ou disciplina que orienta os docentes neste projecto e cada um desses delegados não deve orientar mais do que seis docentes em profissionalização.
O conteúdo do projecto de formação e acção pedagógica, diz (escrevi aqui uma coisa ao lado, já vou dizer o que foi):
"1- A componente referida no artigo anterior (o projecto de formação e acção pedagógica) concretiza-se na concepção e realização de um projecto de formação e acção pedagógica centrado no processo de ensino-aprendizagem e inserido no contexto interno e externo da escola."
Eu escrevi ao lado: "Isto não é nada". Nas minhas anotações é um àparte. Isto é da tal linguagem que não vai dar mesmo absolutamente nada.
"2- O projecto de formação e acção pedagógica deve corresponder a um plano concreto de actuação pedagógica que integre os conhecimentos e aptidões desenvolvidos no primeiro ano de formação e a experiência profissional do professor."
O comentário que eu queria fazer é de que a tal profissionalização em serviço dos "efectivos-provisórios", qualquer que seja o modo como tenha sido feita a sua formação no ensino superior não contempla minimamente qualquer aspecto de formação científica. O professor está a ensinar, está a ensinar há muitos anos, o que é preciso é dar-lhe formação pedagógica com os tais módulos que refere a lei. Parece-me, e eu interrogo-me sobre isso, será um bom assunto para se meditar nele, que há aqui uma falta grave. Porque isto, na minha opinião, é a negação da formação contínua. Porque como eu vos li aqui na lei de bases a formação contínua é "o complemento, aprofundamento e actualização de conhecimentos e de competências profissionais". Pois aqui diz que a formação em serviço é o primeiro passo da formação contínua, e como primeiro passo começa coxo. Começa coxo logo porque, na minha opinião (estou a falar a título pessoal, a responsabilidade das afirmações é minha, numa apreciação do diploma), contradiz as disposições duma lei geral com a qual nesse aspecto eu estou de acordo.
Depois entramos no capítulo da avaliação.
"A avaliação do docente em profissionalização abrange duas componentes; no final do primeiro ano de formação e no que se refere ao programa de Ciências de Educação é classificado, e no final do segundo ano também é classificado."
A avaliação do primeiro ano diz aqui que é feita pelos módulos; acho muita graça porque diz que a classificação é de 0 a 20, e noutro dia criticava-se porque os alunos têm de ser de 1 a 5 mas os professores são classificados de 0 a 20. Era óptimo começar a ensaiar pelos professores aquilo que eles vão fazer com os alunos, mas não!
A classificação final da componente de Ciências de Educação será a média aritmética aproximada por defeito (também é uma inovação, nunca vi) às unidades das classificações obtidas em cada módulo. E há aqui um problema que até é violento neste aspecto -- se um professor reprovar num módulo perde o ano de formação:
"A classificação inferior a dez valores obtida em algum dos módulos referido no número 2 do artigo 6º do presente diploma, determina só por si uma situação de não aproveitamento na componente de Ciências de Educação."
Eu, não concordando com a metodologia seguida para a formação de ser só Ciências de Educação, também não concordo com a violência de não se admitir que o espírito da média não funcione: passa quem tiver média de dez mas além disso quem tiver em todos os módulos pelo menos dez. Considero, pessoalmente, uma violência.
Depois no segundo ano de formação, aqui o processo de classificação é mais complexo:
"1- A avaliação da componente projecto de formação e acção pedagógica é da competência de um júri, a partir de proposta fundamentada do professor que acompanhou a sua realização.
2- O júri referido no número anterior será constituido pelo docente da instituição de ensino superior a que se refere o artº 2 (que é o tal que está sempre em ligação, e que não é muito claro o seu papel), pelo presidente do conselho pedagógico da escola e pelo professor que acompanhou a sua realização."
Essa apreciação também é feita numa escala de 0 a 20 valores. Depois também aparece uma fórmula, que, como já vai sendo tradicional, as fórmulas que aparecem nestes diplomas, mtematicamente constituem sempre uma relativa anedota porque nem sequer a simplificam. E depois aquilo é muito mais claro do que aquilo que parece. A fórmula, diz que a classificação profissional de um professor é
Claro que isto é muito simplesmente
(CA= classificação académica
CCE = componente de ciências de Educação
CPFAP = componente do projecto de formação e acção pedagógica)
A primeira fórmula é muito mais bonita, mas ninguém percebe. Ora bem, o que é que isto quer dizer? Isto quer dizer ao fim e ao cabo que na classificação da profissionalização entra três vezes a nota académica, duas vezes a nota de Ciências de Educação e uma vez a nota da componente de formação pedagógica.
O que significa que ser um bom professor é menos importante para ele do que ser um bom especialista em Ciências de Educação, por exemplo, porque a componente do segundo ano de formação, que é o projecto de formação e acção pedagógica, é aquela que entra com menos peso naquela média ponderada em que os coeficientes são 3, 2 e 1, respectivamente. Esta é a outra ilação que se pode tirar.
Depois, repetição dos anos de formação: diz que o docente em formação pode não ter aproveitamento apenas uma vez em cada um dos dois anos de formação. Isto é difícil de interpretar mas dá a impressão que a interpretação mais lata será: pode chumbar uma vez no primeiro ano de formação, repete, depois pode chumbar mais uma vez no segundo, repete. Depois diz:
"Sempre que o docente passe o limite referido no número anterior, será automaticamente exonerado do lugar do quadro de "efectivo-provisório" a que tem direito."
Diz depois, que pode desistir, não pode ter mais do que um certo número de faltas, tem que ir às escolas que constituem uma rede de formação constituida por:
"a) Escolas Superiores de Educação
b) Centros Integrados de Formação de professores
(aqui subimos um pouco) c) Faculdades de Ciências
d) Faculdades de Letras
e) Universidade Aberta.
(não sei se a ordem tem algum significado)
f) Escolas dos Ensinos Preparatório e Secundário."
Não diz muito bem como é que as Faculdades de Ciências intervêm neste processo da componente de formação em Ciências de Educação, uma vez que não há nada de formação científica específica.
(NOTA: neste ponto o moderador não reparou que a "cassette" tinha chegado ao fim, pelo que não existe o registo do resto da intervenção do Prof. Doutor Ribeiro Gomes. O resto deste texto é um resumo daquilo que o moderador se lembra que o interveniente referiu)
O Prof. Doutor Ribeiro Gomes referiu-se ao carácter pouco claro da "concepção e execução do programa de formação em ciências de educação" organizado pelas instituições de ensino superior através de "sessões presenciais e seminários, da produção de material de apoio aos seminários e ainda o acompanhamento e a avalaição dos professores em profissionalização", aos pouco claros "seminários quinzenais organizados pela instituição de emnsino superior", ao papel que estranhamente as Faculdades de Psicologia e Ciências de Educação parecem não jogar. Referiu estranheza pelo facto de serem dispensados do projecto de formação e acção pedagógica os docentes com "pelo menos seis anos de serviço docente oficial ou equiparado". Reforçou o facto de se continuar a falar muito em formação contínua de professores mas pouco ou nada se levar à prática, como o mostra a falta de apoio e até o desinteresse que o Ministério da Educação vem manifestando relativamente aos Cursos de Actualização para professores dos Ensinos Preparatório e Secundário organizados pelo Departamento de Matemática.
Resumo das posições assumidas pelos participantes no debate
Os diversos participantes manifestaram-se na generalidade contra o projecto de Decreto-lei sobre a profissionalização em serviço (que desconheciam), comentado pelo Prof. Doutor Ribeiro Gomes, e lamentaram que a formação inicial de professores continue tão maltratada em Portugal. Nomeadamente os numerosos alunos da licenciatura em Matemática (Ramo Educacional) presentes lamentaram a quebra inevitável de qualidade de formação para a docência com a ultrapassagem dos licenciados com formação específica para a docência por outros licenciados com preparação forçada e deficiente.
Vários participantes consideraram que a proposta pouco mais era do que a reedição das antigas "pedagógicas" com formação por "comprimidos" à base de ciências de educação.
Vários participantes consideraram um erro não existir preocupação na formação em metodologias de ensino nem na formação científica; isso significaria uma grave lacuna na formação de base do futuro professor de matemática, com a consequência de, por exemplo, os deixar completamente me branco em áreas como as de geometria ou probabilidades !
Um participante considerou que um professor experimentado e consciente, ao fim de 10 anos a ensinar no mesmo ciclo, adquire um à vontade com aquilo que ensina que praticamente não precisa de preparar as aulas; os 6 anos referidos na proposta de decreto-lei aproximam-se dos 10, pelo que considerou que tal se adequava desde que fosse para ensinar o 7º ano de escolaridade.
Outro participante considerou que o projecto de decreto-lei segue o caminho mais fácil, mais populista, sendo ainda por cima anacrónico; considerou que estamos a dar os primeiros passos com graves riscos de cair num precipício. A formação científica é fundamental: "não se fazem omeletes sem ovos!"; a formação científica tem que ser suficientemente ampla. Devem ser incluidas na formação do futuro professor a formação científica, a metodologia de ensino da matéria respectiva, a criação de uma atitude de ensinar; as ciências de educação que têm uma dimensão científica mais uma formação de metodologia da repercussão das ciências de educação no ensino de cada professor e na atitude do professor (deontologia profissional, por exemplo).
Outro participante considerou que os responsáveis falam demasiado em ciências de educação mas não levam à prática as suas teorias: o esquema proposto de formação em ciências de educação é antipedagógico; a história da educação (nomeadamente a história recente em França) mostra que uma formação inadequada e apressada dos professores tem gravíssimas consequências a longo prazo. Para quê insistri em erros? Só para dourar estatísticas enganadoras?
Um dos participantes referiu que os responsáveis parecem ignorar que não basta estar a dar aulas para se ser professor, que na profissionalização há pessoas tão heterogéneas como os engenheiros ou com o 7º ano do liceu! Que nem toda a gente serve para professor nem mesmo obrigatoriamente um licenciado em matemática!
Outro participante sugeriu que se formasse uma Associação de antigos e actuais alunos dos ramos educacionais e das licenciaturas em ensino que defendesse os seus interesses que são os de uma formação de qualidade dos futuros professores; deveria reivindicar nomeadamente que nos concursos os professores já profissionalizados ficassem à frente dos efectivos provisórios(não profissionalizados).
Um participante referiu a delicadeza das negociações com os sindicatos mas achou que é possível conciliar o princípio defendido pelos sindicatos de que quem tem vínculo à função pública deve aí manter-se, com a questão da progressão na carreira pela qualidade. Considerou que a Faculdade de Ciências deve defender os seus alunos pela via da qualidade científica e pedagógica e deve bater-se pela sua saída profissional.
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