NONIUS
nº22 ISSN 0870-7669 Janeiro 1990
Folha Informativa do Projecto "Computação no Ensino da Matemática"

Actividades de análise elementar com calculadoras
Jaime Carvalho e Silva

 

Quando em 1982 escrevi o texto "Decorar a tabuada ou utilizar as calculadoras?" (ver "contacto" nº 6 e nº 7, Maio e Julho 1982, e também "nonius" nº 0, Nov. 86), estava muito longe de pensar que, passados quase 8 anos, as calculadoras ainda estariam tão longe de ser normalmente encaradas como mais um dos instrumentos didácticos para o ensino da matemática em Portugal.

Aí afirmava nomeadamente que "nos devemos preparar para o impacto que tal facto terá (se é que não começa já a ter) no ensino da matemática." Estava demasiado optimista! Hoje, as calculadoras não são praticamente utilizadas no ensino da matemática em Portugal, e continua proibida a sua utilização na generalidade dos exames, mesmo no ensino superior.

Porquê? Penso que a razão principal reside no facto de a reflexão e discussão sobre o ensino da matemática nos diversos níveis de ensino ter sido relativamente reduzida; só recentemente se tem visto um debate mais alargado por causa da futura entrada em vigor dos novos programas de matemática para os ensinos básico e secundário. E sem esse debate não se poderá espalhar a inovação no campo do ensino da matemática.

Se é certo que na proposta de novos programas de matemática vêm expressamente referidas as calculadoras, nota-se que o clima geral não é muito favorável à introdução das calculadoras no ensino da matemática, pois muitas pessoas não vêm que vantagens poderão daí advir, além de recearem que as calculadoras se tornem num "instrumento de preguiça". Claro que, conforme já referi no artigo citado, estes são problemas reais. Os professores têm que ser devidamente formados para a utilização das calculadoras; estas não podem ser utilizadas de qualquer modo, nem muitas vezes é óbvio como se pode tirar partido da sua utilização. E a tabuada e a memorização mantém a sua importância, pois, conforme é correctamente indicado na proposta de novos programas de matemática, actividades como o cálculo mental e a estimação são fundamentais para a formação do aluno, e aí a calculadora não exerce praticamente nenhum papel.

É muito variado o modo como as calculadoras podem ser utilizadas no ensino da matemática. Sem pretender ser exaustivo, tanto pode ser como forma de dar substância a um problema que de outro modo pode parecer demasiado abstracto, como forma de explorar relações e propriedades tanto para as ajudar a perceber como para as intuir, como forma de permitir a exploração de situações impossíveis de fazer "à mão", como forma de complementar exercícios que se aproximem mais de situações reais ou actuais. Além do mais, a utilização das calculadoras permite um maior envolvimento da parte dos alunos na matemática que eles vão aprendendo, dando aos alunos um papel mais activo: a matemática tem que se aprender "fazendo matemática".

A seguir apresento alguns dos exercícios que envolvem a utilização de calculadoras (e se enquadram em maior ou menor grau nas características acima enunciadas) e foram propostos aos alunos do 1º ano da licenciatura em Matemática (no ano lectivo 1989/90) nos capítulos "sucessões" e "séries". Penso que só a discussão em situações concretas é capaz de mostrar como se pode utilizar de modo natural a calculadora na sala de aula (e fora dela). Uma proposta para actividades com utilização de calculadoras nos capítulos acima enunciados, é explicitada a seguir. Claro que esta série de exercícios não esgota o tema, longe disso; ainda muitos outras actividades se poderiam propor dentro dos capítulos referidos.

 

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ACTIVIDADE 1

Problema das Torres de Hanoi. Num tabuleiro há três estacas. Numa delas encontra-se uma pilha de discos de diferentes tamanhos, como indica a figura, com o menor por cima. O objectivo deste problema é mudar a pilha para outra estaca, movendo os discos um a um, de uma estaca para outra qualquer, de modo que nunca se coloque um disco sobre outro menor. Prova por indução que, para n discos, pode resolver-se o problema em 2n-1 movimentos.

A lenda original de que resulta este problema diz que, no Grande Templo de Benares, os sacerdotes estão, desde o princípio do mundo, a mudar 64 discos de ouro puro de uma estaca de diamante para outra. Quando terminarem, o mundo acabará. Calcula, usando uma calculadora ou um computador, quanto tempo ainda falta para o mundo acabar (supõe que os sacerdotes demoram um segundo a mudar um disco de uma estaca para outra, e que nunca se enganam).

 

ACTIVIDADE 2

Considera a sucessão de números reais (xn) de termo geral

a)

b)

c)

d)

e)

Calculando os primeiros termos da sucessão, com o auxílio de uma calculadora, tenta adivinhar as propriedades de (xn).

 

 

ACTIVIDADE 3

Considera a sucessão de números reais (xn) definida por recorrência:

Calculando os primeiros termos da sucessão, com o auxílio de uma calculadora, tenta adivinhar as propriedades de (xn). Mostra que é convergente, utilizando o critério de convergência das sucessões monótonas, e determina o seu limite.

 

ACTIVIDADE 4

i) Considera a sucessão de termo geral sen n; Calculando os primeiros termos da sucessão, com o auxílio de uma calculadora, tenta adivinhar as propriedades de (sen n). ii) Mostra que a sucessão (sen n) é divergente através dos seguintes passos:

a) Supondo que é convergente, mostra que então deverá ter-se

b) Conclui da alínea anterior que

c) Conclui da alínea anterior que

d) Conclui da alínea anterior que

e) Conclui que se chegou a um absurdo ao supor que (sen n) era convergente, e portanto que a sucessão (sen n) é divergente.

 

ACTIVIDADE 5

Problema em aberto. Considera a sucessão de primeiro termo u1 qualquer e de termo geral definido por recorrência por meio de

Usando uma calculadora ou um computador verifica que qualquer que seja o primeiro termo u1 escolhido se chega sempre à sucessão 4, 2, 1, 4, 2, 1, ... . Não se conhece ainda uma demonstração geral deste facto.

 

ACTIVIDADE 6
Série Harmónica

A série harmónica diverge mas os cálculos numéricos não o parecem mostrar, isto é a sucessão associada diverge (neste caso tende para + ) muito lentamente. Observa isso determinando o menor valor de n para o qual é superior a:

a) 3

b) 4

 

ACTIVIDADE 7
A Constante de Euler e a série harmónica

a) Embora se tenha provado que a série harmónica diverge, que se poderá concluir da sucessão definida por

Antes de intuir a resposta, completa o quadro seguinte usando meios computacionais adequados:

n
log n

1
1
10
50
100
1000
5000
10000

1 0  

 

A sucessão (cn) converge para a chamada constante de Euler-Mascheroni, aproximada-mente igual a 0,577216 (que não se sabe se é um número racional ou irracional).

b) Da alínea anterior estima um valor para n de modo que a soma seja maior do que 106.

c) Verifica que a tua resposta à alínea b) significa, interpretando n como o número de segundos necessários para efectuar esta soma (uma divisão e uma subtracção por segundo), que o tempo necessário é superior à idade conhecida do nosso universo.

 

ACTIVIDADE 8

O meio actualmente mais eficaz de cálculo do valor de é através da seguinte série:

 

a) Mostra que se trata de uma série convergente.

b) Pode-se mostrar que tomando os k+1 primeiros termos desta série, ¹ vem determinado com 14.18(k+1) casas decimais exactas. Verifica este facto, com o auxílio de uma calculadora ou de um computador (programando numa qualquer linguagem), para k = 5 e k = 10.

Esta série foi utilizada, em 1989, para calcular ¹ com mais de um milhar de milhão de casa decimais pelos matemáticos americanos Gregory e David Chudnovsky da Universidade de Columbia, o que constitui actualmente um recorde. Claro que esta série não aparece por acaso, mas sim integrada num contexto assaz complexo da Teoria de Números. Como curiosidade refira-se que nessa teoria se pode saber que o cálculo efectuado está correcto, com uma probabilidade de erro inferior a . Estes cálculos são interessantes por si só, mas também encontram aplicações importantes na verificação da fiabilidade dos supercomputa-dores e na simulação do movimento das galáxias.

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