NONIUS
nș23 ISSN 0870-7669 Fevereiro 1990
Folha Informativa do Projecto "Computação no Ensino da Matemática"

Os computadores e o ensino da análise elementar
por Jaime Carvalho e Silva

1. Aplicações da matemática (1» parte)

Não há nenhum ramo da matemática, por mais abstracto que seja, que não possa um dia ser aplicado a fenómenos do mundo real
Nicolai Lobachevski (1793-1856)

A "verdadeira" matemática é quase inteiramente inútil
G.H.Hardy (1877-1947)

Contradigo-me?
Muito bem, contradigo-me
(Sou amplo, contenho multidões)
Walt Whitman (1819-1892)

A teoria matemática aparece no ensino da matemática tantas vezes desligada das eventuais aplicações que quase nos habituamos a estudar os resultados por si só, sem sequer pensarmos em indagar se eles possuem ou não alguma ligação com a realidade. Não pretendo discutir as posições divergentes personificadas nas duas citações dos matemáticos Lobachevski e Hardy acima transcritas, mas tão só frisar o facto de as eventuais aplicações (elementares, ou explicáveis em termos elementares) serem quase totalmente ignoradas no ensino da matemática. O mínimo que se pode dizer é que assim se ignora uma parte da ciência de hoje (sem discutir se é mais matemática ou mais ciência), até porque o ensino das outras ciências naturais (física, química, biologia, geologia, geografia) ignora, tanto quanto me posso aperceber, o papel da matemática, limitando-se a usar cegamente umas quantas fórmulas.

A função exponencial (que foi o tema de dois artigos desta série), em face da abordagem que tem sido habitual no ensino da matemática nos últimos anos em Portugal, parece algo que não desempenha um papel especial na matemática (como se não fosse mais do que uma função para complicar exercícios repetitivos já de si complicados!).

Ora a exponencial, e em particular o crescimento exponencial, é algo que está intimamente ligado a inúmeros fenómenos naturais. Não quer isto dizer que se justifique o estudo da exponencial apenas pela existência dessas aplicações, mas também não se poderá dizer que se conhece bem a exponencial sem saber de que modo ela está ligada aos fenómenos naturais.

O crescimento exponencial é ainda uma excelente oportunidade se discutir o que é um modelo matemático, qual a sua importância e suas limitações. A noção de modelo matemático adquire uma projecção cada vez maior na área das aplicações da matemática, sendo de salientar a existência de revistas de investigação exclusivamente dedicadas à discussão de modelos matemáticos, e, por exemplo, a existência de concursos tipo Olimpíadas que consistem na elaboração de modelos matemáticos para o estudo de uma situação apresentada.

Questões de crescimento populacional, decaimento radiactivo, arrefecimento de um corpo, juros de depósitos, taxa de propagação de uma epidemia, etc, etc, fornecem inúmeros exemplos de como a função exponencial pode ser estudada em conjunção com outras áreas das ciências naturais e até humanas e sociais.

A interdisciplinaridade é aliás uma questão que tem sido pouco explorada no ensino da matemática em Portugal. Não me parece que tenha sido uma boa prática (que infelizmente não parece ir ser alterada com os novos programas), de a matemática e as outras disciplinas andarem de costas voltadas, às vezes até com recriminações mútuas sobre o que devia ou não ter sido ensinado.

A seguir é apresentado o exemplo de uma actividade com recurso ao computador, relativa a uma questão de crescimento populacional, mas que poderá ser facilmente adaptada a uma questão de decaimento radiactivo, arrefecimento de um corpo, juros de depósitos, taxa de propagação de uma epidemia, etc, etc. Isto é, uma actividade como esta pode interessar a mais do que um professor, podendo depois ser explorada de modo diverso pelo professor de matemática e, conforme o conteúdo concreto do problema, pelo professor de física, química, biologia, geologia ou geografia.

A actividade refere-se ao programa MICROCALC mas poderá ser feita com qualquer outro programa de traçado de gráficos que permita ampliações e reduções. Para a parte (c)i) pode também ser usada uma calculadora.

Uma última observação: envolve alguma delicadeza a noção de rectângulo de visualização [a,b] ? [c,d] como sendo [a,b] o domínio da função considerada, e [c,d] o conjunto de chegada ou, caso f([a,b]) 2 [c,d], a parte do contradomínio que se pretende (ou consegue) visualizar.

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