Copado, alto, gentil PinheiroManso;
Debaixo cujos ramos debruçados
Do sol ou lua nunca penetrados,
Já gozei, já gozei mais que descanso...
O célebre romancista Aquilino Ribeiro
qualifica o soneto de José Anastácio da Cunha que se inicia
com esta quadra como uma gema rara. Mas opina também que nas poesias
então conhecidas do matemático se podem encontrar versos
de mau gosto, mais horripilantes que gazómetros. Anastácio
da Cunha, O Lente Penitenciado, Livraria Bertrand, Lisboa, 1938, p. 132.
Estes extremos caracterizam de algum modo não
só a vida do matemático e poeta José Anastácio
da Cunha mas também a maneira como a sua vida e a sua obra foram
lembrados desde que morreu em 1 de Janeiro de 1787. A maioria dos textos
que, desde então, foram escritos sobre Anastácio da Cunha
é parcial e preconceituosa, a favor ou contra Anastácio da
Cunha. Muitos aproveitam para atacar as ideias da época, a igreja
que supostamente Anastácio da Cunha criticara, os jesuítas
ou o ensino universitário em geral. Um exemplo disso, que dispensa
mais comentários, é o do matemático e político
António José Teixeira que, nas notas às cartas de
José Anastácio da Cunha e José Monteiro da Rocha,
que editou entre 1890 e 1892, escreveu:
Não devemos porém esquecer que José Monteiro da Rocha (...) havia pertencido á ordem dos jesuitas, e, posto que justamente possuia a reputação de um sabio, que nos faz muita honra, era um invejoso tambem, cheio de ambição insaciavel, e vendo sempre em tudo a sombra do seu rival, cujo admiravel ingenho a consciencia lhe advertia irrecusavelmente ser, em gráu elevadissimo, superior ao seu. in Questão entre José Anastácio da Cunha e José Monteiro da Rocha, O Instituto, 1890, p. 27.
Se é verdade que em 1785 e 1786 Anastácio
da Cunha e Monteiro da Rocha, primeiro director da Faculdade de Matemática
após a Reforma Pombalina, padre ex-jesuíta e astrónomo,
trocaram publicamente acusações bastante duras, todos os
testemunhos anteriores indiciam boas relações entre os dois.
O que não quer dizer que não tenham existido querelas, mas
para poder concluir tal é preciso encontrar documentos que o provem;
muitos comentadores exprimem opiniões baseadas nas suas ideias pessoais
ou no modo como vêem a época, mas a História não
se compadece com esses preconceitos. As análises devem sempre partir
de documentação conhecida (e mesmo essas análises
são passíveis de contestação pois é
possível que haja interpretações divergentes quanto
ao alcance dos documentos conhecidos). É por isso que neste texto
irei sobretudo chamar a atenção para vários aspectos
inéditos
relacionados com documentos que encontrei no decurso das minhas investigações
ou para aspectos menos debatidos da vida e da obra de José Anastácio
da Cunha.
O estudo mais abrangente publicado em Portugal sobre a vida e a obra de Anastácio da Cunha talvez seja o de João Filipe Queiró José Anastácio da Cunha: Um Matemático a Recordar, 200 Anos Depois [publicado em Boletim da SPM, n(o) 29, Setembro 1994, p. 1-18]. Deve também ser consultada a obra M. L. FERRAZ, J. F. RODRIGUES e L. SARAIVA (eds.), Anastácio da Cunha 1744/1787. O Matemático e o Poeta, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1990. pelo que tentarei não repetir temas aí abordados.
O que se sabe sobre a vida do matemático e poeta resulta em grande parte do processo da Inquisição de 1778. Ora, um processo judicial, sobretudo feito nas condições dos da Inquisição, dificilmente será um relato muito fiel da realidade. Como refere Aquilino Ribeiro, é preciso dar o devido desconto a estas confissões, que não raro representam uma maneira de armar à boa disposição dos juízes. Anastácio da Cunha, O Lente Penitenciado, Livraria Bertrand, Lisboa, 1938, p. 112. Contudo tem sido ignorada uma fonte importante para conhecer a vida de José Anastácio da Cunha, como veremos de seguida.
João Manuel de Abreu, discípulo e amigo de Anastácio da Cunha pretendia publicar em França uma Notice sur la vie de J.A. da Cunha [cf. prefácio da tradução francesa dos Principios Mathematicos e texto Escritos posthumos... (in M. L. FERRAZ, J. F. RODRIGUES e L. SARAIVA (eds.), Anastácio da Cunha 1744/1787. O Matemático e o Poeta, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1990, p. 354)]. Viveu alguns anos em França mas, que se saiba, não o chegou a fazer, embora tenha editado várias outras obras, como uma tradução francesa dos Principios Mathematicos de José Anastácio da Cunha. Parece claro que ele e um outro discípulo, Anastácio Joaquim Rodrigues, tentaram, ao máximo, divulgar em França a obra de Anastácio da Cunha; por exemplo, os Principios Mathematicos chegaram à Academia das Ciências de Paris e está registado nas actas das sessões da Academia de 1811 que o matemático Lacroix ficou de elaborar um parecer (mas este nunca foi apresentado na Academia). Contudo, é muito provável que João Manuel de Abreu tenha dado a conhecer a várias pessoas a sua Notice ou, pelo menos, os elementos essenciais da vida de Anastácio da Cunha e que seja por causa disso que, no século XIX, várias referências biográficas foram publicadas em enciclopédias francesas. A mais antiga delas é provavelmente a entrada, escrita por Villenave, da enciclopédia Biographie Universelle, ancienne et moderne ... A Paris, chez Michaud frères, libraires de 1813; esta entrada deverá ter sido acompanhada por algum discípulo de Anastácio da Cunha e até poderá ter sido parcialmente escrita por um deles. Por não ter sido ainda publicada em Portugal e conter elementos importantes transcrevo-a em anexo Embora contenha algumas pequenas imprecisões óbvias (como a relativa à data de falecimento).. É curioso que essa referência biográfica seja tão elogiosa ao qualificar Anastácio da Cunha como un de ces hommes rares, qui (...) se sont élevés d'eux-mêmes à un haut degré dans les sciences, par la seule force de leur génie. Como seria possível tal elogio a um homem de que apenas tinha sido publicada em França a tradução de um livro (com algumas lacunas graves que lhe deturpavam o sentido em passos essenciais ver o texto de João Filipe Queiró já citado.)? Penso que só uma campanha dos amigos poderia ter produzido tal efeito. Contudo não deixo de assinalar que o bibliófilo português Inocêncio Francisco da Silva refere (sem documentar) convites e instancias que algumas Universidades da Europa lhe dirigiram por vezes, oferecendo-lhe vantajosos partidos, no intuito de attrahirem a si um homem tao benemerito, cuja sciencia era mais acatada entre os extranhos, que entre os seus compatriotas in Dicionário Bibliográfico Português, vol. IV, p. 226. Note-se contudo que Anastácio da Cunha perdeu o emprego que tinha no Colégio de S. Lucas, pelo que poderia ter tentado outras hipóteses (cf. prefácio de João Manuel de Abreu na tradução francesa dos Principios Mathematicos). e que Anastácio da Cunha não teria aceite para não abandonar a sua mãe (que lhe sobreviveu e a quem foi atribuída uma pensão devido aos serviços prestados por Anastácio da Cunha).
Depois de falecer, José Anastácio da Cunha continuou a desencadear as paixões mais desencontradas. O livro Composições poéticas, contendo algumas poesias de Anastácio da Cunha, que Inocêncio Francisco da Silva editou em 1839 a prol da gloria e engrandecimento da Litteratura Nacional foi apreendido pela censura por abuso de liberdade de imprensa em materia religiosa essencialmente por causa do poema A Voz da Razão que tem referências explícitas a temas religiosos.. O próprio trabalho de Aquilino Ribeiro não é isento de erros e exageros ao querer provar a todo o custo a culpa de Monteiro da Rocha. Vicente Gonçalves peca em sentido contrário ao querer provar que Anastácio da Cunha não era boa pessoa ver análise mais detalhada em CARVALHO E SILVA, Jaime, Vicente Gonçalves e a História da Matemática em Portugal, Boletim da SPM, 37,1997, pp. 47-55..
A controvérsia de 1785/1786 entre Anastácio da Cunha e Monteiro da Rocha que António José Teixeira transcreve, com notas abundantes, na revista O Instituto entre 1890 e 1892. também documenta indirectamente alguns aspectos da vida e da obra de Anastácio da Cunha. Referirei dois aspectos dessa controvérsia.
A maioria dos estudantes que na Universidade de Coimbra frequentava a Faculdade de Matemática não era da licenciatura em Matemática. Segundo a Relação Geral do Estado da Universidade de 1777 os (...)Estudantes que frequentam os Estudos de Mathematicas [dividem-se em] Ordinarios; Obrigados; e Voluntarios (...) Os Obrigados são aquelles, que hão de estudar necessariamente alguma parte de Mathematica como subsidio, e preparação, para o Estudo das Faculdades, a que se destinam: Como são os Medicos, os Juristas, Theologos e Philosofos. (...) Hé muito conveniente, que o Curso de Mathematica seja frequentado por todas estas classes de Ouvintes; Anastácio da Cunha teve assim como alunos da cadeira de Geometria alunos de várias (se não mesmo todas as) Faculdades. Havendo muitos alunos, a cadeira estava dividida em dois turnos, sendo o outro da responsabilidade de um professor italiano, Miguel Ciera. Segundo se pode ler numa carta do Reitor, D. Francisco de Lemos, "(...) os que frequentam a cadeira extraordinária do Dr Ciera dão a maior parte deles boa conta de si (...)". Significava isso que os alunos aprendiam bem? Há muitas maneiras de ensinar Geometria!...
Anastácio da Cunha foi chamado ao Reitor
devido a reclamações dos estudantes. Mas defendeu-se:
O meu modo de ensinar era o que a minha consciencia e intelligencia perfeitamente conformes n'esse ponto com o que os Estatutos mandam, me dictavam. Expunha o objecto das proposições, a sua connexão e dependencia; o artifício com que Euclides consegue quasi sempre unir a facilidade ao rigor geometrico; e deste procurava dar aos estudantes o conhecimento necessario. O Instituto, 1890-91, vol. XXXVIII, p. 659.
Quem ensinaria melhor? Ciera ou Anastácio
da Cunha? Quem cumpriria os Estatutos da Universidade, redigidos
pela mão de Monteiro da Rocha? Os Estatutos diziam que
os Lentes de Mathematica deveráõ distinguir-se na maior diligencia em fazer circular pelos seus Discipulos hum Exercicio vivo, e efficaz, que os anime, e interesse no estudo importante destas Sciencias. Estatutos da Universidade de Coimbra, 1772, Livro terceiro, p. 198.
Os Estatutos da Universidade faziam várias
propostas muito interessantes sobre os modos de levar os estudantes a entender
as matérias. Nada mais longe da memorização e das
rotinas do que a explicação dos próprios alunos:
Para que os Estudantes venham mais dispostos a darem boa conta das Lições; deveráõ conferir particularmente entre si: Aproveitando-se reciprocamente da applicação de huns, reunida com a dos outros. E achando os Lentes, que alguns são mais remissos, ou de engenho mais embaraçado; os obrigaráõ a conferir previamente as Lições com alguns dos outros de maior penetração, e capacidade; os quaes lhes nomearáõ; e elles serão obrigados a cumprillo assim, como convem ao seu aproveitamento ibidem, p. 199.
A compreensão das matérias era
um ponto de honra dos Estatutos da Universidade e o trabalho de
investigação não era estranho ao trabalho preconizado:
Cuidaráõ tambem muito os mesmos Lentes, em que os Discipulos se ponham no caminho dos Inventores: Presentando-lhes para isso algumas materias pelos passos, que se deram, ou podiam dar, até se chegar ao descubrimento das verdades, que nellas se contém: Mostrando-lhes os indicios, por onde se suspeita, e conjectura primeiro o que se poderá achar; e os meios, e tentativas, que se applicam para o descubrir: E dando-lhes huma idéa circumstanciada da evolução dos descubrimentos Mathematicos, e de como por degráos se passou de huns aos outros. ibidem, p. 201.
Segundo o que declara Anastácio da Cunha
isto era mesmo o que ele fazia:
Não me demorava em ler ou repetir litteralmente (como os meus companheiros costumavam) as proposições que por faceis nem carecem de explicação, nem a admittem, só para poder empregar tempo sufficiente em indicar aos estudantes as verdadeiras difficuldades da lição, e facilitar-lh'as quanto as minhas tenues forças o permittiam. (...) Porém queria que tambem os estudantes trabalhassem e os obrigava a resolver problemas. O Instituto, 1890-91, vol. XXXVIII, 1890, p. 659.
E acusava os outros lentes de não procederem
deste modo, e portanto de não estarem a cumprir os Estatutos da
Universidade:
O mestre repetia ou pelo livro ou de cór litteralmente as proposições da lição; e no dia seguinte cada estudante satisfazia repetindo de cór a proposição que lhe perguntavam. Nem se mostrava o uso das proposições, nem se resolviam problemas; ninguem ainda viu o lente do 1(o) anno no campo ensinando as praxes que os Estatutos mandam. Debalde solicitei os instrumentos necessarios: não me consta que a Universidade tenha ainda nem uma prancheta. ibidem.
José Anastácio da Cunha tem toda
a razão neste último ponto, pois apenas na Acta da Congregação
da Faculdade de Matemática de 17 de Fevereiro de 1807 aparece uma
referência a uma diligência para que o material de Geometria
fosse comprado. Isto apesar de os Estatutos determinarem que
O Lente do Primeiro Anno, (...) terá o cuidado de lhes mostrar o uso prático da Geometria, e Trigonometria Plana. Para o que lhes assinará alguns dias feriados, em que Elles se devam achar em algum lugar do Campo nas vizinhanças da Cidade. Tendo feito conduzir a elle Graphometros, Pranchetas; e outros instrumentos da Geodesia; lhes mostrará a praxe das Operações sobre o terreno. Estatutos da Universidade de Coimbra, 1772, Livro terceiro, pp. 202-203.
Mas a força dos estudantes pesou mais
sobre o Reitor e sobre o Director da Faculdade de Matemática, pelo
que Anastácio da Cunha foi forçado a adoptar o método
a que os alunos já estavam habituados: (...) Compellido pois por
força superior, conformei-me ao tal methodo estabelecido, e serenou
a tempestade. O tal methodo era certamente suave e commodo para os estudantes
e mestres. A facilidade era o que os estudantes pretendiam; sempre é
mais fácil memorizar! E aqui Anastácio da Cunha atinge o
máximo do seu sarcamo ao explicar porque o método dos Estatutos
não era seguido: Mas similhantes lições dão
trabalho aos mestres e luzes aos estudantes; e isso é justamente
o que não convém. Por este testemunho, eventualmente parcial,
se pode concluir que era mais fácil redigir uns Estatutos
inovadores do que modificar as práticas.
Os Principios Mathematicos são, sem dúvida, a obra principal de José Anastácio da Cunha. Aí aparecem pela primeira vez com singular clareza as definições de função, infinitésimo, infinitamente grande, derivada, série convergente, função exponencial. É geralmente considerado que esta obra foi publicada em 1790 O livro começou a ser impresso em 1782 (e era vendido em fascículos)., três anos depois da morte de José Anastácio da Cunha. Contudo só temos a sustentar esta tese a data da página de rosto do livro. Mas, como bem observa Aquilino Ribeiro, o rosto e a página em branco foram colocadas posteriormente. Nas Noticias históricas de Portugal e Brasil indica-se que os Principios (...) Sahirão á luz a 19 de Maio 1798 e que Vendem-se na Casa da Fazenda da Real Casa Pia por 1600 reis em papel, e 1800 reis encadernados [LOPES DE ALMEIDA, Manuel, Noticias Históricas de Portugal e Brasil (1751-1800), Coimbra, 1964]. Oito anos depois do que vem indicado na capa! É bem provável que assim tenha sido devido ao facto de os amigos terem dificuldade em influenciar a edição em Portugal por causa da situação política; além do mais o livro teria sido utilizado para instrução dos alunos do Colégio de S. Lucas da Real Casa Pia, mas as dificuldades deste Colégio fizeram com que o próprio Anastácio da Cunha tenha perdido o emprego conforme assinala João Manuel de Abreu no prefácio da tradução francesa dos Principios Mathematicos.; não é de crer que, falecendo em 1787, a impressão e a venda do livro encontrassem facilidades.
Anastácio da Cunha pretendeu, com os seus
Principios Mathematicos fazer uma reforma geral completa do sistema das
mathematicas puras. Não admira, por isso, que o livro contenha muitas
definições, algumas delas inovadoras. Por exemplo:
<< Se huma expressão admittir mais de hum valor, quando outra expressão admitte hum só, chamarse-ha esta constante, e aquella, variavel. >>
Com esta definição fica claro
o que é uma (expressão) variável e o que é
uma (expressão) constante, embora Anastácio da Cunha não
considere uma constante um caso particular de uma variável, o que
terá consequências como veremos mais adiante.
<< A variavel que podér sempre admittir valor maior que qualquer grandeza que se proponha chamarse-ha infinita; e a variavel que podér sempre admittir valor menor que qualquer grandeza que se proponha, chamarse-ha infinitessima. >>
Aqui faz-se uma distinção, com
um sabor claramente moderno, entre o zero e um infinitésimo e fica
claro de uma vez por todas que o infinito não é um número
mas apenas uma variável. Para que tudo encaixe bem é preciso
definir função:
<< Se o valor de huma expressão A depender de outra expressão B, chamarse-ha A funcção de B; e B raiz de A.>>
Todas estas noções são
necessárias para dar a definição de derivada:
Repare-se que, nesta definição, a diferença entre a razão incremental e o valor da derivada deve ser um infinitésimo; mas, se a diferença for identicamente zero, Anastácio da Cunha já considera que é uma constante e é por isso que tem de aparecer a opção cifra (isto é, zero).<< Escolhida qualquer grandeza (...) para se chamar fluxão [da raiz x] (...), e denotada assim dx chamar-se ha fluxão de , e se denotará assim, a grandeza que faria constante, e infinitessimo ou cifra, se dx fosse infinitessimo, e constante tudo o que não depende de dx
O mais importante de todas estas definições
é que Anastácio da Cunha as utiliza para provar propriedades.
Claro que, tal como se fazia na época, se considerava que todas
as funções eram deriváveis (funções
como a função módulo ainda não eram conhecidas).
Uma das propriedades mencionadas diz que se uma função é
derivável então é contínua (embora a hipótese
da derivabilidade não seja referida):
<< dx infinitessimo, e o que de dx naõ depende constante, fazem infinitessimo.
Pois fazem constante, e infinitessimo ou cifra; e logo infinitessimo expressaõ que se reduz a
Muitos outros aspectos dos Principios Mathematicos mereceriam uma referência detalhada pois não têm sido suficientemente analisados. Consideremos apenas mais o seguinte extracto:
<< (...) a expressaõ naõ significa em rigor senaõ que, proposto qualquer numero pode o decimal [continuado quanto for necessario] denotar numero maior que o proposto, ainda que tambem Esta he a significaçaõ do sinal = em semelhantes expressoens.>>
Anastácio da Cunha tem um cuidado extremo ao escrever expressões como 0,444444... pois poderão não ter significado rigoroso se a dízima for infinita. Assim, definindo 0,444444... também, no fundo, como uma variável, Anastácio da Cunha contorna as eventuais contradições. 4/9 é apenas o limite para que tende 0,444...44 (com um número finito de algarismos) quando o número de algarimos tende para infinito. Este é o argumento fundamental para se entender, por exemplo, que 0,9999... = 1, igualdade ainda actualmente difícil de interiorizar pela maioria dos alunos.Nem sempre estas subtilezas teóricas foram entendidas pelos contemporâneos de Anastácio da Cunha ou pelos que se lhe seguiram. Um exemplo dessa incompreensão é dada por um dos aspectos da polémica pública entre Anastácio da Cunha e Monteiro da Rocha já referida. Atentemos na seguinte carta que António José Teixeira enviou a Francisco Gomes Teixeira em 1892:
Meu prezado amo. e colla.
No Instituto, n.(o) 11, ha dias publicado, verá V.Ex.cia a continuação da questão entre José Anastácio da Cunha e José Monteiro da Rocha, ambos fundadores da faculdade de Matha.
Como estou ha 29 annos fóra do ensino, receio commetter algum erro no ponto mais delicado da controversia q. é uma emenda feita por José Monteiro nas erratas da Mechanica do Abade Marie, como tudo vem exposto no jornal. Rogo pois a V.Excia a fineza de:
(...) 4(o) provar o erro da supposta emenda de m por m + 1/m.
Tudo isto eu faria, mas não tenho confiança nos resultados sem ouvir a autorizada opinião de V.Excia de quem sou
Ao e Obo Colla
La. 6-7-AJTeixeira
carta 1563 do espólio de Francisco Gomes Teixeira.
José Anastácio da Cunha havia considerado que uma emenda feita por Monteiro da Rocha era um absurdo. António José Teixeira pretendia que Gomes Teixeira provasse que Anastácio da Cunha tinha razão. A carta transcrita foi o motivo pelo qual Francisco Gomes Teixeira publicou no 1(o) volume dos Annaes Scientificos da Academia Polytechnica do Porto (1905) um texto onde analisa essa questão: Sobre uma questão entre Monteiro da Rocha e Anastácio da Cunha. Francisco Gomes Teixeira concluiu que nem Monteiro da Rocha nem Anastácio da Cunha tinha razão:Monteiro da Rocha, substituindo m por m+1/m, commetteu o erro de julgar falsa a passagem considerada da Mecanica de Marie, quando não o era; mas Anastacio da Cunha, dando como absurda a substituição que fez Monteiro da Rocha, parece considerar esta substituição como erronea, quando era apenas inopportuna.
Apesar de estar desligado do ensino há mais de 29 anos, António José Teixeira não deixa de tecer inúmeras loas à obra de Anastácio da Cunha; muitos outros citaram os elogios de António José Teixeira como vindo de um especialista, quando não pode ser considerado mais do que um admirador esforçado.
A parte matemática da polémica é analisada em detalhe no texto da conferência Duas ou três histórias da História da Matemática que João Filipe Queiró proferiu na sessão de homenagem ao Professor José Morgado, para onde remeto os leitores interessados em mais pormenores Este texto foi publicado na revista Gazeta de Matemática no n(o) 138 (Janeiro de 2000)..
Anastácio da Cunha não tem sido totalmente esquecido ao longo dos tempos. A Academia das Ciências de Lisboa prestou-lhe uma homenagem, no século XIX. Em 1904, por ocasião de uma reunião extraordinária da Congregação da Faculdade de Matemática, os professores pediram à Câmara Municipal de Coimbra que desse o nome de Anastácio da Cunha à rua que então se chamava de Entre-Collegios. No Departamento de Matemática da Universidade de Coimbra existe desde 1987 uma sala com o nome de José Anastácio da Cunha. Por fim, o segundo centenário da sua morte foi condignamente comemorado em Portugal de que resultaram várias obras, com destaque para a edição fac-simile das edições portuguesa e francesa dos Principios Mathematicos..
Anastácio da Cunha foi, como bem assinalou Tiago de Oliveira, Nem santo nem herói (...), um homem simplesmente comum (...) mas talento notável. TIAGO DE OLIVEIRA, J., Jozé Anastásio, o geómetra exilado no interior, Obras, vol. II, Évora, 1995, p. 129.
Contente vivo, sem sonhar em quintas,
Em dourados palacios, nem carrinhos.
Desfructo em paz a farta natureza
excerto da poesia Contra os vicios, que impedem o progresso das Sciencias.... um homem só e desgraçado como eu...
O Instituto, 1890-91, vol. XXXVIII, p. 654.
Anexo - Biografia de Anastácio da Cunha
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